Imagino
que existem inúmeros crentes que raramente sentem o aguilhão da consciência ou
as tristezas do arrependimento. Mas também conheço muitos, muitos crentes
(incluindo eu mesmo) que facilmente se sentem infelizes por coisas que não
fazem ou fazem-nas menos do que perfeitamente. De fato, estou convencido de que
a maioria dos cristãos sérios vivem quase constantemente com um baixo senso de
culpa.
Como
nos sentimos culpados? Deixe enumerar algumas maneiras.
Poderíamos
orar mais.
Não
somos bastante ousados em evangelizar.
Gostamos
demais de esportes.
Assistimos
freqüentemente a filmes e à televisão.
Nosso
tempo devocional é curto e esporádico.
Não
contribuímos de modo suficiente.
Compramos
um novo móvel.
Não
lemos muito para nossos filhos.
Nosso
filhos comem Cheetos e batatas fritas.
Reciclamos
pouco.
Precisamos
perder alguns quilos.
Poderíamos
usar melhor nosso tempo.
Poderíamos
viver em um lugar mais difícil ou em uma casa menor.
O
que fazemos por trás de todos esses cenários de culpa? Não sentimos aquele tipo
de remorso paralisante por causa dessas coisas. Mas essas imperfeições podem
ter um efeito cumulativo pelo qual até o crente maduro pode sentir-se como
alguém que está desapontado a Deus e, talvez, um mero cristão.
Eis
a parte delicada: às vezes devemos nos sentir culpados, porque às vezes somos
culpados de pecado. Além disso, a complacência na vida cristã é um perigo real,
especialmente na América.
Mas,
apesar disso, não creio que Deus nos redimiu pelo sangue de seu Filho para que
nos sintamos como fracassos permanentes. Depois do Pentecostes, Pedro e João
pareciam torturados por temor introspectivo e repugnante de si mesmos? Paulo se
mostrou constantemente preocupado com o fato de que poderia fazer mais?
Admiravelmente, Paulo disse em certo momento: “De nada me argúi a consciência”
(1 Co 4.4). E acrescentou logo: “Nem por isso me dou por justificado, pois quem
me julga é o Senhor”. Parece que Paulo dormia toda noite com uma consciência
limpa. Então, por que tantos crentes se sentem culpados o tempo todo?
1.
Não recebemos completamente as boas-novas do evangelho. Esquecemos que fomos
vivificados com Cristo. Fomos ressuscitados com ele. Fomos salvos somente pela
fé. E isso é um dom de Deus, e não um resultado de obras (Ef 2.4-8). Podemos
ficar com tanto medo do antinomianismo – um perigo legítimo –, que receamos
falar profusamente sobre a graça de Deus. Mas, se nunca fomos acusados de ser
antinomianos, talvez o evangelho não nos foi apresentado em toda a sua glória
extraordinária (Rm 6.1).
2.
Os cristãos tendem a motivar os outros por culpa e não por graça. Em vez de
instarmos nossos irmãos a serem o que realmente são em Cristo, nós os ordenamos
a fazerem mais para Cristo (quanto à motivação correta, ver Rm 6.5-14). Por
isso, vemos a semelhança com Cristo como algo em que estamos realmente
fracassando, quando deveríamos vê-la como algo que já possuímos e no qual
precisamos crescer.
3.
A maior parte de nosso baixo nível de culpa se enquadra na ambígua categoria de
“não fiz o suficiente”. Examine a lista que apresentamos. Nenhum dos itens é
necessariamente pecaminoso. Dizem respeito a possíveis infrações, percepções e
maneiras como gostaríamos de fazer mais. Essas são as áreas mais difíceis de
lidarmos porque, por exemplo, nenhum crente jamais confessará que tem orado de
modo suficiente. Assim, é sempre fácil nos sentirmos horríveis quanto à oração
(ou à evangelização, ou a contribuir, ou a qualquer outra disciplina cristã).
Precisamos ter cuidado para não insistirmos em algum padrão de prática quando a
Bíblia insiste apenas em um princípio geral.
Quero
dar um exemplo. Todo crente tem de contribuir generosamente, para as
necessidades dos santos (2 Co 9.6-11; Rm 12.13). Podemos insistir nisso com
absoluta certeza. Mas, como é essa generosidade, quanto devemos dar, quanto
devemos reter – essas coisas não estão delimitadas por alguma fórmula, nem
podem ser exigidas por compulsão (2 Co 9.7). Portanto, se queremos que as
pessoas sejam mais generosas, faremos bem se seguirmos o exemplo de Paulo em 2
Coríntios e enfatizarmos as bênçãos da generosidade e a sua motivação
alicerçada no evangelho, em vez de envergonharmos os outros que não contribuem
muito.
4.
Quando somos verdadeiramente culpados de pecado, é imperativo que nos
arrependamos e recebamos misericórdia de Deus. Paulo tinha uma consciência
limpa não porque nunca pecava, e sim porque, eu imagino, buscava imediatamente
o Senhor, quando sabia que havia errado, e descansava no “nenhuma condenação”
do evangelho (Rm 8.1). Se confessarmos os nossos pecados, disse João, Deus é
fiel e justo para nos perdoar e nos purificar de toda injustiça (1 Jo 1.9).
Deus não nos salvou para nos sentirmos miseráveis o tempo todo. Ele nos salvou
para que vivamos na alegria de nossa salvação. Portanto, quando pecamos – e
todos pecamos (1 Rs 8.46; 1 Jo 1.8) –,confessamos o pecado, somos purificados e
prosseguimos.
Isso
enfatiza um dos grandes perigos da culpa constante: aprendemos a ignorar nossa
consciência. Se pecamos verdadeiramente, precisamos arrepender-nos e rogar ao
Senhor que nos ajude a mudar. Mas, se não estamos pecando, se não somos tão
maduros como deveríamos ser, nem tão disciplinados como outros crentes, nem
estamos fazendo escolhas diferentes que talvez sejam aceitáveis, mas não
extraordinárias, não nos devemos sentir culpados. Devemos nos sentir
desafiados, estimulados, inspirados, mas não culpados.
Como
pastor, isso significa que não espero que todos em minha igreja sintam-se
apavorados a respeito de tudo que prego. Afinal de contas, é justo que todos
obedeçamos aos mandamentos de Deus. Não perfeitamente, não sem alguns motivos
incertos, nem tão plenamente como deveríamos, mas com fidelidade e obediência
que agrada a Deus. A pregação fiel não exige que os cristãos sinceros sintam-se
miseráveis o tempo todo. De fato, a melhor pregação deve fazer que os cristãos
sinceros vejam mais de Cristo e experimentem mais de sua graça.
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Fonte: Voltemos Ao Evangelho
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