Vivemos na era da música digital. Os muitos sons nos fazem delirar. Foi muita mudança tecnológica, rítmica e cultural que revolucionou e modificou o cenário evangélico na área de louvor e adoração. Diante do novo contexto, as opiniões se dividem. O louvor contemporâneo é melhor do que o antigo dos hinários? As mudanças foram para bem ou para mal?
A mudança da hinódia das igrejas tradicionais foi nítida nos últimos vinte e cinco anos. Durante décadas as igrejas tradicionais (batistas, presbiterianas, metodistas e assembleianas) usaram quase que exclusivamente os hinários com seus hinos bicentenários em sua maioria. Apesar de muitos aspectos excelentes e positivos dos antigos hinários, como a organização temática, a teologia saudável e equilibrada há também aspectos que facilitaram uma rejeição gradual dos mesmos, aliada a uma crescente aceitação de cânticos e hinetos mais recentes. Por que tantos belos hinos caíram em desuso? Algumas das principais razões podem ser aqui mencionadas:
1. Os hinos eram estrangeiros: A grande maioria dos hinos das igrejas tradicionais foram compostos nos EUA, na Inglaterra e na Alemanha há pelo menos mais de um século. Com o tempo, foram aumentando sua estranheza cultural para os ouvidos tupiniquins. Para muitos brasileiros, tais hinos passaram a soar como algo pouco atraente para as novas gerações.
2. Os hinos tornaram-se repetitivos: Hinos célebres como “Morri na Cruz por Ti”, “Oh, Quão Cego eu Andei” e “Vencendo vem Jesus” eram cantados com muita freqüência. O fato é que poucos hinos tradicionais eram muito cantados, repetindo-se muitas vezes a mesma melodia. Começou a faltar criatividade e os hinos amados tornaram-se enfadonhos.
3. Anacronismo: Com o passar do tempo, a nova geração não conseguiu adaptar-se aos hinos mais antigos e buscou novas formas de expressão musical. Muitos dos hinos usavam uma linguagem mais difícil e melodias anacrônicas, perdendo capacidade de comunicação para os mais jovens. Um dos hinos antigos, por exemplo, dizia em sua primeira estrofe: “Numa orgia nefanda o rebelde Belsazar”.
4. A grande revolução litúrgica que pegou desprevenidos os grupos tradicionais e pentecostais clássicos no Brasil teve lugar a partir da década de 1950. A chegada da Igreja Quadrangular e o surgimento de igrejas como o Brasil para Cristo, Igreja Nova Vida e Igreja Deus é Amor mudaram o perfil litúrgico nacional. Foi por meio da nova onda carismática que o cenário mudou. Que tipo de mudança tivemos?
1. Instrumentação e ritmo: Os novos grupos carismáticos e, depois, os neopentecostais romperam com a hinódia tradicional (inclusive pentecostal – Harpa Cristã), compondo hinetos mais simples, mais curtos, repetitivos, acompanhados de palmas e instrumentos comuns (tidos como “menos sacros” como o órgão e o piano). O momento do louvor deixou de ser reflexivo e meditativo e passou a ser mais corporal e efusivo.
2. A Nacionalização: Os novos hinetos carismáticos foram, na maioria, compostos por brasileiros e em ritmos populares nacionais ou em ritmos importados mais comuns em nosso contexto. A verdade é que as novas igrejas eram autenticamente brasileiras. Não tinham necessidade de honrar uma tradição estrangeira. Cânticos em ritmo de samba e marchinha passaram e proliferar, acompanhados das criticadas palmas!
Que dizer dessa nova tendência? Os mais tradicionais sempre a criticaram, afirmando que a qualidade musical diminuiu (o que é fato), que as músicas se tornaram mundanas e que estávamos diante de cânticos impróprios para um culto verdadeiro. No entanto, é preciso ressaltar aspectos positivos da nova tendência.
- A Alegria Comemorativa: Enquanto os tradicionais cantavam “bendita a hora de oração”, de olhos bem fechados, os novos grupos começaram a “fazer festa”, pulando, movendo braços e pernas e até dançando! Por mais que se possa questionar tal atitude, há de se entender que ela tem força de apelo para o contexto brasileiro e para a nova geração. Além disso, condiz também com a maneira judaica de expressar fé. Por isso, muitos cânticos hebraicos começaram a invadir igrejas mais tradicionais a partir da década de 80, como “exaltar-te-ei, ó, Deus meu e rei”.
- Uma Adoração Contemplativa: Nos novos cânticos houve uma busca intensa pela presença divina. Esta adoração contemplativa é sempre acompanhada de imagens que nos convidam a estar “diante de Deus”, ”perante o trono”, “na presença do Senhor”. Houve um processo de “pictorialização” da relação com Deus. Em vez de enfatizar os feitos de Deus ou elementos teológicos importantes, ressaltou-se muito a transcendência divina, que deveria ser buscada, e sentida.
- A Retomada do Antigo Testamento: Os novos hinetos apresentaram uma forte tendência ao Antigo Testamento, enfatizando uma idealização de Israel. Querendo expressar uma fé mais concreta, os novos grupos encontraram nos Salmos e no Antigo Testamento muito de sua inspiração, muitas vezes sem qualquer transposição cristã, fundamentada na interpretação teológica do Novo Testamento. Além disso, especialmente sob a influência da escatologia pré-milenista, enfatizou-se muito o povo de Israel como fonte de inspiração. Motivos judaicos invadiram o mundo evangélico. Candelabros, estrelas de Davi, óleo de Jerusalém, etc. passaram a fazer parte do cotidiano evangélico.
No entanto, o novo cenário litúrgico também mostrou diversas fragilidades e problemas. Desde os dias do louvor ao som do iê-iê-iê dos anos 60 até o chamado louvor profético ou ungido (unção de inspiração animal), muitos problemas precisam ser mencionados.
1. Heresias: Como são compostos por gente sem boa formação teológica, muitos cânticos afirmam verdadeiras tolices: Ouvimos coisas como “eu navegarei no oceano do Espírito”, “(no céu) não entram irmãs que usam saia acima do joelho!”, “a casa de Deus, onde flui o amor”, e etc. Infelizmente muitas igrejas cantam diversos cânticos apenas porque gostam da melodia, sem observar se a letra tem ou não o mínimo fundamento bíblico e teológico.
2. Pobreza de Letra: Ainda que não seja o caso de todos, há cânticos que não chegam a dizer nenhuma heresia, porque não tem nada a dizer! Vários são os cânticos que trazem frases simplistas, quase sem nenhum conteúdo. Esses cânticos geralmente possuem bastante ritmo e algumas poucas frases são repetidas continuamente. Não é possível que se possa louvar a Deus com entendimento, usando letras tão pobres e vazias de conteúdo. Além disso, devemos reconhecer que se queremos oferecer um louvor a Deus, precisamos fazê-lo com mais qualidade.
3. Abuso do Ritmo: Todos têm consciência de que é possível e perigoso fazer manipulação emocional. Isso é diferente de louvar a Deus com as emoções. Quando momentos de louvor chegam a quase uma hora, quase sempre repletos de cânticos eufóricos, o público fica emocionalmente desequilibrado. O fato é que depois de tanto tempo, muita gente já nem é capaz de fazer uma crítica do que está acontecendo. A grande maioria dos cânticos de reuniões como essas são bem ritmados e repetitivos. A verdade é que em alguns casos a repetição de hinetos torna-se quase hipnótica. O público fica muito eufórico, chega a suar, alguns até manifestam certa sensualidade e acabamos tendo uma massa de pessoas altamente manipulável. Parece-nos claro que tal procedimento não trará edificação. Muitos são os casos de pessoas que são muito “animados” na hora do “louvorzão”, mas que nada manifestam em sua própria vida. Alguma coisa está errada neste tipo de louvor.
4. O uso incorreto do Antigo Testamento: Há uma crença generalizada de que podemos cantar todo e qualquer texto bíblico, pois estamos cantando a Palavra de Deus. É exatamente nesse ponto onde vemos a necessidade do estudo da hermenêutica (interpretação bíblica). Não podemos cantar qualquer versículo por diversas razões: às vezes o versículo traz uma ideia incompleta (veja At 15.1); às vezes o texto traz as palavras de Satanás (Jó 1.9-10), dos fariseus (Jo 8.48); apresenta uma teologia ultrapassada pelos ensinos cristãos (Nm 15.32,36); traz declarações que precisam ser corretamente interpretadas (Sl 137.9). Os cânticos que não tenham base bíblica e teológica não podem ser aceitos. Não devemos cantar: “persegui os inimigos e os alcancei, persegui-os e os atravessei” (Sl 18.37.38), quando o Senhor Jesus ordena que devemos perdoar e amar os nossos inimigos (Mt 5.44,45). Não podemos exaltar a guerra, a vingança, o templo, a cidade santa, pois tudo isso é teologia ultrapassada, conforme os ensinos do Novo Testamento. Temos ouvido um grande número de cânticos que usam direta ou indiretamente textos (ou a teologia) do Antigo Testamento indevidamente. Isso precisa mudar.
Diante do cenário descrito, é importante ter bom senso e equilíbrio. É claro que precisamos de uma renovação permanente de nossa hinódia. No entanto, não se pode mudar por mudar, prejudicando a igreja e seu futuro. No meio dessa situação conturbada, parodiando a banda Skank, não podemos “perder a cabeça, nem perder a amizade”. Por isso, louvemos ao Senhor com bastante sobriedade, sem perder, porém, a sensibilidade.
Fonte: O Prazer da Palavra
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