Peguei
a mão do meu filho pequeno (isso foi há algumas décadas), enquanto caminhávamos
até uma loja local numa pequena e remota ilha Escocesa, onde, no início daquele
ano, eu tinha sido instalado como pastor. Era semana de Natal. A loja estava
bem decorada e um ar de entusiasmo estava em toda a parte.
Sem
qualquer aviso, as conversas dos clientes foram interrompidas por uma voz
questionadora ao meu lado. Meu filho, levantando o dedo indicador, apontou para
um grande desenho do Papai Noel. “Papai, quem é aquele homem de aparência
engraçada”, ele perguntou.
Espanto
espalhou-se pelos rostos dos compradores, olhares acusadores eram dirigidos a
mim. Que vergonha, o filho do pastor não reconheceu o Papai Noel! Qual a
probabilidade, então, de ouvir algo bom em sua pregação nessa época festiva?
Essas
experiências podem nos fazer chorar ao perceber como o mundo ocidental se dá
todos os anos ao Papai Noel e ao comércio. Nós acabamos celebrando uma festa
pagã retrabalhada, em que a única ligação com a encarnação é semântica. Noel é
adorado, e não o Salvador; peregrinos vão às lojas com cartões de crédito, não
para a manjedoura com presentes. É a festa da indulgência, e não da encarnação.
É
sempre mais fácil lamentar e criticar o novo paganismo do secularismo idólatra
flagrante do que ver a facilidade com que a igreja – e nós mesmos – distorcemos
ou diluimos a mensagem da encarnação a fim de satisfazer os nossos próprios
gostos. Mas sendo criteriosos, infelizmente, temos várias maneiras comuns em
que transformamos o Salvador em uma espécie de Papai Noel.
Cristianismo Papai Noel
Por
um lado, em nossa adoração no Natal, podemos envernizar a verdade espantosa da
encarnação com uma roupagem visual e auditiva esteticamente agradável. Nós
confundimos prazer emocional – ou pior, sentimento – com verdadeira adoração.
Por
outro lado, podemos denegrir o nosso Senhor com uma cristologia de papai noel.
Infelizmente, é comum a Igreja fabricar um Jesus que é o reflexo do Papai Noel.
Ele torna-se um Cristo Noel.
Esse
Cristo Noel é, por vezes, um Jesus pelagiano. Como Papai Noel, ele simplesmente
pergunta-nos se temos sido bons. Mais exatamente, uma vez que o pressuposto é
que todos nós somos naturalmente bons, Cristo Noel pergunta-nos se temos sido
“suficientemente bons”. Assim como a ceia de Natal é simplesmente o jantar que
realmente merecemos, Jesus torna-se uma espécie de bônus que faz nossa vida
ainda melhor. Ele não é visto como o Salvador dos pecadores desamparados.
Ou
o Cristo Noel pode ser um Jesus semi-pelagiano – um Jesus um pouco mais
sofisticado, que, como o Papai Noel, dá brindes para aqueles que já tenham
feito o melhor que podiam! Assim, a mão de Jesus, como o saco do Papai Noel, só
abre quando conseguimos dar uma boa resposta para a pergunta não muito
pesada, “Você fez o seu melhor este ano?” A única diferença da teologia
medieval aqui é que nós não usamos mais a fraseologia Latina: facere
quod in se est (fazer o que se é capaz de fazer por conta própria, ou,
na linguagem comum, “Deus ajuda aqueles que se ajudam”).
Ou
então, o Cristo Noel pode ser um Jesus místico, que, como Papai Noel, é
importante devido às boas experiências que temos quando pensamos sobre ele,
independentemente da sua realidade histórica. Realmente não importa se a
história é verdadeira ou não, o importante é o espírito do Cristo Noel. Na
verdade, seria ruim contar isso para as crianças, mas todos podem fazer o seu
próprio Cristo Noel. Contanto que nós tenhamos esse espírito, está tudo bem.
Mas
Jesus não pode ser identificado com o Papai Noel. Por mais que ao falarem de
Papai Noel as pessoas empreguem uma linguagem religiosa, não se deve confundir
isso com a verdade bíblica.
O Cristo do Natal
As
Escrituras sistematicamente retiram o verniz que cobre a verdadeira história de
Natal. Jesus não veio para aumentar o nosso conforto. Ele não veio para ajudar
aqueles que já estavam ajudando a si mesmos ou para preencher a vida com mais
experiências agradáveis. Ele veio em uma missão de libertação, para salvar os
pecadores, e para isso ele tinha que destruir as obras do Diabo (Mt 1:21; 1
João 3:8b).
Aqueles
cujas vidas estavam intimamente ligadas com os acontecimentos do primeiro Natal
não acharam seu nascimento uma experiência tranquila e agradável.
Maria
e José tiveram suas vidas reviradas de cabeça para baixo.
A
noite dos pastores foi assustadoramente interrompida e aquilo mudou a rotina
deles.
Os
magos enfrentaram todos os tipos de separação e transtorno familiar.
O
próprio Senhor Jesus, concebido antes do casamento, nasceu provavelmente em uma
caverna, e passaria seus primeiros dias como um refugiado do sanguinário e
vingativo Herodes (Mateus 2:13-21).
Há,
portanto, um elemento nas narrativas do Evangelho, que salienta que a vinda de
Jesus é um evento perturbador das maiores proporções. Tinha que ser assim, pois
Ele não veio apenas para acrescentar algo mais à vida, mas para lidar com nossa
falência espiritual e com a dívida de nossos pecados. Ele não foi concebido no
ventre de Maria para aqueles que fizeram o seu melhor, mas para aqueles que
sabem que o melhor que podem fazer é “como trapo imundo” (Isaías 64:6), estão
longes de serem bons o suficiente e que, em sua carne não habita nenhum bem (Rm
7:18). Ele não foi enviado para ser a fonte de boas experiências, mas para
sofrer as dores do inferno, a fim de ser o nosso Salvador.
Um Natal Cristão
Os
cristãos que primeiro comemoraram o nascimento do Salvador viram isso. Natal
para eles não foi (ao contrário do que é às vezes erroneamente se diz)
simplesmente temperar com pitadas de cristianismo uma festa pagã, a Saturnália
romana. Eles fizeram o que mais tarde outros cristãos fariam na marcação Dia da
Reforma (que acabou sendo também o Dia das Bruxas), ou seja, comprometendo-se
com uma alternativa radical à Saturnália do mundo romano, recusando-se a se
encaixar em um molde socialmente aceitável. Eles estavam determinados a fixar a
mente, o coração, a vontade e a força exclusivamente no Senhor Jesus Cristo.
Não houve confusão no seu pensamento entre o mundo e o evangelho, Saturnália e
Natal, Cristo Noel e Jesus Cristo. Eram cidadãos de outro império completamente
diferente.
Na
verdade, tal era o ultraje evocado por sua devoção a Cristo nessa festa que,
durante as perseguições sob o imperador Diocleciano, alguns crentes foram
assassinados enquanto se reuniam para celebrar o Natal. Qual foi a sua ofensa grave?
A adoração ao verdadeiro Cristo – encarnado, crucificado, ressuscitado,
glorificado e prestes a retornar. Eles celebraram a Jesus naquele dia porque
Ele se deu completamente por eles, então, queriam dedicar tudo a Jesus.
Numa
véspera de Natal na minha adolescência, eu abri um livro que um amigo havia me
dado de presente. Eu estava tão emocionado com a doutrina do meu Salvador recém
encontrado que comecei a tremer de emoção com o que tinha me dado conta: o
mundo não tinha comemorado a Sua vinda, ao contrário, o haviam crucificado.
Isso
não deveria causar-nos tremor? O fato de que “eles crucificaram meu Senhor.” Ou
será que é verdade apenas em música, não na realidade? Não estamos lá quando o
mundo ainda o crucifica em suas próprias maneiras, muitas vezes sutilmente?
A
verdade é que, a menos que o significado do que Cristo fez no primeiro Natal
nos sacuda, dificilmente podemos dizer que tenhamos entendido o que essa
história significa, ou quem ele realmente é.
Não
confundamos Jesus Cristo com Papai Noel.
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