Por Alderi Souza de Matos
O cristianismo nasceu sob o espectro da perseguição e por isso, desde o princípio, ser cristão e padecer por causa da fé se tornaram realidades entrelaçadas na experiência de muitos fiéis. Uma das provações mais freqüentes foi a perda da liberdade física, com os diferentes graus de desconforto e aflição associados a isto. A Bíblia dos primeiros cristãos, ou seja, o Antigo Testamento, já fazia muitas referências a personagens ilustres que foram lançados na prisão em virtude da sua fidelidade a Deus (José do Egito, Daniel e seus companheiros, o profeta Jeremias e outros). Porém, o que mais marcou a consciência cristã nos primeiros tempos foi aquilo que ocorreu com os próprios líderes iniciais do novo movimento. Jesus foi um prisioneiro, ainda que por poucas horas, e vários dos seus discípulos passaram por situação semelhante.
As experiências de Paulo se tornaram especialmente marcantes e paradigmáticas. O grande apóstolo foi aprisionado várias vezes por ser um cristão, considerava-se um “embaixador em cadeias” e escreveu várias de suas epístolas enquanto preso (At 16.23; 20.23; 21.33; 26.29; 28.20; Rm 16.7; 2 Co 6.5; 11.23; Ef 3.1; 4.1; 6.20; Fp 1.7,13s,17; Cl 4.3,10,18; 2 Tm 1.16; 2.9; Fm 1,9s,13,23). A Epístola aos Hebreus, depois de mencionar “algemas e prisões” como um dos sofrimentos dos servos de Deus, pede aos leitores que se lembrem dos encarcerados, possivelmente irmãos em Cristo (Hb 11.36; 13.2). Durante os três primeiros séculos, nos quais o cristianismo não gozou de status legal no Império Romano, o encarceramento e outras restrições foram experiências dolorosas e freqüentes na vida de muitos cristãos.
1. Períodos antigo e medieval
Um dos prisioneiros mais famosos da era pós-apostólica foi o idoso bispo Inácio de Antioquia, que viveu no início do segundo século. Condenado à morte por ser um líder da igreja, uma escolta de soldados o conduziu até Roma, onde ele foi executado durante o reinado de Trajano (98-117 d.C.). No caminho, recebeu visitas de emissários de várias comunidades cristãs e escreveu sete cartas – às igrejas de Éfeso, Magnésia, Trales, Roma, Filadélfia, Esmirna e ao bispo desta última, Policarpo. Um dos temas desses valiosos documentos é o martírio, o privilégio de sofrer por Cristo. A carta aos Romanos tem a famosa passagem: “Eu sou o trigo de Deus, moído pelos dentes das feras para tornar-me o pão puro de Cristo”. No período antigo, muitos outros cristãos passaram por experiências similares, alguns deles famosos, como Orígenes e Cipriano; a maior parte, cristãos comuns e anônimos.
Na Idade Média, quando o cristianismo se tornou majoritário na Europa e influente devido a sua aliança com o poder político, a igreja oficial puniu com maior ou menor rigor os dissidentes e hereges. Um caso dramático foi o do monge e teólogo alemão Gottschalk (c.805-869), cujo nome latino era Godescalus. Dedicando-se ao estudo e defesa do pensamento de Agostinho sobre a predestinação, ele manteve controvérsia com pensadores de renome como Rabano Mauro e Hincmar. Embora tenha tido importantes simpatizantes, como o teólogo Ratramno, Gottschalk foi condenado por dois sínodos (848-49), destituído do sacerdócio, açoitado e submetido a prisão perpétua no mosteiro de Hautvilliers, de onde continuou o seu debate com Hincmar, arcebispo de Reims. Com o passar do tempo, ficou com a mente perturbada em virtude das privações que sofreu. No final da Idade Média, um prisioneiro e mártir famoso foi o pré-reformador Jan Hus, morto por ordem do Concílio de Constança em 1415.
2. Pós-reforma
A Reforma Protestante deu origem a um novo período de intolerância. Um caso famoso no início do período moderno foi o de John Bunyan (1628-1688), pastor e escritor puritano inglês. Nascido em um lar pobre, ele adquiriu o domínio da língua inglesa através da leitura da Bíblia. Após lutar na Guerra Civil, filiou-se a uma igreja independente do tipo batista e pouco depois começou a pregar, o que era vedado a quem não pertencia à igreja oficial. Por esse motivo, as autoridades o lançaram na prisão. Seu encarceramento se estendeu de modo intermitente por doze anos (1660-1672). Nesse período, ele escreveu a sua obra prima, O Progresso do Peregrino. Esse clássico, publicado em 1678, foi um dos livros mais lidos de todos os tempos. No final da vida, Bunyan continuou a pregar e a evangelizar em sua região. Outras obras de sua lavra são Graça Abundante para o Principal dos Pecadores (1666) e A Guerra Santa (1682).
Antes de se tornarem o país com maior tolerância religiosa em todo o mundo, as colônias inglesas da América do Norte tinham cada uma a sua religião oficial. Isso implicava em dificuldades para os pregadores de outros grupos. Foi o que aconteceu com Francis Makemie (1658-1708), nascido de pais escoceses-irlandeses na Irlanda do Norte e tido como o “pai do presbiterianismo norte-americano”. Após estudar na Universidade de Glasgow e ser ordenado, ele foi para a América em 1683 como missionário. Trabalhou como evangelista itinerante na Carolina do Norte, Maryland, Barbados e Virgínia. Em 1706, liderou a criação do Presbitério de Filadélfia. Quando pregou em Nova York no mesmo ano, o governador Cornbury ordenou que ele fosse preso por pregar sem a devida autorização. Makemie defendeu habilmente o seu direito de livre expressão e foi absolvido. Todavia, Cornbury o forçou a pagar os custos do julgamento.
3. O século vinte
Por causa dos seus notáveis avanços em muitas áreas, o século recém-findo foi denominado o “século das luzes”. Ironicamente foi também um período de muitas restrições à liberdade de consciência, o que fez com que muitos cristãos sofressem por causa da sua fé. O regime nazista notabilizou-se pela sua violência contra diferentes grupos, inclusive religiosos. Em seu livro Força da Luz, o missionário holandês Irmão André conta a história do pastor Paul Schneider. Preso em 1938 e mandado para Buchenwald, ele provocava agitação com a sua pregação ousada e as suas críticas contra o nazismo. Por causa disso, foi colocado em uma solitária. No domingo de Páscoa, sua voz ressoou na prisão: “Assim diz o Senhor: Eu sou a ressurreição e a vida!” Os guardas da SS invadiram a cela e o espancaram até a morte. Não deixaram um só osso inteiro. Um prisioneiro comunista comentou: “Não precisaríamos do socialismo nem do comunismo se tivéssemos mais pessoas como Paul Schneider”.
Poucos anos mais tarde, já em plena II Guerra Mundial, surgiu na Alemanha um movimento cristão de oposição ao nacional-socialismo – a Igreja Confessante. Um de seus principais líderes foi o jovem pastor e teólogo Dietrich Bonhoeffer (1906-1945). Sua oposição ao nazismo o levou a participar do movimento da resistência, o que acarretou a sua prisão pela Gestapo em abril de 1943. Acusado de traição, foi executado no campo de concentração de Flossenbürg no dia 9 de abril de 1945, aos 39 anos. Uma tabuleta simples na igreja da vila próxima afirma: “Dietrich Bonhoeffer, uma testemunha de Jesus Cristo entre os seus irmãos”. Seus livros mais conhecidos são O Preço do Discipulado, Vida em Comunidade e Resistência e Submissão, que contém as suas cartas e anotações escritas na prisão. Outro conhecido prisioneiro cristão do século 20 foi o pastor luterano Richard Wurmbrand, que passou 14 anos em prisões da Romênia (1950-1964) e escreveu o livro Cristo em Cadeias Comunistas.
Conclusão
Os exemplos acima mostram que as experiências de aprisionamento sofridas por cristãos ao longo dos séculos podem variar enormemente quanto à sua justificativa, grau de sofrimento e conseqüências. Todavia, há um elemento comum: a convicção dos perseguidos de que enfrentaram aquelas situações aflitivas em virtude do seu compromisso prioritário com Deus e a sua Palavra. Com freqüência, eles não somente foram fortalecidos espiritualmente através das suas provações, mas, através de seu testemunho e de seus escritos, edificaram e inspiraram os seus contemporâneos e as gerações posteriores.
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Fonte: Portal Mackenzie
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