A degradação da música de entretenimento
Dois ou três séculos atrás, antes da grande fragmentação na cultura ocidental que ocorreu com o iluminismo, havia uma unidade na cultura. Se você morasse em Leipzig por volta de 1725, você iria à igreja no domingo pela manhã e ouviria a última cantata de Bach como parte da liturgia. À tarde, as mesmas pessoas iriam à feira e lá haveria uma banda de metais tocando música de dança. O povo apreciava isso. À noite, em suas casas, eles tocariam música de câmara ou talvez fossem a um concerto formal, onde eram tocados concertos de órgão ou violino. Todos esses tipos de música eram compreendidos pelas pessoas e eram todos parte da cultura geral. Para diferentes ocasiões, entretanto, havia diferentes tipos de música. Eles tinham uma palavra para isso naqueles dias. Uma palavra que temos esquecido: “decorum” (decoro). Decorum significa que as coisas precisam ser apropriadas à situação. Em um desfile não se apresenta uma orquestra tocando uma sinfonia de Beethoven, pois esse não é o contexto adequado. Nessa situação em particular, o apropriado seria uma banda de metais tocando Sousa.
Na época do iluminismo, a arte e a música foram elevadas a um patamar elevadíssimo. Quando Beethoven andava pelas ruas, ele queria que o imperador tirasse o chapéu para ele, pois se considerava mais importante: ele era o sumo-sacerdote e grande profeta da cultura. Se as pessoas fossem ouvir a sua música, elas teriam que ficar em completo silêncio, pois estavam ouvindo as revelações das profundezas da alma da humanidade. A então chamada música séria tornou-se muito importante e valorizada, ao mesmo tempo em que a música de entretenimento perdeu sua importância e força. A implicação foi que poucos compositores genuínos ou bons músicos queriam trabalhar no mundo do entretenimento. O resultado foi que, por um lado, a música romântica da alta cultura passou a ser ouvida por poucas pessoas e, por outro, que a música de entretenimento da baixa cultura se tornou cada vez mais banal e vulgar.
Por volta de 1900, essa música havia se tornado insuportavelmente idiota e morta (certamente parte da morte da nossa cultura!). Algo precisava ser feito. Então, as pessoas passaram a procurar por um antídoto para ressuscitar a música de boa qualidade. As únicas pessoas no mundo ocidental que não participaram desse desenvolvimento cultural foram os afro-americanos, pois não tinham acesso a uma educação adequada. A música de entretenimento dos afro-americanos ainda era muito forte. Repetidamente as pessoas brancas disseram: “Nós queremos essa música, porque é viva.” Assim, em dez anos, aquele tipo particular de música (ragtime, jazz, blues ou rythm-and-blues) tinha sido modernizado, comercializado e morto novamente. A mesma coisa aconteceu com o rock-and-roll e mais tarde com os Beatles, Bob Dylan e as músicas de protesto. Mamon apossou-se dessa música e a matou novamente. Basta ligar o seu rádio e entenderá o que estou dizendo. Um dos grandes problemas da nossa cultura é termos um baixo padrão de música de entretenimento. Felizmente, os negros entraram em cena trazendo um pouco de renovação.
O Rock e o Pop
Isso me remete a um pequeno livreto sobre o qual, há um bom tempo, venho querendo escrever uma resenha, mas nunca encontrei tempo para fazê-lo. Ele se chama A Big Beat, a Rock Blast (algo como Uma Grande Batida, uma Rajada de Rock), escrito por Frank Garlock. Na capa o livro traz: “Sr. Garlock é apreciado pela juventude por estar em sintonia com os jovens e suas necessidades. Professor na Universidade Bob Jones. Frequente palestrante, etc. Suas palestras têm produzido resultados duradouros, com até cem decisões por Cristo sendo tomadas em um único culto.” O triste é que, após tomarem suas “decisões por Cristo”, esses jovens vão para casa e destroem seus discos. Esse livreto me deixa furioso, pois o autor é completamente arbitrário. Ele fala sobre Bob Dylan e música pop como se eles tivessem a mesma força e impacto: “Sim, creio que podemos concluir definitivamente que o rock-and-roll é tanto um sintoma dos problemas dos adolescentes desta geração, quanto sua causa.” Até posso concordar, mas ele continua: “Diga-me com quem andas que te direi quem és” diz o velho ditado. Se algum tipo de música é culpada por associação, essa é o rock! Seria impossível fazer uma lista completa, mas eis alguns dos associados ao rock: viciados em drogas, revolucionários, desordeiros, adoradores de Satã, desistentes, irresponsáveis, homossexuais e outros desviados sexuais, rebeldes, imaturos, criminosos, Panteras Negras, Panteras Brancas, gangues de motoqueiros, suicidas, satanistas, macumbeiros, paganismo, lesbianismo, imoralidade, promiscuidade, amor livre, sexo livre, desobediência civil e não-civil, sodomia, doenças venéreas, discotecas, bordéis, orgias de todos os tipos, clubes noturnos, clubes de strip-tease, musicais imundos como Hair. A lista continua ad nauseam.” Ele conclui dizendo: “Não deixe de incluir nessa lista todas as formas fracas de cristianismo.”
O Rock e o Pop
Isso me remete a um pequeno livreto sobre o qual, há um bom tempo, venho querendo escrever uma resenha, mas nunca encontrei tempo para fazê-lo. Ele se chama A Big Beat, a Rock Blast (algo como Uma Grande Batida, uma Rajada de Rock), escrito por Frank Garlock. Na capa o livro traz: “Sr. Garlock é apreciado pela juventude por estar em sintonia com os jovens e suas necessidades. Professor na Universidade Bob Jones. Frequente palestrante, etc. Suas palestras têm produzido resultados duradouros, com até cem decisões por Cristo sendo tomadas em um único culto.” O triste é que, após tomarem suas “decisões por Cristo”, esses jovens vão para casa e destroem seus discos. Esse livreto me deixa furioso, pois o autor é completamente arbitrário. Ele fala sobre Bob Dylan e música pop como se eles tivessem a mesma força e impacto: “Sim, creio que podemos concluir definitivamente que o rock-and-roll é tanto um sintoma dos problemas dos adolescentes desta geração, quanto sua causa.” Até posso concordar, mas ele continua: “Diga-me com quem andas que te direi quem és” diz o velho ditado. Se algum tipo de música é culpada por associação, essa é o rock! Seria impossível fazer uma lista completa, mas eis alguns dos associados ao rock: viciados em drogas, revolucionários, desordeiros, adoradores de Satã, desistentes, irresponsáveis, homossexuais e outros desviados sexuais, rebeldes, imaturos, criminosos, Panteras Negras, Panteras Brancas, gangues de motoqueiros, suicidas, satanistas, macumbeiros, paganismo, lesbianismo, imoralidade, promiscuidade, amor livre, sexo livre, desobediência civil e não-civil, sodomia, doenças venéreas, discotecas, bordéis, orgias de todos os tipos, clubes noturnos, clubes de strip-tease, musicais imundos como Hair. A lista continua ad nauseam.” Ele conclui dizendo: “Não deixe de incluir nessa lista todas as formas fracas de cristianismo.”
Quando leio isso, penso: Sr. Garlock, o senhor realmente investigou isso? O senhor sabe do que está falando? O senhor não pode simplesmente lançar todas essas coisas dentro de um mesmo saco. O pior é que Garlock também é racista em seu argumento. Por exemplo, ele diz: “Tudo que se precisa fazer é viajar para o lugar onde o rock-and-roll tem suas raízes: a África e os Índios Sul-Americanos. Há certas cerimônias que geralmente acompanham esse tipo de música: rituais de vodu e macumba, orgias sexuais, sacrifícios de jovens, adoração ao diabo. Então, saiba a direção na qual estamos seguindo como nação!” Essa é uma declaração racista e estúpida. Por que a música indígena ou africana deveria ser inferior? Talvez os africanos e os índios sejam como refrigerante, talvez sejam como rum forte, no entanto, eles são humanos. Não podemos falar dessa forma.
Em seguida, Garlock cita um artigo sobre uma certa Sra Dorothy R. de Denver, que fez um experimento expondo seus vasos de plantas ao rock. “Dentro de um mês, todas as plantas morreram.” A sugestão é que o rock tem uma influência destrutiva sobre as pessoas e que os seres humanos expostos ao rock podem vir a óbito em questão de meses.
“Por que essa música é tão forte?”, pergunta Garlock. Ele mesmo responde: “Ela apropriou-se dos elementos de tensão do blues, bebop, swing, honkie-tonk, danças latino-americanas e africanas, ragtime, menestréis cara-preta, dixieland e jazz, e combinou-as todas em um estilo sobrecarregado de tensão.” Eu concordo. Contudo, se você ouvir a música do começo do Século XX até hoje, encontrará tensões maiores ainda. Se você viveu com esse tipo de música e cresceu com ela, a tensão é totalmente natural. Porque se alguém quiser produzir algo forte, descobre que após ter tocado muitas vezes a música que criou, ela perde um pouco de sua força. Para se fortalecer, ela tem que ser incrementada. Isso é verdade até mesmo em relação à música clássica durante o seu desenvolvimento: as orquestras ficaram maiores, os órgãos se expandiram e assim por diante. Somente após ter ido bem longe passa-se a buscar algo comedido novamente. Isso é desenvolvimento cultural, em qualquer lugar e em qualquer época.
Se não compreendemos isso é porque não crescemos juntamente com o desenvolvimento. Isso mostra que temos estado completamente alienados ao mundo à nossa volta e temos vivido como estrangeiros, não apenas no sentido bíblico, mas em um sentido muito mais profundo. Não temos vivido em nossa própria cidade, mas nos tornamos completos forasteiros. Como forasteiros, não temos o direito de julgar. É como entrar em uma cultura exótica e comer comida estranha. Não se pode dizer que essa comida não é gostosa. Pode dizer apenas que tem que se acostumar com ela, e que ainda não entende as minúcias daquela cultura alimentar em particular.
A conclusão de Garlock é esta: “Não ouça esse tipo de música. Quebre seus discos de rock e ouça música clássica.” Mas esse é um pensamento errado, pois desconsidera o decoro. Música clássica é música de concerto. Não podemos esperar que nossos filhos ouçam música de concerto – como as sinfonias de Beethoven – a todo tempo. Quando estamos em uma situação social bebendo algo e conversando, então, ouvir Beethoven provavelmente é inadequado. Nesse contexto, até mesmo Bob Dylan talvez seja inadequado! Precisamos encontrar a música adequada para cada ocasião. Não podemos simplesmente dizer: “Esqueça o rock e vá ouvir música clássica”, pois são mundos completamente diferentes. Em nossa cultura geralmente não entendemos tais questões. Em nossa cultura há um grande abismo entre esses dois mundos, algo geralmente chamado de “lacuna de gerações” (generation gap). Acho que que a questão é mais profunda. Garlock não consegue enxergar que essa música é a expressão de uma situação espiritual e que não devemos olhar apenas para a música a em si, mas também para suas causas, para o estado atual da nossa cultura e para a mentalidade moderna. Quando Garlock fala como se houvesse alguma conspiração contra o mundo ocidental para corrompê-lo através da introdução do sexo livre, drogas e rock, isso parece muito superficial. Ele não oferece resposta aos problemas reais e nem mesmo começa a discuti-los.
Concluindo, precisamos estar conscientes dos problemas de nossa época e combater o espírito dessa época na área da música. Toda música tem cor e reflete a espiritualidade específica da pessoa que a cria. Entretanto, quando ouvimos música, não abraçamos automaticamente as cores de quem a fez. Pelo contrário, entramos em uma discussão com essa música. É importante compreender a música do nosso tempo. Não podemos dizer que toda música contemporânea é errada, mas precisamos apontar especificamente o que há de errado nela. O rock e o pop não estão completamente errados, mas parte deles contém erros. É verdade que precisamos estar atentos para não sermos contaminados por influências erradas, mas lembremos de que somos livres para examinar a música que nos rodeia e reter o que é bom. Devemos trabalhar e produzir nossa própria música para que seja tão vigorosa, primorosa e, talvez, até melhor que os melhores exemplos de música. Sim, talvez até melhor.
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Fonte: L'abrarte
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Fonte: L'abrarte
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