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4 de fev. de 2015

O Senhorio de Cristo e a Redenção das Artes

Por Rodolfo Amorim

Cristo veio nos redimir para nos tornar humanos, no sentido pleno da palavra. Ser novo homem significa que nós podemos começar a agir em nossa plena e livre capacidade humana, em todas as facetas da vida.

HANS ROOKMAAKER

Henderik Roelof Rookmaaker foi um cristão pioneiro no campo das artes e um trabalhador fiel e incansável a serviço do Deus criador e redentor de todas as  coisas. Hans, como era gentilmente chamado pelos familiares e amigos íntimos, expressou essa convicção a respeito de seu Senhor com aspiradora intensidade a partir de 1942, ano em que se converteu ao cristianismo em uma prisão nazista em Estanislaw, na atual Ucrânia. Tudo nesse pequeno holandês — personalidade, paixão, energia, talento e fé — transpirava uma forte convicção de chamado e missão: o chamado para viver plenamente como cooperador de Cristo em sua obra de redenção e na reforma das realidades afetadas pela distorção do pecado.

Diferente de outros heróis da fé, Rookmaaker não partiu para terras distantes com a missão de lutar contra as forças do mal e levar o evangelho para os povos não alcançados. Sua missão era direcionada ao coração da cultura europeia do pós-guerra, mais especificamente ao terreno inexplorado do campo das artes. Após vivenciar os horrores da guerra, Rookmaaker sabia que a batalha contra a “cidade dos homens” não se dava apenas em domínios geograficamente distantes. Uma batalha estava sendo travada dentro de seu próprio país, no interior de sua própria casa, e atingia as pessoas próximas e queridas à sua volta. Esse confronto espiritual podia ser visto nas diferentes manifestações artísticas e culturais — música, pintura, teatro, arquitetura e outras expressões do espírito humano — produzidas e consumidas diariamente não apenas por seus concidadãos holandeses, como também pelos europeus e por todo o Ocidente.

Ao iniciar sua missão no inexplorado terreno da relação entre as artes e a fé cristã no mundo moderno, Rookmaaker seguiu a direção apontada por alguns de seus conterrâneos, que já haviam percebido a importância de uma ação integral da igreja no mundo. Entre os defensores da proposta de uma ação cristã integral, estavam alguns luminares espirituais como Groen Van Prinsterer, Abraham Kuyper, Herman Bavinck, e os contemporâneos Herman Dooyeweerd, Dirk Vollenhoven e Johan Meekes.

Pouco tempo depois de sua conversão, Rookmaaker já era reconhecido como uma das vozes mais atuantes no campo da integração entre fé e artes no Ocidente. Seu importante legado é uma prova incontestável da influência exercida por ele sobre os cristãos de todas as partes do mundo. Seu tempo de vida como cristão foi relativamente curto (25 anos, aproximadamente), porém sua contribuição para o reino de Cristo foi expressiva. Ele deixou dezenas de livros publicados, abordando o tema das intrincadas relações entre arte, cultura e cristianismo, e centenas de artigos publicados em revistas especializadas na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. Deixou também vários departamentos de arte estruturados ou em vias de estruturação na Holanda, Estados Unidos e Inglaterra; associações de artistas cristãos criadas diretamente por ele ou sob sua influência; um centro internacional de estudos formado e estabelecido na Holanda (L’Abri) e estações de rádio criadas e fortalecidas neste país. Holanda. Porém, seu maior legado foi o impacto provocado por ele na vida de outras pessoas. Contribuiu para que centenas de artistas e acadêmicos desenvolvessem suas vocações sob sua influência e acompanhamento. Indivíduos, famílias e comunidades foram enriquecidos e alcançados pela influência da graciosa manifestação do reino de Cristo nas artes. Sua intenção não era “informar as pessoas sobre arte”, mas sim “compartilhar com outros, por meio da arte, sobre a plenitude da vida e a riqueza da realidade criada por Deus, em seu amor”.

Seu estilo geralmente polêmico e exagerado levou-o a desafiar ideias pré-concebidas sobre o papel do cristão no mundo e quebrou barreiras que impediam a manifestação da plenitude do evangelho de Cristo na realidade criada. Certa ocasião, já no fim de sua vida, em Oxford, alguém lhe perguntou, em tom desafiador, se havia alguma relação entre evangelismo e sua palestra intitulada  Rock, Beat e Protesto. Rookmaaker foi direto: “Por que deveríamos passar a vida toda evangelizando? Passei 25 anos da minha vida meditando sobre esse assunto, procurando relacionar princípios bíblicos e arte. Por que você não faz o mesmo em sua área de atividade?”.

Na resposta de Rookmaaker há uma clara noção de que a vida diante de Deus deve ser vivida de forma integral, não só em situações ou atividades religiosas específicas. O espírito intencionalmente polêmico e a valorização do trabalho integral da fé na luta contra as forças desumanas presentes na arte e na cultura de seu tempo são os traços marcantes da vida de Rookmaaker.

Pouco conhecido no Brasil — nenhuma de suas obras foi ainda traduzida para o português* —, Rookmaaker é uma vida a ser explorada e um mestre a ser estudado, mas, acima de tudo, um exemplo a ser seguido. Vivemos numa época em que a comunidade evangélica nacional parece ter perdido o rumo. Para superar essa fase, precisamos buscar fundamentos sólidos nos depósitos de sabedoria cristã. É tempo de parar para “ouvir” e “ler” a vida daqueles que, no passado, percorreram um caminho excelente e deixaram um exemplo aprovado de vida cristã, em vez de sair em busca de inovações e experimentos teológicos que mais confundem do que edificam o Corpo de Cristo.

Nossas doutrinas e nossos princípios de prática cristã, assim como os modelos apresentados como exemplo e inspiração para o número cada vez maior de cristãos evangélicos no Brasil, precisam de reforma.

Assim, abordamos neste capítulo os principais aspectos relacionados à vida, pensamento e obra de Hans Rookmaaker e suas possíveis implicações para o contexto brasileiro. Buscamos uma apropriação crítica de seu trabalho e sinalizamos desafios atuais e contextualizados para a construção de uma ação informada no seio da igreja evangélica brasileira e na vida pessoal de cada cristão.
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*Na época que foi escrito este artigo não havia nenhuma obra dele traduzida para o português. Hoje temos. 

Fonte: L'abrarte

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