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19 de fev. de 2015

O Carnaval é Religiosidade Pagã

Por Thiago Oliveira

Cristãos defendendo e até participando das festividades de Carnaval? Dou graças a Deus por esta festa ter acabado, todavia me entristeço por ter visto que alguns crentes postaram nas redes sociais mensagens favoráveis a essa festa tão mundana e profana que com sua “irreverência” abandona de vez o pudor e que de tão devassa faz com que pessoas não religiosas se vistam com fantasias de diabo, manifestando assim a ciência de que não é uma festividade que agrade a Deus. Outros, até assumiram que “brincaram” e chegaram a exibir fotos. Que lástima!

Na abertura do Carnaval 2015 em Recife, capital do meu estado, o músico Naná Vasconcelos comandou um canto onde em alto e bom som se ouvia: "Oxossi Guerreiro e o chefe da mata." Para quem não sabe, Oxossi é uma entidade das religiões de matriz africana. Com o sincretismo que ocorreu ainda no período colonial, ele é venerado também como São Sebastião. Isso evidencia que a religiosidade pagã, isto é, não cristã, está presente nas manifestações carnavalescas. E essa influência não vem de agora. Com este breve texto, gostaria de mostrar as origens da propagação da religiosidade afro no Carnaval de Pernambuco, um dos mais aclamados do país.

No artigo* intitulado “Festeiros e Devotos: perseguição e repressão na batalha da construção do corpo submisso”, o historiador Mário Ribeiro dos Santos aborda a perseguição que as então chamadas “seitas africanas” foram acometidas durante o período do Estado Novo. De acordo com a sua pesquisa, no ano de 1939, ano da morte do Papa Pio XI e com a aproximação do 3º Congresso Eucarístico Nacional, a ala conservadora da sociedade viu nesses acontecimentos uma oportunidade para tentar fortalecer o caráter cristão do país, que estava se perdendo devido ao laicismo adotado pela República e pela adesão aos cultos afros. Foi nesse ínterim, com o objetivo de transformar Recife, que o governador de Pernambuco, o Sr. Agamenon Magalhães, juntamente com a liderança da Igreja Católica, deu início a repressão ao Candomblé e suas variantes Umbanda e Jurema.

Devido à perseguição e o fechamento de diversos terreiros, a saída para burlar a política do governador Agamenon Magalhães foi fundar troças carnavalescas que aparentemente nada tinham a ver com o Candomblé. Esse foi o caso da Troça Mista Rei dos Ciganos, fundada em Beberibe, quando a Casa de Santo administrada pelo babalorixá Eudes Chagas foi fechada pela polícia:

[...] os maracatus estavam “queimados”, aventou-se, então, a ideia da fundação de uma agremiação carnavalesca que não tivesse nenhuma vinculação com o “Xangô” e nem de longe deixasse transparecer que seus integrantes pertencessem à seita. [...] Dona Santa do Maracatu Elefante, Seu Eudes Chagas, Aluísio Gomes e João Cabral, tomaram a deliberação de fundar uma troça carnavalesca que no carnaval sairia durante o dia e nos demais meses do ano promoveria festas dançantes na sede em louvor às divindades negras; somente assim, disfarçadamente, o culto teria continuidade. [...] Foi também o teste à argúcia policial.

Mas a presença maciça dos membros das religiões africanas antecede esse período, como podemos ler no relato de um famoso Pai de Santo, o Sr. Manoel do Nascimento Costa, o Manoel Papai:

70% das agremiações carnavalescas dependeram e dependem ainda do Candomblé e da sua magia. Ainda hoje muitas delas não têm coragem de sair às ruas sem antes preparar seus participantes com limpeza de pintos e defumadores. [...] Em número bastante razoáveis, quase todas as agremiações foram fundadas ou são dirigidas por Pai, Mãe ou Filhos de Santo. [...] a troça Secreta era uma troça que foi fundada por membros de duas famílias africanas: Pai Adão e Antônio Nepomuceno (Apari) [...] O Clube das Pás, tem como presidente perpétua, Maria do Carmo Ferraz, juremeira e Mãe de Santo residente em Campo Grande. [...] o Clube Vassourinhas, fundado pelo povo de Candomblé, ainda hoje traz em seus cordões 90% de filhos-de-santo. [...] o Maracatu Elefante era comandado por Maria Júlia do Nascimento (Dona Santa), velha juremeira, neta de africanos. [...] o bloco Madeira do Rosarinho é uma agremiação esperada com grande ansiedade entre o povo de Candomblé, era o bloco, do qual João Romão era conselheiro, juntamente com os irmãos e alguns amigos de infância.

Logo, não são apenas os Maracatus os representantes da religiosidade afro durante o período carnavalesco. O tradicional Clube das Pás, que fica no bairro de Campo Grande, fundado para ser uma agremiação de Carnaval, tinha em seus elementos mais simples uma fundamentação religiosa. Segundo o Seu Manoel:

No estandarte do clube das Pás, mulher não pegava, porque não se sabia se ela estava menstruada. E aquilo era um estandarte preparado. No oxê, naquele símbolo que tem em cima do estandarte, tem duas pás cruzadas e uma bola. E dentro daquela bola tinha um segredo.

Na conclusão de seu artigo, Mário Ribeiro, que por não partilhar da fé cristã, simpatiza com este sincretismo, arremata da seguinte maneira:

Nesse trânsito, no qual os foliões transportam para o Carnaval a sua ligação com o sagrado, identificamos o desenvolvimento, de maneira silenciosa e lenta (às vezes nem tão silenciosa assim); de uma densa malha invisível que se encontra esticada pela cidade, a ponto de interferir na própria estrutura organizacional, funcional e simbólica da festa. A rua passa, então, a ser o domínio territorial dos caboclinhos, dos maracatus, das troças e dos clubes. É o “lugar praticado”, onde os becos, as esquinas, os pátios e as praças constituem movimentados espaços de circulação, cujos itinerários são fortemente definidos e conquistados.

E então? Você ainda continua achando que o Carnaval é apenas uma simples manifestação cultural? Se a resposta for positiva, você precisa reavaliar se de fato é cristão, pois não podemos nos curvar diante de dois senhores. 
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* O artigo citado pode ser lido na íntegra aqui. Toda citação foi extraída dele. 

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