O vídeo começa com a seguinte pergunta de uma jovem: "Como tratar da figura de uma pastora na igreja se a Bíblia não fala sobre isso?"
Essa pergunta já tem pressupostos de que não existe nenhuma base bíblica. Todavia, de forma bem simplista, o dito "pastor" Lucinho entrega a resposta da maneira mais objetiva possível. Ele diz: "Só quero ler o primeiro verso de 2 João". Incrível como ele reduz a questão de maneira tão fácil e soluciona de forma tão equivocada a dúvida. Um debate tão acirrado que perdura por tanto tempo nos seminários teológicos, ele resolve em 3'36". Assista clicando aqui.
A minha intenção com esse texto não é discorrer sobre a questão com profundidade, até porque eu não conseguiria em tão poucas palavras. Já existem artigos e vídeos suficientes de vários teólogos e pastores sobre o assunto. Ao longo da minha caminhada cristã, ao abraçar a teologia reformada tenho sempre sido questionada sobre isso e minha posição é coerente com aquilo que abracei. Contudo, quero apenas expor os equívocos do "pastor" e responder com temor e mansidão sua resposta.
De forma bíblica e humilde, não entrando no mérito pessoal da minha opinião sobre o Lucinho, quero pontuar seus argumentos:
1- Ele diz que vários comentaristas falam sobre isso. Então ele usa 2 João 1.1, afirmando ser "a senhora Eleita uma pastora e seus filhos o rebanho que ela cuida".
2- Ele fala sobre uma questão "cultural" onde Paulo trata o verso na carta aos Coríntios como forma de provar que isso não é uma resposta contra a ordenação, principalmente nos nossos dias.
3- Ele diz logo em seguida que a forma como Deus aprova a ordenação feminina é pelo fato de existir tantas mulheres como pastoras no mundo e inclusive na sua igreja, onde 43% são mulheres pastoras.
4- Continua argumentando que o coração da mulher e a forma como ela ministra é propícia a demanda do mundo moderno. Que o Espírito Santo nesses últimos dias têm levantado um exército de mulheres pastoras, oferecendo como exemplo sua própria esposa. E termina dizendo que o título não precede o dom de ser, muitas estão correndo atrás do título mas já são no coração. Serão ordenadas oficialmente após já fazerem esse trabalho.
Aqui encontramos quatro atrocidades teológicas e não é a primeira vez que o Lucinho responde dessa forma. Tendo em vista os argumentos, infelizmente concluímos, que não houve nem o zelo com as Escrituras nem muito menos um cuidado com o questionamento da irmã que o questionou. A jovem pressupõe acertadamente que a Bíblia não respalda a ordenação feminina (serei restrita a essa questão), o pastor nem sequer presta atenção na pergunta e logo solta suas pérolas preciosas. Ele afirma que nem sempre quando um assunto não é tratado na Bíblia, significa que devemos excluí-lo. Então, usa o exemplo da internet. Que tipo de hermenêutica é utilizado aqui? Nós sabemos que a Bíblia é suficiente e nela contém, por princípios, leis e mandamentos tudo o que precisamos. Uma boa exegese sempre seria recomendável, principalmente quando encontramos tantos textos prescritivos sobre isso.
Vejamos que o primeiro argumento está completamente equivocado, João escreve essa carta com o propósito de alertar os cristãos para a necessidade de viver uma vida à luz da verdade. Muitas heresias estavam sendo espalhadas pelos falsos mestres e a igreja precisava discernir com cuidado e preservar a sua fé. João começa uma das menores missivas do NT dizendo: "O presbítero à senhora eleita, e a seus filhos, aos quais eu amo em verdade, e não somente eu, mas também todos os que conhecem a verdade". 2 João 1.1. Aqui João remete a sua função ao invés do seu nome pessoal, podemos entender como "ancião". Possivelmente bastante conhecido em toda a igreja nesse tempo, supervisor do rebanho. No entanto, a questão supracitada pelo vídeo não tem haver com o autor da carta e sim com o receptor da mesma.
O "pastor Lucinho" infere de uma forma controversa que a referida "senhora" seja de fato uma mulher, e que esses filhos são o rebanho por ela apascentado. Entendemos que essa referência é a uma igreja local, toda a missiva é escrita várias vezes no plural e não no singular (v. 6,8,10,12). John Stott [1] escreve: "É mais provável que a frase senhora eleita signifique uma personificação e não uma pessoa - não da igreja em geral, mas de alguma igreja local sobre a qual a jurisdição do presbítero era reconhecida, sendo seus filhos (v. 1,4,13) os membros individuais da igreja." É possível que João tenha escrito dessa forma por pura prudência devido a severa perseguição da igreja que estava em crescimento. Segundo Broadus[2] "O uso normal do adjetivo com um nome próprio requereria um artigo definido (cf. "o amado Gaio" de III João 1). A destinação mais provável, para a carta, é uma igreja, com a expressão e0kleth= kupi/a sendo sua personificação."
Em seu segundo argumento, ele deve estar falando dos versos em 1 Coríntios 14.34-35, e torna-se falho pois responde essa questão afirmando ser apenas uma condição cultural. O texto nos mostra que Paulo tanto aos Corintos quanto a Timóteo (1 Tm 2.11-14) expõe a questão usando o argumento da lei do Senhor e do princípio da criação. O texto é claro "como também ordena a lei", inferir questões culturais nesse texto sem ao menos entender o que ele significa é reduzi-lo sem nenhum temor. No verso 37 desse capítulo o apostolo declara: "Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor." 1 Coríntios 14.37.
A Bíblia não oferece base para o pastorado feminino, no AT não encontramos sacerdotisas (Ex 28.1; 32.26-29; Lv 8.2; Nm 8.16-26), no AT não encontramos nenhum profeta-autor do sexo feminino, nenhum livro da Bíblia foi escrito por uma mulher. No NT não encontramos mulheres exercendo esse ofício. Isso não implica em mulheres servindo a igreja, auxiliando Cristo em seu ministério, cooperando com Paulo nas suas peregrinações. Quando Cristo convoca o colegiado apostólico são doze homens (Mt 10.1), quando é necessário colocar alguém no lugar de Judas são dois homens convocados (At 1.23), quando as viúvas padecem em Atos são sete homens (At 6.3). A instrução de Paulo a Timóteo são sobre homens "marido de uma só mulher" (1 Tm 3.2). O princípio pelo qual acreditamos que a mulher não pode exercer esse ofício é o chamado princípio da criação. Em 1 Timóteo 2.11-14 vemos isso claramente:
"A mulher aprenda em silêncio com toda a submissão. Pois não permito que a mulher ensine, nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão" (grifo meu).
O texto merece ser analisado de forma exegética, cada palavra deve ser estudada. Acredito que com uma sólida exegese todo argumento cultural, social cairá por terra. É insustentável diante do que Paulo fala em Timóteo e em Corinto oficializar mulheres ao sacerdócio. Paulo não proíbe que mulheres ensinem e podemos entender isso em Tito 2.3-4; 2 Tm 1.5; Atos 18.26. Nesse texto escrito a Timóteo, Paulo não apenas sugere dizendo que não é aconselhável que a mulher ensine e tenha domínio sobre o homem. Ele afirma categoricamente que proíbe tal questão. É preceito de um apóstolo de Cristo, escrito com a autoridade do Senhor sob a inspiração do Espírito Santo. Não é um conselho para um tempo específico ou para alguma situação particular. O apelo aqui é a um princípio da criação, estabelecido por Deus, porém, violado na queda. O princípio da liderança masculina foi quebrado. No Éden Deus deu a ordem primeiramente a Adão, Deus deu Adão toda a autoridade sobre a criação (Gn 2.15-20). E sobre Eva, dando-lhe um nome (Gn 2.23).
Nas palavras do David Feddes [3] é dito que "Deus primeiro criou o homem e dele e para ele, então, formou a mulher. (1 Co 11.8-9) Quando o homem e mulher encontraram-se pela primeira vez, o homem assumiu a liderança ao dar a ela um nome e defini-la em relação a ele mesmo (Gn 2.23). A ordem de Deus na criação foi primeiro Adão, depois a Eva. A ordem de Satanás na tentação foi primeiro a Eva, depois Adão. Contudo a ordem de Deus permaneceu: primeiro Adão. Depois de haverem pecado e se escondido, o homem é que foi chamado pelo Senhor: 'onde estás?' (Gn 3.9). Embora Eva tenha pecado primeiro, Deus dirigiu-se primeiro a Adão. A responsabilidade original permaneceu com o homem. A liderança masculina estabelecida na criação, violada durante a queda no pecado, e reafirmada por Deus em seguida é o princípio que subjaz ao preceito e à prática de se ordenar homens como líderes da igreja. Deus quer uma liderança masculina piedosa no lar e na casa de Deus, a igreja. Na verdade, a capacidade de liderar a família é o sinal de que o homem pode ou não liderar a igreja de Deus. (1 Tm 3.5) A liderança masculina expressa o propósito da criação de Deus; reflete a relação entre Cristo e Sua igreja (Ef 5.23); é comparada até com à vida no seio da Divindade. (1 Co 11.3) Assim como Deus o Pai e Cristo são unidos e iguais - com o Pai liderando e Cristo submetendo-se - assim também homem e mulher são unidos e iguais, com papéis complementares na família e na igreja."
Com isso entendemos que Deus em Sua criação determina que a mulher não pode violar a ordem e nem tampouco exercer essa autoridade. No entanto corroboro com o próprio David Feddes [4] que diz: "A congregação que defende a liderança masculina, mas que erroneamente sufoca os dons e negligencia as necessidades femininas, é pior do que a que valoriza as mulheres mas que erroneamente as ordena em todos os ofícios."
É hilário, cômico e trágico o terceiro e o quarto argumento, ele acaba de mencionar dois textos, no entanto, é somente agora que ele usa a expressão "que Deus aprova por conta de... e a forma é...". Como assim "pastor" Lucinho? Você menciona as Escrituras da forma errada, todavia, é por haver muitas mulheres como pastoras que Deus prova a sua aprovação? Inclusive a sua esposa prega e é uma bênção e isso torna-se um argumento inferido como inspirado e infalível? Não, "pastor", não! Isso não prova que Deus aprova. Esse argumento é tendencioso e falacioso. Por haver muitos pregadores ensinando heresias quer dizer que Deus aprova e isso é a forma que Deus prescreve em Sua palavra? Por existir mercenários, fanfarrões e usurpadores no meio gospel quer dizer que é essa a forma que Deus aprova? Esse é um típico argumento de pessoas que não tem zelo nem temor pelas sagradas letras. A principal ênfase da reforma é somente e toda a Escritura! Nosso padrão, nossa regra de fé, nosso prumo não são experiências pragmáticas, nós temos um tesouro e esse pode ser encontrado. Paulo diz a Timóteo, um jovem instruído por duas mulheres (não pastoras e sim, mãe e avó), que a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino (2 Tm 3.16), portanto está aqui a nossa porção. E sobre esse assunto, como disse a jovem na pergunta, não há respaldo bíblico. Não podemos forçar o texto e mesmo que o verso usado pelo pastor tivesse uma interpretação acertada sobre o tema, mesmo assim de forma isolada não podemos construir uma doutrina em cima disso.
Então, como tratar essa figura de pastora na igreja? Devemos rejeitar tudo aquilo que a Bíblia rejeita. Como uma mulher cristã, me submeto as Escrituras e não tenho dúvidas que tenho um lugar no corpo de Cristo. Isso não quer dizer que as mulheres não podem servir, nem que Deus não derramou dons sobre elas... Mas isso já é um outro artigo.
Ao perguntarem a John Piper [5] sobre o que as mulheres podem fazer, ele reponde: "[...] existem seis bilhões de pessoas neste mundo e provavelmente dois terços dessas pessoas não foram atingidas pelo Evangelho, sendo que provavelmente 75% delas são mulheres e crianças com menos de quinze anos de idade. Se você tem um coração preocupado em salvar pessoas, se você quer se dedicar a curar vidas estragadas, se quer realmente resistir ao mal, se quer ir ao encontro das necessidades humanas, as possibilidades de ministrar a estas pessoas, são possibilidades ilimitadas. Tome estas mulheres e milhares de crianças e faça o que quiser para trazê-las a Cristo."
"Quero porém, que saibais que Cristo é a cabeça de todo homem, o homem a cabeça da mulher, e Deus a cabeça de Cristo." 1 Coríntios 11.3.
A Deus toda Glória.
_________________
NOTAS:
[1] STOTT, John. I, II, III João: Introdução e Comentário. 1982: p. 172-173.
[2] HALE, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo Testamento. Tradução de Cláudio Vital de Souza. Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1983. P. 306.
[3] FEDDES, David. Revista Os Puritanos. 2012: p. 6-7.
[4] FEDDES, David. Revista Os Puritanos. 2012: p. 7.
[5] PIPER, John. Revista Os Puritanos. 2012: p. 32.
Nenhum comentário:
Postar um comentário