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29 de jul. de 2016

Stranger Things e o Ministério de Jovens

Por Pedro Pamplona

Usei meu último dia de folga para assistir com minha esposa a série mais comentada nesses últimos dias, Stranger Things. Gostamos muito de séries e do Netflix. Foram 8 episódios muito interessantes que prederam nossa atenção e imaginação. Como a expectativa criada em torno da produção foi grande, ela não foi superada, mas é uma excelente série. Como é de se esperar (pelo nome) coisas estranhas acontecem nessa ficção científica. Na verdade, coisas bem estranhas e inesperadas por todos. A história [LEVE SPOILER] gira em torno da possibilidade da existência e de interação com um mundo ou dimensão paralela. Assistam!

Um mundo paralelo com coisas estranhas e inesperadas... O que isso me lembraria? Se você pensou em ministério de jovens, acertou! Foi isso que veio a minha cabeça no dia seguinte. Acompanhe meu raciocínio inicial. Ao meu ver o direcionamento de muitos ministérios de jovens é criar um mundo paralelo ao mundo do restante da igreja. É como se os jovens necessitassem viver na mesma vida, mas numa dimensão diferente, só para eles. E nessa visão o que difere as dimensões são exatamente as coisas estranhas que permeiam nossa juventude. Espero me tornar mais claro com os pontos a seguir.

Um deus estranho

O primeiro aspecto de um mundo paralelo no ministério de jovens é um deus estranho. Se Ele é o criador e a fonte de toda realidade, um mundo diferente começa com um Deus diferente. No deserto Deus deu ao seu povo hebreu um ambiente (o tabernáculo), uma forma de louvor (o sistema sacrificial) e uma forma de ensino e comportamento (a lei). O Deus único instituiu uma maneira de ser adorado. Seu povo o adorava como Ele queria. Isso quer dizer que a adoração a outro deus seria diferente (ex: bezerro de ouro) ou que outros povos não saberiam adorar a Deus corretamente, isso porque nem o conheciam.

Realmente me parece que o deus de boa parte dos jovens é estranho às Escrituras e ao restante da igreja. Costumam pensar num deus menos irado e mais complacente com o pecado. Num deus mais camarada com irreverente. Ou talvez um deus que não se importe tanto com as normas que Ele mesmo criou. O jovem costuma ver a Deus como o tiozão descolado, não como pai. Os filósofos atenienses convocaram Paulo a falar por acharem que ele ensinava coisas estranhas (At 17.20), mas o apóstolo começa dizendo que a razão pela qual acham seu ensino estranho está no fato de que adoram a um deus desconhecido (At 17.23), não o Deus único e verdadeiro de Paulo.

Não é novidade vermos jovens achando ensinos bíblico estranhos. Temo que isso se deve ao desconhecimento de Deus por conta do deus estranho que constroem em suas mentes. E isso afeta todo o resto.

Um ambiente estranho

Se temos um Deus estranho, provavelmente teremos um ambiente estranho de vida e adoração. Isso é perceptível em muitos ministérios de jovens. Existe uma grande tentativa de criar um ambiente "diferentão", uma outra dimensão da igreja. Por exemplo, sabemos que o Deus da Bíblia é um Deus de decência e ordem (1 Co 14.40), não sabemos? Por que então tanta desordem e indecência no meio dos jovens? A resposta: a visão de Deus estranha às Escrituras. Pense num culto normal de domingo de uma igreja e pense naquele culto de jovens badalado da sua cidade. Por que eles são tão diferentes. Por que as coisas valorizadas no culto dominical normal não são valorizadas no sábado a noite.

Um ambiente de jovens paralelo não se justifica. Nenhum ministério tem a prerrogativa bíblica de criar um ambiente estranho. O que estou querendo dizer com isso? Não me oponho a contextualização de linguagem e roupagem, mas tudo deve ser feito dentro do limite bíblico. Esse mundo totalmente diferente e paralelo acaba viciando os jovens e o mantendo preso a um formato. Muitos não crescem, não gostam de ir a igreja aos domingos e querem continuar mimados pelo deus estranhos dos jovens. E o grande problema é esse: a criação de uma realidade jovem paralela ao restante da igreja é a busca por tornar o ministério mais parecido com o presente século.

Um louvor estranho

No culto de domingo as luzes estão acessas, no de sábado apagadas. No de domingo a música está num volume agradável onde podemos ouvir os demais irmãos cantando, no sábado o volume é máximo. No domingo a liturgia segue normal, no sábado ela é substituída pelo entretenimento. No domingo temos um pregador bem vestido, normalmente, no sábado temos alguém fantasiado ou com roupas que não usaríamos no domingo. No domingo fazemos uma adoração voltada para os crentes, no sábado um show voltado para os incrédulos. Por que duas realidades diferentes? Só podemos encontrar resposta numa visão de Deus diferente.

Deus deixou claro um padrão de louvor ao seu nome. Seria enorme a defesa bíblica de cada passagem, mas podemos resumir e ficar com o princípio de que Ele está procurando adoradores em "Espírito e em Verdade" (Jo 4.24), ou seja, cristãos verdadeiros adorando através da verdade aplicada pelo Espírito. No mundo paralelo dos ministérios de jovens a verdade nas letras musicais pouco parecem importar diante da forma de apresentação. Aliás, as letras estranhas que cantam por ai é a maior expressão do deus estranho que pregam por ai.

Uma pregação estranha

Falando em pregação... quanta coisa estranha é feita com ela no meio dos jovens. Não vou nem falar de reduzir o tempo, eu bem queria que fosse apenas isso. Deus nos deixou um modelo de pregação (ver Atos), nos deixou um conteúdo de evangelização e exortação (Ler Jesus e Paulo) e nos disse como Ele chama pessoas a fé (Rm 10.13-17). Por que o restante da igreja tenta seguir essas verdades e o ministério de jovens parece ter descoberto uma forma mais legal de fazer?

A pregação estranha é a propagação e perpetuação do mundo estranho paralelo. A realidade bíblica da pregação expositiva (por passagem ou temas) é substituída por coisas estranhas do tipo motivacional, humorística, entretenimento, graça barata, loucuras, e secularismo. Como disse Hernandes Dias Lopes, quando a teologia é ruim (estranha), quanto mais se prega pior fica. O monstro da realidade paralela se alimenta de pregações estranhas às Escrituras.

Um comportamento estranho

Tudo isso que acabei de citar gera um relacionamento estranho. Nesse mundo paralelo a lei de Deus se faz também estranha. Jovens homens estão cada vez mais ameninados e jovens mulheres cada vez mais sensualizadas. É comum ver um palavreado estranho (entenda palavrões), vestes estranhas e brincadeiras estranhas. E o que é pior, esses jovens pensam que podem transitar o tempo todo entre as duas realidades sem nenhum desgaste ou prejuízo. Nesse caso esses ministérios de jovens são piores do que o misterioso centro de pesquisas de Hawkins.

Aqui fica a lição que até a série pode nos ensinar. O contado entre essas duas realidade e o trânsito entre elas é perigo e pode se tornar devastador. Ao passar dos episódios encontramos um professor de ciências afirmando que é necessário uma grande quantidade de energia para abrir portais entre as duas dimensões. E é triste ver tantos líderes e jovens gastando inutilmente uma grande quantidade de energia justamente para viverem num mundo paralelo cheio de coisas estranhas por conta de uma visão estranha de Deus (Os 4.6)

Como fechamos esse portal?

A resposta é: não dividamos a realidade da igreja em duas. Só existe uma realidade e uma das piores coisas que podem acontecer numa igreja é ver esse mundo paralelo jovem se tornar tão forte ao ponto de engolir toda a verdadeira dimensão eclesiástica. Jovens não precisam de um mundo paralelo, ninguém precisa. Aqui estão alguns pontos para lutarmos contra essa dupla dimensão:

- Elime o foco no entretenimento
- Centralize o culto em Deus, não nos visitantes
- Envolva os jovens com os mais velhos da igreja (incentive esses momentos)
- Utilize o mesmo padrão de liturgia (bíblico) em todos os cultos
- Pregue com a mesma seriedade em todos os cultos
- Não vista o ambiente jovem com a roupagem do mundo
- Cante músicas com letras bíblicas em todos os cultos
- Não se importe tanto com a quantidade de pessoas

Voltemos ao ambiente bíblico de culto, ao louvor bíblico, a pregação bíblia e ao comportamento bíblico. Voltemos a realidade que tem sua expressão máxima na verdade encarnada (Cristo) e escrita (Bíblia). Deixemos as “stranger things” apenas no Netflix.

27 de jul. de 2016

Calvinismo e Conservadorismo - Entrevista com Vinícius Pimentel



É com alegria que trazemos mais uma entrevista para nossos leitores. Dessa vez conversamos com Vinicius Pimentel, que foi entrevistado por Thomas Magnum - um dos editores do nosso blog. Vinicius já palestrou no Fórum Nordestino de Cosmovisão e tem desenvolvido pesquisas na área de filosofia do direito. Vinicius é casado com Laura. Presbítero da Igreja Presbiteriana da Aliança em Recife/PE. Bacharel e Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Comentarista do Site Política Reformada. Dessa vez nosso assunto é sobre Calvinismo e Conservadorismo. Devido ao aumento de posições conservadoras e liberais - num viés político - achamos por bem, publicarmos uma entrevista sobre o assunto. Desejamos a todos uma boa leitura.

***

Temos visto um crescente interesse no país por parte de jovens cristãos que tem sido atraídos por leituras mais conservadoras. Depois da chegada de literatura de viés político reformado no Brasil, há uma demanda por essas leituras. Você tem dado palestras sobre a filosofia política de Herman Dooyeweerd, como esse filósofo pode ajudar numa construção de uma filosofia política saudável para a formação de um pensamento político cristão no Brasil?

Os cristãos têm, já há alguns séculos, se debruçado sobre a questão de como o cristianismo se relaciona com a cultura em geral e, particularmente, com o crescimento do secularismo e a perda de influência da cristandade sobre a vida pública. Herman Dooyeweerd foi um filósofo cristão que encarou o desafio de interagir com a cultura, sem, contudo, ceder às pressões do secularismo. A busca desse delicado equilíbrio entre diálogo e antítese é, na minha opinião, a principal contribuição de Dooyeweerd (e, mais amplamente, do chamado neocalvinismo) para outros cristãos que se veem desafiados a uma interação construtiva com a cultura e a vida pública.

Dooyeweerd também enfatizava, seguindo o espírito do neocalvinismo, o senhorio absoluto de Cristo sobre toda a vida e, por conseguinte, a autoridade relativa dos poderes temporais (a chamada “soberania das esferas”). No âmbito da política, essa verdade nos leva a enxergar que o impulso idólatra do coração humano muitas vezes o leva a pôr a sua confiança última no governo civil, tratando-o como um deus a quem ele apresenta suas súplicas por socorro e, em contrapartida, oferece sua devoção. Num sentido mais positivo, essa visão da soberania das esferas estimula os cristãos reformados a se organizarem em associações livres que busquem enriquecer a vida cultural e “reconquistar” espaços que foram indevidamente ocupados pelo Estado.

O Conservadorismo tem crescido no Brasil no que se refere a escritos de filósofos que tem tratado sobre o tema, e transitado entre Conservadorismo e Liberalismo Econômico. Autores como Russell Kirk, T.S. Eliot, Edmund Burke, Roger Scruton e Theodore Dalrymple, tem sido alguns dos nomes publicados no Brasil, principalmente por editoras de viés conservador. Existe possibilidade de diálogo entre Conservadorismo e Calvinismo?

Alguns irmãos, até mais versados no neocalvinismo do que eu, são um tanto relutantes em estabelecer um canal mais aberto de diálogo com o conservadorismo. Eles pretendem manter uma equidistância entre direita e esquerda e, por julgarem ser o conservadorismo “de direita”, acreditam que uma visão política genuinamente cristã não possa ser confundida com uma postura conservadora.

Pessoalmente, penso que há um caminho muito fértil de diálogo com esses pensadores mencionados. Embora não possa haver uma absorção acrítica da linguagem e das pautas conservadoras, talvez eles tenham o mérito de lembrar aos cristãos algo de que nos esquecemos: que o cristianismo teve um papel muito importante na formação da cultura ocidental.

Nem todos expoentes do Conservadorismo são cristãos professos, mas, há certas similaridades no que se refere a preservação de uma tradição. A tradição de filosofia política reformada pode utilizar-se do Conservadorismo de forma a dialogar com ele, mesmo tendo outros pressupostos filosóficos?

A ênfase dos conservadores na “tradição” deve ser vista por dois aspectos. Positivamente, podemos vê-la como reminiscente da visão bíblica dos efeitos radicais da queda humana no pecado: os conservadores tendem a enfatizar as limitações humanas e a desconfiar da capacidade dos intelectuais de projetar e promover soluções para as mazelas da vida social. Thomas Sowell chamava essa perspectiva de “visão restrita” da humanidade e ela, sem dúvida, ecoa a consciência bíblica de que o homem e o mundo estão “quebrados” por causa do pecado, razão pela qual a única “solução” para os problemas do mundo é a redenção em Cristo Jesus.

Mas é justamente aí que vemos, por outro lado, as limitações do próprio conservadorismo e sua ênfase na “tradição”. O mesmo Sowell afirma (recorrendo ao economista Friedrich Hayek) que a tradição é resultado de uma seleção natural, uma “concorrência darwiniana”, dos comportamentos e conhecimentos mais funcionais em detrimento dos menos aptos a promover o desenvolvimento humano. Ora, essa noção evolucionista da tradição, ao mesmo tempo em que nega a capacidade do homem individualmente considerado, mantém a esperança de que algum tipo de força impessoal intergeracional possa promover desenvolvimento e progresso. Isso soa até como um tipo de panteísmo. A cosmovisão cristã, ao contrário, mantém que todo progresso humano se dá pela providente ação de Deus na história e, particularmente, pela bênção que Deus põe sobre as nações que abençoam a Sua igreja, como Ele prometeu a Abraão.

Como você definiria o pensamento político de Dooyeweerd?

Já mencionei a ênfase neocalvinista no senhorio absoluto de Cristo e na soberania das esferas. Isso resulta na visão de que o governo civil deve ser limitado à sua própria esfera, que é a realização da justiça (“dar a cada um o que é devido”). Porém, é preciso observar que Dooyeweerd, assim como Kuyper, consideravam que essa função jurídica do Estado incluiria também a tarefa de mediar conflitos entre as demais esferas de soberania. Eles ainda mantinham uma defesa do monopólio estatal da jurisdição.

Porém, eu arriscaria dizer que ambos ficaram aquém do potencial de sua teoria neste ponto. A soberania das esferas nos possibilita enxergar que cada associação humana também tem a sua “justiça interna”: o Estado aplica o “poder da espada”, a igreja tem o “poder das chaves” e os pais detêm a vara da correção. Se isso é verdade, então não pode existir uma “esfera das esferas”, como Kuyper afirmava ser o Estado; ao contrário, todas as esferas compartilham o dever de zelar pelo respeito mútuo a essas “fronteiras”. Quando uma esfera tenta usurpar a função de outra, não é tarefa apenas do Estado conter esse avanço, mas de todas as demais. Na verdade, como o próprio Kuyper reconheceu, com muita frequência é o próprio Estado que se coloca em posição tirânica e tenta engolir as outras esferas de vida. Uma visão política reformada precisa reconhecer esse “pluralismo jurídico” e enfatizar o dever cristão de preencher os espaços da vida social não apenas como indivíduos, mas também mediante igrejas particulares, famílias, empresas, instituições de ensino e outras associações livres que realizem tarefas que hoje são realizadas de modo indevido (e ineficiente) pelo Estado.

Quais suas referências cristãs para um pensamento político reformado?

Os autores cristãos que mais tenho lido são aqueles que pertencem à tradição reformada holandesa. Além de Kuyper e Dooyeweerd, mencionaria Groen van Prinsterer e Klaas Schilder, além de João Althusius, que escreveu a famosa obra Política durante a resistência holandesa ao absolutismo espanhol, e do próprio João Calvino.

Mais recentemente, tenho me dedicado à leitura de obras da tradição reformada anglo-saxã, especialmente dos puritanos. Uma referência fundamental é o livro Lex, Rex, de Samuel Rutheford.

Você enquadra o Conservadorismo como ideologia?

Para responder essa pergunta, é preciso definir “ideologia”. Algumas definições são abrangentes ao ponto de incluir todo pensamento político sistematizado como ideologia. Geralmente, eu uso o termo no sentido de um comprometimento radical, religioso e idólatra com certos projetos políticos que redimiriam a humanidade de certas mazelas e a conduziriam a um estado idealizado de vida; ideologia, portanto, é uma versão “descristianizada” do drama bíblico da criação, queda e redenção em Cristo Jesus.

Nesse sentido, é difícil identificar o conservadorismo como ideologia. Primeiro, porque não há um “projeto conservador” facilmente identificável; pautas políticas muito diferentes entre si têm sido defendidas por conservadores de diferentes lugares e épocas. Segundo, os conservadores costumam ser bastante enfáticos na sua rejeição a qualquer proposta de “redenção” pela política.

Mas alguns elementos tornam essa discussão mais complexa. Quando instados a sistematizar sua visão política, os conservadores por vezes revelam certas esperanças políticas que denunciam um viés ideológico. Já mencionei o exemplo de Sowell, que deposita sua confiança na “competição darwiniana” que, mediante o conhecimento acumulado entre as gerações, por tentativa e erro, levaria ao desenvolvimento humano. Além disso, o tipo de “conservadorismo” que vem se popularizando no Brasil tem características ainda mais evidentes de uma ideologia: o culto a personalidades, o revisionismo histórico e uma visão idealizada do passado me parecem elementos claramente idolátricos na visão dos conservadores tupiniquins.

A teologia reformada defende a depravação total da humanidade. Essa postura teológica tem importantes inferências na formação de um pensamento político. O fato de o pecado desordenar a estrutura humana e seus relacionamentos concorrem para uma desordem social e política também. Quando ideologias retiram a gravidade ou aniquilam o pecado de sua construção filosófica o que isso pode causar em um sistema de pensamento que propõe o bem público?

De fato, uma perspectiva política que se pretenda genuinamente bíblica deve levar em consideração a significância radical da queda humana no pecado, a depravação total. Quando essa doutrina bíblica é esquecida na reflexão política, tornamo-nos excessivamente propensos às utopias e às soluções mirabolantes dos intelectuais. Ao mesmo tempo, passamos a desconfiar que o padrão bíblico de justiça seja rudimentar e retrógrado e, no fim das contas, negamos a realidade que está diante dos nossos olhos para que o mundo se amolde às nossas teorias.

Essas distorções ficam claras quando pensamos no problema da criminalidade. Se excluirmos de nossa análise a significância radical da queda, teremos de encontrar a fonte dos delitos fora do coração humano e recorreremos a abstrações: a sociedade, a pobreza, a opressão serão justificativas para a maldade. O problema dessas abstrações não é apenas que elas negam a realidade, mas que elas quase sempre resultam em injustiças bem reais.

Recentemente, a notícia de um estupro coletivo gerou um repúdio generalizado à “cultura do estupro”, expressão que pretende reunir uma gama absurda de comportamentos sociais, desde uma cantada na rua até a efetiva agressão física a mulheres. Vi gente chegar ao ponto de dizer que a ausência de mulheres no primeiro escalão do governo federal seria um exemplo dessa cultura do estupro. Deixando de lado as peculiaridades daquele caso específico, o problema desse tipo de discurso é que ele ofusca o fato de que há uma vítima real de um crime real, praticado por indivíduos reais, e acaba por tirar o foco da tarefa imediata de perseguir e punir os culpados. Quando, porém, analisamos o problema levando em conta a malignidade do pecado e seus efeitos, concluímos ser uma exigência da justiça que um atentado à intimidade sexual seja equiparado a um crime contra a vida e, por conseguinte, punido com a mais grave das penas. Não é à toa que a lei civil de Israel prescrevia a morte para o estuprador. E não surpreende que a “rudimentar” proporcionalidade da lei de talião seja mais justa, equilibrada e harmônica do que todos os manifestos de intelectuais e artistas contra a abstrata “cultura do estupro”.

20 de jul. de 2016

Por que a ideologia é idolátrica?

Por Thomas Magnum

Introdução

Ao tratarmos de ideologia, tratamos - sem sombra de dúvida - do estabelecimento de uma cosmovisão que pretende exercer domínio sobre um grupo, religião, sociedade, país ou meramente sobre o indivíduo no claustro de si e dominado pela ideia de domínio do que o cerca por meio da construção e do empreendimento engenhoso de um conjunto de ideias e discursos autorrealizáveis beirando a profecia “auto-cumprível”.

Notemos que a ideologia como dizia Marx é um vestido de ideias que procura estabelecer um contorno determinante e religiosamente seguido para o sucesso do que foi planejado. Vemos com isso que a ideologia exerce então certa dosagem de engenharia da ideia.

Idea + Logos = Telos

Tratando de ideologia, discorremos sobre o vislumbre[1] e cumprimento de ideias estabelecidas, pois, ideologia nos fala de discurso das ideias. O logos, nos fala de articulação lógica das ideias. No sentido político, a ideologia é uma articulação lógica do que se pretende alcançar e fazer. Toda ideologia visa um telos, e para que esse telos tenha sucesso no cumprimento, ele precisa de meios e anteriormente precisa-se de ter um a priori, um pressuposto. O telos é o propósito último de uma ideia, discurso, doutrina, religião, ou qualquer que seja o ponto onde está centrado o discurso, todo discurso tem um objetivo, ainda que o objetivo seja não ter objetivo.

A Lógica na Ideologia

Temos aqui claramente a lei da contradição, um discurso não visa não pretender nada, isso é lógica (logos), a lógica pretende organizar, dinamizar e apontar para um tipo de bem a ser alcançado com o discurso, ainda que esse bem não seja para ambos – emissor e receptor. O projeto do discurso lógico na ideologia visa o cumprimento da lógica, lógica estabelecida pela ideia, que pretende chegar ao telos. Diz Olavo de Carvalho: Uma ideologia é, por definição, um simulacro de teoria científica. É, segundo a correta expressão do próprio Marx, um "vestido de ideias" que encobre interesses ou desejos[2]. 

Ainda dentro do universo ideológico concebe-se que

A estrutura interna do pensamento ideológico caracteriza-se pela compressão forçada da realidade para dentro de uma única dimensão, portanto pela recusa ou proibição de examinar os fatos e aspectos que não caibam no padrão escolhido[3].

A Estrutura Fundacional de uma Ideologia

É verdade que a ideologia monta-se em bases pseudoverdadeiras. Há falsificação de no discurso com o fim de manobrar as circunstâncias para uma montagem circunstancial que promova o cumprimento do ideal proposto no logos teleológico[4].

Em geral os fundadores de uma ideologia sabem que ela é objetivamente falsa. Não a defendem porque creem que ela descreve acuradamente a realidade, mas porque esperam que, se um número suficiente de pessoas acreditar no que dizem, a conduta delas se tornará mais previsível e manipulável na direção desejada. Toda ideologia é nesse sentido uma profecia autorrealizável: ela visa a criar as próprias condições sociais e psicológicas que lhe darão retroativamente uma aparência de veracidade. Mas no fundo a ambição dos ideólogos fundadores é transcender a distinção de aparência e realidade, fazendo com que esta copie tão bem aquela que se torne indiscernível dela e acabe por se transformar nela efetivamente. Essa ambiguidade inata do pensamento ideológico escapa geralmente à quase totalidade dos seus aderentes e seguidores, sendo uma espécie de segredo originário bem guardado pelos fundadores e só acessível, em cada geração, a uma reduzida elite de seus discípulos mais talentosos e clarividentes[5].

Ideologia, Soteriologia e Escatologia

Dadas as condições acima mencionadas para formulação da ideologia temos então um quadro interessante a ser analisado e ponderado com profunda observação não apenas por um prisma da filosofia política como por um prisma da teologia política que vai estabelecer uma base divergente no processo de exposição do bem-estar humano em contraparte com as tentativas da ideologia. A ideologia vai propor uma esperada redenção que somente se dará através da adesão ao discurso e a luta para tal instauração ideológica. A ideologia irá exigir um posicionamento no que se refere ao espectro do discurso lógico que se deflagra um “evangelho” boas novas para oprimidos e grupos minoritários, que em muitos casos se transforma de oprimido para opressor, logo a lógica da ideologia é de domínio soberano e aniquilação do inimigo que se opõe ao discurso escatológico da pauta em questão. Ainda nos diz Koyzis:

[...] vejo as ideologias como tipos modernos do fenômeno perene da idolatria, trazendo em seu bojo suas próprias teorias sobre o pecado e a redenção. Desde o início de sua narrativa, a Escritura denuncia o culto aos ídolos, falsos deuses que os seres humanos criaram. Como as idolatrias bíblicas, cada ideologia se fundamenta no ato de isolar um elemento da totalidade criada, elevando-o acima do resto da criação e fazendo com que esta orbite em torno desse elemento e o sirva. A ideologia também se fundamenta no pressuposto de que esse ídolo tem a capacidade de nos salvar de um mal real ou imaginário que há no mundo[6]

Ideologia Política e Imaginação Totalitária

A política é alvo da construção ideológica e assim compreendida de forma errada, o que era para ser voltado para o bem comum começa a girar em torno de uma facção, um grupo que articula ideologicamente para estabelecer centros de poder dominante na sociedade assim foi com os regimes socialistas na China, Alemanha e Rússia, para citar alguns países. Razzo nos diz que:

A relação entre os conceitos de política e de imaginação pode gerar uma variedade de modos de compreensão e abrir uma série interessante de perspectivas a respeito do seu significado. Quando vinculada à política, toda compreensão corre o risco de se tornar ideológica na medida que se reduz a variedade da compreensão a uma unidade inequívoca, a partir da qual se presume  ser a única forma – correta e inegociável – de atividade política[7].

Toda construção ideológica é uma caricatura e uma distorção do cristianismo. A ideologia perpetra uma redução da realidade, a ideologia se fundamenta cumprível”. Portanto há na ideologia uma soteriologia que emana do discurso axiomático que ela se vale por seu pressuposto salvífico imaginário. Com isso também se vale a ideologia de uma escatologia autocriada e buscada pela guerra cultural e ideológica. Como então pode um cristão aderir ideologias?

Percebamos que a construção de uma ideologia transita por fatores religiosos, temos estabelecida uma guerra de questões não apenas políticas, mas metafisicas e teológicas. A realidade e o futuro são objetos do empenho ideológico. O Cristianismo não convive com isso. O Cristianismo é exclusivista e possui uma cosmovisão particular e reinante. Toda ideologia é quebra do primeiro e segundo mandamentos do decálogo. É a divinização de um ídolo e a reconfiguração de uma adoração a ele. É um rompimento com o mandamento de adoração e submissão àquele que governa soberanamente. 

Ideologia e Domínio

Pelo que já vimos até aqui fica evidente que a intensão última da ideologia é o domínio de ideias contrárias a ela, estabelecendo métodos de centralização e atração de poder para si. A ideologia acaba agindo de forma totalitária tomando e estabelecendo princípios para toda a vida humana individual e em sociedade. Podemos fazer uma ligação teológica interessante no que se refere aos axiomas.

Axiomas – Ontológico e Epistemológico

A ideologia vai lidar com axiomas, quando esta estabelece um axioma ontológico que se refere ao ser, ela obstrui e substitui a divindade, ou seja, temos no cristianismo dois axiomas básicos para a compreensão filosófica da fé cristã e como isso se desenvolve no âmbito da teologia e da filosofia política por um prisma cristão. O axioma ontológico do cristianismo é Deus. O axioma epistemológico do cristianismo é a Escritura. A ideologia vai substituir esses axiomas, estabelecendo uma nova fundamentação filosófica que perpasse a vida humana e redima os flagelos e moléstias sociais. Temos então uma clara estabilização de falsos deuses para uma cosmovisão. Por isso toda ideologia é idolatria.

Conclusão

Os fundamentos da ideologia não são apenas filosóficos, são religiosos. A busca por soluções redentoras e escatológicas ultrapassam os limites da função da política no mundo. A ideologia é uma violação explicita dos dois primeiros mandamentos do decálogo o que é idolatria.





[1] No conceito de ideia temos uma busca e uma mentalização do algo que ainda não é. A idealização gera o vislumbre, o vislumbre e a idealização são inevitavelmente fundamentados por axiomas ontológicos e epistemológicos. O que vai intermediar a ideia entre os axiomas são as pressuposições.

[2] http://www.olavodecarvalho.org/semana/confronto.htm

[3] http://www.olavodecarvalho.org/semana/070910dc.html

[4] O termo que uso por logos teleológico refere-se a um discurso que se esmera a uma finalidade de cabal cumprimento, via de regra a luta para que esse cumprimento ocorra procede de regimes totalitários.

[5] http://www.olavodecarvalho.org/semana/070910dc.html

[6] Koyzis, David. Visões e Ilusões Políticas. 2014. São Paulo, ed. Vida Nova, p.18.

[7] Razzo. Francisco. A Imaginação Totalitária. Ed. Record, Rio de Janeiro. 2016, p.9.

18 de jul. de 2016

O Testemunho da Vida Eterna (1Jo 5.1-13)

Por Thiago Oliveira

Texto Base: 1 João 5:1-13

1. Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus, e todo aquele que ama o Pai ama também ao que dele foi gerado. 2. Assim sabemos que amamos os filhos de Deus: amando a Deus e obedecendo aos seus mandamentos. 3. Porque nisto consiste o amor a Deus: obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados. 4. O que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. 5. Quem é que vence o mundo? Somente aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus. 6. Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo: não somente por água, mas por água e sangue. E o Espírito é quem dá testemunho, porque o Espírito é a verdade. 7. Há três que dão testemunho: 8. o Espírito, a água e o sangue; e os três são unânimes. 9. Nós aceitamos o testemunho dos homens, mas o testemunho de Deus tem maior valor, pois é o testemunho de Deus, que ele dá acerca de seu Filho. 10. Quem crê no Filho de Deus tem em si mesmo esse testemunho. Quem não crê em Deus o faz mentiroso, porque não crê no testemunho que Deus dá acerca de seu Filho. 11. E este é o testemunho: Deus nos deu a vida eterna, e essa vida está em seu Filho. 12. Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida. 13. Escrevi-lhes estas coisas, a vocês que crêem no nome do Filho de Deus, para que vocês saibam que têm a vida eterna.

Introdução

Chegamos ao capítulo final da primeira epístola escrita por João. Até aqui vimos que seu estilo é recheado de contrastes e possui repetições com efeito didático. Veremos, por exemplo, que aqui ele nos fala sobre 3 coisas que foram trabalhadas no decorrer de seu texto e que agora encontram-se unidas: A fé, o amor e a obediência. Saímos do capítulo 4 cientes sobre o nosso dever de amar a Deus e uns aos outros. Agora, o amor se encontra com dois parceiros inseparáveis.

Após falar desse “grande encontro”, João fala sobre Jesus Cristo e o testemunho acerca dele que nos dá a vida eterna. Portanto, vamos para a exposição do texto.

Fé, Amor e Obediência (1-5)

João começa com uma afirmação categórica: Quem crê em Jesus Cristo é filho de Deus, pois dEle nasceu. Na construção da frase, de acordo com o texto grego, não cremos para nos tornarmos filhos, cremos porque Deus operou em nós o novo nascimento. A conversão é sobrenatural e graciosa. É por isso que a fé em Jesus é uma evidencia forte do novo nascimento. Todavia, a fé não significa assentimento intelectual apenas. Junto com a fé em Deus Pai e no seu Filho unigênito, o amor pelos que são gerados do alto se faz presente. Logo, não basta ter fé em Cristo e desprezar os que formam a sua família, isto é, a igreja. A igreja é o ajuntamento do povo santo de Deus e cada membro que nela está inserido é alguém que de tão amado pelo Senhor, foi salvo por ele. Sendo assim, a pessoa que o despreza acaba por desprezar o próprio Deus. São textos como este que nos mostram a necessidade de fazer parte de uma congregação, que em certa medida, é também um ajuntamento de pessoas que pecam e tem suas fraquezas, todavia, é nesse contexto que devemos exercitar misericórdia e nutrir a empatia por aquela pessoa que está ali, tão pecadora quanto eu, mas também, lavada e remida por graça, sem merecimento algum, como eu.

E como amamos os filhos de Deus? Como podemos demonstrar amor aos que nasceram de novo? A resposta do apóstolo é amando a Deus e obedecendo a seus mandamentos. E nós ficamos agora sabendo que amor e obediência também andam de mãos dadas com a fé (Ver João 14.22 e 15.10). O que ama ao Senhor atentará para os seus santos decretos e ali se verá que há mandamentos que nos direcionam a amar os nossos semelhantes. Observando o decálogo, veremos que há mandamentos que focalizam a nossa atitude para com o Senhor, e há, também, os que focalizam a nossa atitude para com outra pessoa. Por exemplo: Não devo cobiçar o que é de outrem. Não devo dar um testemunho falso ao seu respeito.

Com amor e obediência aos mandamentos, que João nos fala de forma assombrosa que não são pesados, a fé triunfa e vence o mundo. Não nos pesam os mandamentos pelo fato de que Deus atuando em nós nos dá a possibilidade de cumpri-los. A vitória aqui mencionada não é fruto de algo nosso, mas é resultado do nascimento sobrenatural. Quem vence o mundo? O que tem fé em Cristo Jesus. E quem tem fé em Cristo Jesus? Aquele que nasceu de novo pelo poder do Soberano Jeová. No fim, essa vitória redunda em glória e em louvor ao nosso Deus bendito. A nossa vitória sobre o mundo é, na verdade, a vitória de Jesus que nos foi estendida. Isso não significa triunfalismo. Lembremos que Ele mesmo falou que teríamos aflições nesse mundo, contudo, não deveríamos esmorecer, pois Ele venceu o mundo e nós herdamos a sua vitória (ver João 16.33).

O Espírito, a Água e o Sangue (6-9)

A fé que vence o mundo é uma fé exclusiva Não é a fé pela fé. Só vence aquele que crê em Jesus Cristo. E aqui temos que atentar para o fato de que falsos Cristos são confessados dentre os homens. Daí João nos vai dar a descrição do verdadeiro Filho de Deus. Ele seria aquele que veio por meio da água e do sangue. Embora essa passagem seja difícil, o contexto histórico nos dá um esclarecimento de qual era o intento de João ao citar água e sangue.

Em outros sermões, anteriores a esse, vimos que o gnosticismo era uma seita herética que rondava a igreja naquele momento. Seus falsos ensinos eram prejudiciais a sã doutrina. João até fala da importância da afirmação de que Cristo veio em carne, pois, os gnósticos negavam a encarnação. Cerinto, um dos mestres da gnose, ensinou que Cristo só assumiu a natureza divina no batismo e depois essa natureza o deixou no momento da crucificação. Ora, isso é herético por abalar os alicerces da morte vicária do Senhor Jesus. Se o Deus-homem não tivesse morrido na cruz, mas sim um mero mortal, a obra expiatória não seria possível. Jesus tinha que ser verdadeiro homem para ser o nosso substituto legal, mas também tinha que ser verdadeiro Deus para vencer a morte e nos trazer a esperança da ressurreição dos mortos. Por isso, água e sangue pode se referir ao batismo e a morte de Cristo, servindo de testemunho para a sua divindade. Contrariando os gnósticos, João afirma que Cristo era Deus em ambos os eventos. Por isso que o versículo 6 nos diz: “Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo: não somente por água, mas por água e sangue” (grifo nosso).

Jesus é o Filho de Deus e o próprio Deus revela isso através do seu Espírito que dá um testemunho verdadeiro, pois, Ele mesmo é a verdade. Ao juntar o Espírito com a água e o sangue, João alude às três testemunhas que eram tidas como evidência suficiente para apoiar ou negar algo num processo de julgamento. O apóstolo diz que há três testemunhos que são unânimes e observa que se um tríplice testemunho humano é aceito no tribunal, logo, o testemunho divino, por ser unânime e por Deus ser maior que os homens, deveria ser tido por verdadeiro. É importante lembrar que no batismo de Jesus e no relato da crucificação, os evangelhos registram declarações que afirmam que Cristo Jesus era, de fato, o messias (ver Mateus 3.17 e 27.54).

O Testemunho da Vida Eterna (10-13)

A descrença de que Jesus é o salvador enviado por Deus é grave, pois, diante de seu testemunho, renegar o messias é fazer de Deus um mentiroso. Por isso, os verdadeiros crentes depositam sua total confiança em Deus, ao receberem o seu Filho como salvador e senhor de suas vidas. Eles carregam esse testemunho dentro de si. Algo que era externo se internalizou em seus corações. E o testemunho do Pai é o de que a vida eterna é ofertada por meio de seu Filho. Logo, os que dizem crer em Deus e rejeitam a Jesus, o seu enviado, estão condenados, e não possuem a vida eterna. Em mais um contraste utilizado pelo autor da carta, a seguinte afirmativa é bastante clara: “Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não tem a vida”.

No verso 13, João escreve uma espécie de epílogo e conclui o argumento dizendo que a sua escrita serviu para que os crentes tivessem conhecimento da dádiva que já possuíam. A vida eterna. Então, se você se encontra entre aqueles que foram lavados e remidos no sangue do Cordeiro, e que nEle deposita a fé, amando-O e obedecendo os seus estatutos, exalte ao Senhor com um coração transbordando de alegria: Você tem a vida eterna. Louvado seja Deus por isso!

Aplicações

Ter fé nominal e dizer que ama a Deus não basta. É preciso ter fé, mas essa fé deve nos tornar obedientes aos mandamentos. E também, nos impulsionar a amar aos que são membros da igreja do Senhor. Será que me encontro assim ou tenho falhado em cumprir esta exigência divina?

O meu conceito sobre Cristo e a minha fé nEle repousam na fé ortodoxa de que Ele é verdadeiro Deus e verdadeiro homem? Não ter essa compreensão gera danos espirituais.


Trago comigo o testemunho divino de que Jesus é o Filho de Deus? O que tenho feito com esse testemunho? 

15 de jul. de 2016

Deus Transmite Conhecimento de Si Próprio ao Homem

Por Louis Berkhof

Kuyper chama a atenção para o fato de que a teologia, como conhecimento de Deus, difere num importante ponto de todos os demais tipos de conhecimento. No estudo de todas as outras ciências, o homem se coloca acima do objeto de sua investigação e ativamente extrai dele o seu conhecimento pelo método que lhe pareça mais apropriado, mas, na teologia, ele não pode colocar-se acima, e, sim, sob o objeto do seu conhecimento. Noutras palavras, o homem só pode conhecer a Deus na medida em que Este ativamente se faz conhecido. 

Deus é, antes de tudo, o sujeito que transmite conhecimento ao homem, e só pode tornar-se objeto de estudo do homem na medida em que este assimila e reflete o conhecimento a ele transmitido pela revelação. Sem a revelação, o homem nunca seria capaz de adquirir qualquer conhecimento de Deus. E, mesmo depois de Deus ter-se revelado objetivamente, não é a razão humana que descobre Deus, mas é Deus que se descerra aos olhos da fé. Contudo, pela aplicação da razão humana santificada ao estudo da palavra de Deus, o homem pode, sob a direção do Espírito Santo, obter um sempre crescente conhecimento de Deus. Barth também salienta o fato de que o homem só pode conhecer a Deus quando Deus vem a ele num ato de revelação. Ele afirma que não existe nenhum caminho do homem para Deus, mas somente de Deus para o homem, e diz repetidamente que Deus é sempre o sujeito, e nunca um objeto de conhecimento. A revelação é sempre algo puramente subjetivo e jamais poderá transformar-se em algo objetivo como apalavra escrita da Bíblia e, como tal, vir a ser um objeto de estudo. A revelação foi dada, de uma vez por todas, em Jesus Cristo, e em Cristo chega aos homens no momento existencial das suas vidas. Apesar de haver elementos de verdade no que Barth diz, a sua construção da doutrina da revelação é alheia à teologia reformada. 

Todavia, deve-se manter a posição que afirma que a teologia seria totalmente impossível, sem uma auto-revelação de Deus. E quando falamos de revelação, empregamos o termo no sentido estrito da palavra. Não se trata de uma coisa na qual Deus é passivo, um mero “tornar-se manifesto”, mas uma coisa na qual Ele ativamente se faz conhecido. Não é, como muitos pensadores modernos o vêem, um aprofundamento discernimento espiritual que leva a um sempre crescente descobrimento de Deus por parte do homem; mas sim, um ato sobrenatural de auto-comunicação, um ato prenhe de propósito, da parte o Deus Vivente. Não há nada surpreendente no fato de que Deus só pode ser conhecido se Ele se revela, e na medida em que o faz. Até certo ponto isso é verdade também quanto ao homem. Mesmo depois que a psicologia fez um estudo particularmente exaustivo do homem, Alexis Carrel pôde escrever um livro muito persuasivo sobre, O Homem, Esse Desconhecido, “Porque”, diz Paulo, “qual dos homens sabe cousas do homem, senão o seu próprio espírito que está nele? Assim também as cousas de Deus ninguém conhece, senão o Espírito de Deus”. (1 Co 2.11). 

O Espírito Santo perscruta todas as cousas. Até mesmo as profundezas de Deus, e as revela ao homem. Deus tem-se dado a conhecer. Ao lado do conhecimento arquetípico de Deus, que se acha no próprio Deus, há também um conhecimento ectípico dele, dado ao homem por meio da revelação. Este último relaciona-se com o primeiro como uma cópia com o seu original e, portanto, não tem as mesmas proporções de clareza e perfeição. Todo o nosso conhecimento de Deus é derivado da Sua autorevelação na natureza e na Escritura. 

Consequentemente, o nosso conhecimento é, de um lado, ectípico e analógico, mas, de outro, é também verdadeiro e preciso, visto que é uma cópia do conhecimento arquetípico que Deus tem em Si mesmo. 
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Fonte: Teologia Sistemática, p. 33-34. 

13 de jul. de 2016

Sobre leituras, conversas, perspectivas e comunhão

Por Thomas Magnum

O conhecimento não é apenas gerado pelo contato sensorial da visão. Em alguns casos de forma quase abstrata adquirimos conhecimento e não é uma obra do acaso é parte da similaridade, de uma obra de comparatividade epistêmica, uma sistemática que produz mais entendimento de fatos que desencadeiam clareza para compreensão de um nível maior de informação.

A alta cultura não se dá apenas pela mera leitura, mas, por um axioma vital, pela comparatividade de informações pelo pensar comparativo e analítico, cultura de nível literário nos mais variados campos do saber é gerada pela interface do pensar comparativo e analisador.

A medida que crescemos culturalmente é perceptível que nossas leituras se tornam mais amplas do que o visualizar páginas. Conversas, ouvir pessoas, entender seus argumentos e avaliar seus conceitos ainda que divirjam dos nossos é parte da vida intelectual saudável, sem necessidade de beligerância, sem demanda por hiatos relacionais, rompimentos trágicos. Por bem da verdade em muitos casos rompimentos trágicos são inevitáveis, mas, também por uma posição de elevada certeza da verdade vinda pelo saber.

A perspectiva nos proporciona uma pluralidade de possibilidades unívocas não necessariamente divergentes em dados casos, a perspectiva nos eleva a uma visão pluriforme de dados que nos possibilita decodificação larga, alta e profunda. Tal fato proporciona maturação analítica e pontua circunstâncias importantes para o cultivo de uma posição idônea no que se refere a honestidade da informação e a não proficuidade da desinformação que ignora a ignorância da falta de sapiência.

O conhecimento nos possibilita comunhão, vivência, sabedoria, energia para aglutinar, para semear, regar, cultivar. O saber parte para o comungar, partilhar, multiplicar o pouco para atender muitos.

11 de jul. de 2016

8 de jul. de 2016

Como será o corpo da ressurreição?

Por Luciana Barbosa

A confissão de fé de Westminster, a declaração de Savoy e a confissão de fé da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil respectivamente falam no capítulo sobre ressurreição o seguinte:

DO ESTADO DOS HOMENS DEPOIS DA MORTE E DA RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

II - No último dia, os que se encontrarem ainda vivos não morrerão, mas serão transformados; e todos os mortos ressuscitarão com seus mesmos corpos, e não outros, ainda que com propriedades diferentes, os quais se unirão novamente às suas almas, para sempre. 1 ICo 15. 51-54; ITs. 4.15-17. ICo 15:35-49; ITs 4.16.

III - Os corpos dos injustos, pelo poder de Cristo, ressuscitarão para desonra; os corpos dos justos, pelo Seu Espírito, ressuscitarão para honra e para serem feitos semelhantes ao próprio corpo glorioso de Cristo. Dn 12.2; Jo 5. 28-29; At 24.15; Ap 20. 12-15. Fp. 3.20-21; IJo 3. 2-3.

Quando falamos em ressurreição somos levados a observar algumas interpretações errôneas que algumas pessoas fazem. Todos esses questionamentos tratam de algumas dúvidas quanto a garantia que nós temos que iremos ressuscitar. E principalmente a dúvida: teremos corpo ou não? Vamos tentar responder todos esses questionamentos tendo por base as Escrituras.

Que garantia nós temos que iremos ressuscitar? 

O apóstolo Paulo escrevendo a igreja de coríntios nos diz que se os mortos não ressuscitarem todo o evangelho é sem valor. “ E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”. (1Co.15.14). A nossa maior garantia está na pessoa de Cristo que é o centro da nossa ressurreição, isto é, se Cristo ressuscitou, assim nós ressuscitaremos. As Escrituras nos mostram duas certezas para tal afirmação: A semelhança da ressurreição de Cristo e a onipotência de Deus. Textos que nos mostram isso: 1Co.15:51-54; 1Co.15:35-49; 1Co.15:14-19. Uma vez ressuscitados, vemos outra questão.

Como será nosso corpo? 

Aqui temos outras dúvidas, tais como: Teremos um corpo? Ou seremos “Gasparzinhos”, uma alma flutuante? Desde já afirmo que muitos cristãos creem dessa forma. No entanto, teremos um corpo e Calvino vai dizer que “o corpo que morre é semente do corpo da ressurreição” ( capitulo XXV das institutas, livro 3). Isto quer dizer que seremos ressuscitados com os mesmos corpos e não outros, como também afirmam as confissões de fé citadas no início.

Tendo Jesus como exemplo e garantia da nossa ressurreição, observamos nas Escrituras que Cristo ressuscitara com o mesmo corpo. No entanto, glorificado, que podia ser tocado e ao mesmo tempo podia atravessar paredes e, aqui abro um parênteses: essa parte é mistério, como ele atravessava parede não sei, porém, ele atravessava. Será o mesmo corpo e, aqui encontra-se outra dificuldade, pois, alguns cristãos esperam ter um outro corpo, outro cabelo, outra cor, ser mais alto, mais magro, mais gordo e por aí vai... Sinto muito ser estraga prazeres lhe dizendo que a Bíblia não nos da base para tais aspirações.

Da mesma forma que o corpo de Cristo era um corpo literal, real (Lucas 24.39), físico ou reconhecível (Lucas 24.31; João 20.16) e poderoso (João 20.19), assim será o nosso corpo. Os dez discípulos também reconheceram a Jesus quando Tomé estava ausente, reconheceram por suas feridas, nas mãos e nos pés. Também Ele comeu na presença deles provando ter verdadeiramente um corpo glorificado que era real, físico e literal. Sim, teremos um corpo!


“E eles, espantados e atemorizados, pensavam que viam algum espírito. E ele lhes disse: Por que estais perturbados, e por que sobem tais pensamentos ao vosso coração? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, não o crendo eles ainda por causa da alegria e estando maravilhados, disse-lhes: Tendes aqui alguma coisa que comer? Então, eles apresentaram-lhe parte de um peixe assado e um favo de mel, o que ele tomou e comeu diante deles” 


Lucas 24.37-43.


“Chegada, pois, a tarde daquele dia, o primeiro da semana, e cerradas as portas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado, chegou Jesus, e pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco. E, dizendo isto, mostrou-lhes as suas mãos e o lado. De sorte que os discípulos se alegraram, vendo o Senhor”. 


 João 20.19-20.

“E não há por que espantar-se; pois seria a coisa mais absurda que os corpos que Deus consagrou como um templo seu perecessem na putrefação sem esperança alguma de ressurreição. Ora, se o juiz celestial de tal maneira dignifica com preclara honra essa nossa parte, que loucura leva o homem mortal a transformá-la em pó, sem qualquer esperança de restauração? E Paulo escrevendo aos coríntios nos exorta a levar o Senhor tanto no nosso corpo como em nossa alma, porque um e outro são de Deus” (João Calvino).

Diante dessas passagens e como vimos que nossa ressurreição é a semelhança a de Cristo, afirmamos categoricamente que iremos ressuscitar no mesmo corpo, entretanto, corpo este incorruptível, sem pecado, glorioso, em suma, com propriedades diferentes.