Por Ronaldo Lidório
Escrevo este artigo como um reconhecimento de que,
sem a ação do Espírito Santo, a compreensão teológica bem como as estratégias
missionárias serão insuficientes na dinâmica da propagação do evangelho e da
multiplicação de igrejas. Dependemos do Espírito para converter o coração do
povo, uni-lo, levá-lo a adoração a Cristo e inflamá-lo a pregar o evangelho. E
o vento sopra onde quer.
Se olharmos o
crescimento da Igreja em um panorama mundial, perceberemos que o crescimento
evangélico foi 1.5 % maior que o Islã na ultima década1. O evangelho
já alcançou 22.000 povos nestes últimos 2 milênios. Temos já a Bíblia traduzida
hoje em 2.220 idiomas. As grandes nações que resistiam ao evangelho estão sendo
fortemente atingidas pela Palavra, como é o caso da Índia e China, que em breve
deverão hospedar a maior Igreja nacional (e informal) sobre a terra. Um
movimento missionário apoiado pela Dawn
Ministry plantou mais de 10.000 igrejas-lares no Norte da
Índia na última década, em uma das áreas tradicionalmente mais fechadas para a
evangelização. No Brasil, em lugares menos evangelizados como o sertão
nordestino, o norte ribeirinho e indígena, e o sul católico e espírita, vemos
grandes mudanças na última década, com o nascimento de novas igrejas, a
multiplicação de movimentos evangelísticos e o crescimento da liderança local.
Patrick Johnstone nos informa que jamais tivemos um crescimento tão expressivo
da Igreja como em nossos dias2 .
Duas perguntas
poderiam surgir perante este quadro: Qual a relação entre a expansão do
evangelho e a pessoa do Espírito Santo? E quais os critérios para uma Igreja,
cheia do Espírito, envolver-se com a expansão do evangelho do Reino?
Em uma macrovisão, percebemos que essa relação
poderia ser observada em três áreas distintas, porém, inter-relacionadas: 1.
através da essência da pessoa do Espírito e de sua função na Igreja de Cristo;
2. pela essência da pessoa do Espírito e de sua função na conversão dos
perdidos; 3. pela clara ligação entre os avivamentos históricos e o avanço
missionário.
A essência da pessoa
do Espírito e de sua função na Igreja de Cristo
Em Lucas 24, Jesus
promete enviar-nos um consolador, que é o Espírito Santo. Este viria sobre a
Igreja em Atos 2 de forma mais permanente. Ali a Igreja seria revestida de
poder. O termo grego utilizado para “consolador”
é “parakletos” e
literalmente significa “estar
ao lado”3 . É um termo composto por duas
partículas: a preposição “para”,
que indica “ao lado de”, e “kletos”,
do verbo “kaleo”
que significa “chamar”. Portanto, vemos aqui a pessoa do Espírito, o
cumprimento da promessa, o chamado para habitar a Igreja, permanecendo ao lado
dela para o propósito de Deus.
Segundo John Knox a essência da função do Espírito Santo é estar ao lado
da Igreja de Cristo, fazê-la possuir a face de Cristo e espalhar o nome de
Cristo4. Nessa percepção, O Espírito Santo trabalha para fazer a
Igreja mais parecida com seu Senhor e fazer o nome do Senhor da Igreja
conhecido na terra.
A essência da pessoa do Espírito e de sua função na conversão dos perdidos
Cremos que é o Espírito Santo quem convence o homem do seu pecado. O
homem natural sabe que é pecador, porém apenas com a intervenção do Espírito
ele passa a se sentir perdido. Portanto em toda a apresentação do evangelho, se
o Espírito Santo não convencer o homem do pecado e do juízo, nossa exposição da
verdade de Cristo não passará de uma apologia humana (1Ts 1.5).
Francis Shaeffer em seu L’abri ensinava
a diferença entre a consciência de pecado e a consciência de resgate. Todo ser
humano possui uma consciência moral de erro. Ele expõe que a consciência de
imperfeição é inerente ao homem, e aceita pelo mesmo. Isto, por outro lado, não
o leva a se sentir perdido e necessitado de ser resgatado. Sem a intervenção e
o trabalho do Espírito, o homem natural não busca Deus e não sente a
necessidade de salvação ou perdão.
Todos já passamos por uma experiência evangelística em que apresentamos
Cristo a alguém com o coração endurecido. Às vezes até este alguém observava o
que dizíamos sobre o Cristianismo de forma crítica e com zombarias. Mas mesmo
assim lhe apresentamos o mesmo evangelho uma, duas, cinco vezes. Na sexta, nada
novo é falado. O mesmo evangelho é apresentado, porém nesse momento a Palavra
entra em sua mente, desce ao coração e gera quebrantamento, consciência de que
está perdido e precisa de Deus. Há ali uma entrega pessoal ao Senhor Jesus. A
pessoa do Espírito Santo, sua natureza e missão, é quem faz a diferença entre
um ouvir acomodado do evangelho e um possuir sede de Deus.
A clara ligação entre os avivamentos históricos e os movimentos
missionários
Se observarmos os ciclos de avivamentos perceberemos que a proclamação
da Palavra se torna uma consequência natural dessa ação do Espírito5 .
Como resultado de um avivamento, a partir de 1730,
John Wesley durante 50 nos pregou cerca de 3 sermões por dia, a maior parte ao
ar livre, tendo percorrido 175.000km a cavalo pregando 40.000 sermões ao longo
de sua vida.
Como resultado de um avivamento, em 1727, a Igreja
moraviana passa a enviar missionários para todo o mundo conhecido da época,
chegando a enviar, ao longo de 100 anos, mais de 3.600 missionários.
Como resultado de um avivamento, em 1784, após ler
a biografia do missionário David Brainerd, o estudante William Carey foi
chamado por Deus para evangelizar os indianos. Após uma vida de trabalho
conseguiu traduzir a Palavra de Deus para mais de 20 línguas locais
Como resultado de um avivamento, em 1806, Adoniran Judson
teve uma forte experiência com Deus e se propôs a servir a Cristo, indo depois
para a Birmânia, onde foi encarcerado e perseguido durante décadas, mas deixou
aquele país com 300 igrejas plantadas e mais de 70 pastores.
Como resultado de um avivamento, em 1882, Moody
pregou na Universidade de Cambridge e 7 homens se dispuseram ao Senhor para a
obra missionária e impactaram o mundo da época. Foram chamados “os 7 de
Cambridge”, que incluía Charles Studd6 . Este foi
para a África, percorreu 17 países e pregou a mais de meio milhão de pessoas.
Fundou A Missão de Evangelização Mundial, que conta hoje com mais de 4.000
missionários no mundo.
Como resultado de um avivamento, em 1855 Deus falou
ao coração de um jovem franzino e não muito saudável para se dispor ao trabalho
transcultural em um país idólatra e selvagem. Vários irmãos de sua igreja
tentavam dissuadi-lo, mas ele preferiu ouvir Deus e foi. Assim, Ashbel Green
Simonton que veio e atuou no Brasil na segunda metade do século XIX, sendo o
fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Como resultado de um avivamento, em 1950, no
Wheaton College 500, jovens foram chamados para a obra missionária ao redor do
mundo a partir da pregação da Palavra. E obedeceram. Dentre eles estavam Jim
Elliot que foi morto tentando alcançar a tribo Auca, na Amazônia, em 1956. A
partir de seu martírio, houve um grande avanço missionário em todo o trabalho
indígena e não indígena. Um destes jovens é o Dr Russel Shedd que abençoa o
nosso país com fidelidade e integridade ao longo dos anos. Seu ministério e
intensa atuação na Igreja brasileira são fruto de um avivamento que despertou
jovens e os levou a desenvolverem ministérios de transformação e impacto em
todo o mundo.
Tendo em mente os três níveis de relação entre o
Espírito Santo e as Missões nessa macroestrutura, podemos observar alguns
valores bíblicos sobre esse tema, revelados em Atos 2, durante o
Pentecoste.
O Pentecoste e a proclamação
O Espírito Santo é a pessoa central no capítulo 2
de Atos, e Lucas é justamente o autor sinóptico que mais fala sobre ele
utilizando expressões como “ungido” pelo Espírito, ou “poder” do
Espírito ou ainda “dirigido”pelo Espírito. Isso demonstra
que, na teologia Lucana, o Espírito Santo era realmente o “Parakletos”
que viria.
O Pentecoste, dentre todas as festas judaicas, era,
segundo Julius, o evento mais frequentado e acontecia sob clima de reencontros,
já que judeus que moravam em terras distantes empreendiam, nessa época do ano,
longas jornadas para ali estar no quinquagésimo dia após a páscoa.
Chegamos ao momento do Pentecoste. Fenômenos
estranhos aos de fora e incomuns à Igreja aconteceram nesse momento, e a
Palavra resume-os falando sobre um som como “vento impetuoso” (no grego “echos”,
usado para o estrondo do mar). E “línguas como de fogo” que pousavam
sobre cada um. Diz a Palavra que “ficaram cheios do Espírito Santo” e
começaram a falar “em outras línguas”. E Lucas fecha o
versículo 4 com a expressão “segundo o Espírito lhes concedia”.
No versículo 4, o texto utiliza os termos “eterais
glossais” para afirmar que eles falaram em outras “glosse”,
línguas, expressão usada para línguas humanas, idiomas. Mas, a fim de não
deixar dúvidas, no versículo 8, o texto nos diz que cada um ouviu em sua “própria
língua” usando aqui o termo “dialekto”, que se refere aos dialetos
ali presentes. As línguas faladas, e ouvidas no Pentecoste, portanto, eram
humanas. Mas onde ocorreu o milagre? Naquele que falou ou nos ouvidos dos que
ouviram? É possível que tenha sido nos ouvidos dos que ouviram, pois a mensagem,
pregada foi compreendida “idia dialekto” — no próprio dialeto de
cada um. O certo, porém, é que Deus atuou sobrenaturalmente a fim de que a
mensagem do Cristo vivo fosse compreendida, de forma nítida e clara, por todos
os ouvintes.
Em meio a esse momento atordoante (vento, fogo, som
e línguas), o improvável acontece. Aquilo que seria apenas uma festa espiritual
interna para 120 pessoas chega até as ruas. O caráter missiológico do evangelho
é exposto. Com certeza, o Senhor já queria demonstrar desde os primeiros
minutos da chegada definitiva do Espírito sobre a Igreja que este poder — “dinamis”
de Deus — não havia sido derramado apenas para um culto cristão restrito, para
a alegria íntima dos salvos ou para a confirmação da fé dos mártires.
O plano de Deus incluía o mundo de perto e de longe
em todas as gerações vindouras. E nada melhor do que o Pentecoste para
demonstrar tal amplitude. Ali 14 nações estavam presentes e, no meio desta
balbúrdia da manifestação de Deus, cada uma — milagrosamente — passou a ouvir o
evangelho em sua própria língua.
Era o Espírito Santo mostrando já na sua chegada
para o que viria. Em um só momento, Deus fez cumprir não apenas o “recebereis
poder”, mas também o “sereis minhas testemunhas”. A Igreja
revestida nasceu com uma missão: testemunhar sobre Jesus.
Daí muitos se convertem e a Igreja passa de 120
crentes para 3.000, e depois 5.000. Não sabemos o resultado daqueles
representantes de 14 povos voltando para suas terras com o evangelho vivo e
claro “em sua própria língua”, mas podemos imaginar que o nome de
Jesus passou a ser repetido com intensidade tanto em Jerusalém quanto além
fronteiras.
Após o sermão de Pedro, em que anuncia Cristo, no
verso 37, registra-se que “ouvindo eles estas coisas, compungiu-se-lhes o
coração (ARA)”, e o termo usado aqui para “compungir” vem de “katanusso”,
que segundo Meyer é usado para uma “forte ferroada”, ou ainda para “uma dor
profunda que faz a alma chorar”. A Palavra afirma que “naquele dia
juntaram-se a eles quase três mil pessoas”. Era o Espírito Santo
usando o cenário do Pentecoste para alcançar homens de perto e de longe.
Uma conclusão clara no texto é que a presença do
Espírito Santo leva a mensagem para as ruas, para fora do salão, e alcança
pessoas de perto e de longe.
Havia naquele lugar, ouvindo a Palavra de Deus através de uma Igreja
revestida de Poder pelo Espírito Santo, homens de várias nações distantes,
judaizantes, além de judeus de perto, que moravam do outro lado da rua. De
terras distantes, o texto registra que havia “Partos, medos e elamitas,
habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da
Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia próximas a Cirene, e
romanos aqui residentes, tanto judeus como convertidos ao judaísmo, cretenses e
árabes” e que todos ouviram falar “das grandezas de Deus”.
A ação do Espírito Santo não produz uma Igreja enclausurada
Esta Igreja cheia do Espírito Santo passa a crescer onde está e em Atos
8 o Senhor a dispersa por todos os cantos da terra. E diz a Palavra que “os que eram
dispersos iam por toda parte pregando a Palavra”.
Uma Igreja cheia do Espírito é uma igreja missionária,
proclamadora do evangelho e conduzida para as ruas, jamais enclausurada.
A ação do Espírto Santo não produz uma Igreja segmentada
Após a ação do Espírito sobre os 120, depois 3.000, e depois 5.000, não
houve segmentação, divisão, grupinhos na Igreja.
Eles eram diferentes. Alguns gostavam de adorar a
Deus no templo, outros de casa em casa. Alguns eram judeus, outros judaizantes,
e ainda outros gentios. Alguns haviam caminhado com Jesus, outros jamais o
viram pessoalmente. Mas a Igreja possuía “um só coração e uma só alma” como
resultado direto da ação do Espírito Santo em Atos 2.
A diversidade não conduzia a Igreja a segmentações. A unidade em Cristo
era mais forte do que a diversidade humana, e assim a Igreja caminhava a um só
passo.
A ação do Espírito Santo não produz uma Igreja autocentrada
Certamente uma Igreja que havia experimentado o poder de Deus, de forma
tão próxima e visível, seria impactada pelo sobrenatural.
Porém, quando a ação sobrenatural é conduzida pelo
Espírito Santo, a única pessoa que se destaca é Jesus. A única pessoa exaltada
é Jesus. A única pessoa que aparece é Jesus. E o resultado é que outros passam
a amar mais Jesus.
A ação evangelizadora jamais foi resultado de habilidade humana ou
metodologia certeira, mas, sim fruto da ação do Espírito que convence o homem
do pecado e do juízo. A dependência da ação do Espírito é, portanto, condição
necessária e fundamental para sonharmos com igrejas nascendo e se
multiplicando, em Cristo, para a glória do Pai.
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Notas
1 Há um
progressivo avanço do Cristianismo sobre o Islamismo a partir da forte entrada
missionária em países islâmicos bem como de um fortalecimento do islamismo
radical que tem enfraquecido o apelo do Islã no mundo
2 JOHNSTONE,
Patrick. The church is bigger than you think. Fearn, UK, Christian Focus, 1998.
3 Ou
permanecer ao lado de alguém. O “parakletos” era um ajudador, colaborador para
que alguma missão ou propósito pudesse acontecer
4 MURRAY,
Stuart. Church planting: Laying foundations. Carlisle, Cumbria, Paternoster,
1998.
5 Stott,
John, op. cit., p. 54
6 Um
dos maiores desportistas do final do século XIX, e milionário, abandonou
fortuna e fama para se entregar à obra missionária na África. Fundador da WEC
International — Missão AMEM no Brasil
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