Por Thiago Azevedo
É preciso entender que toda e qualquer expressão que haja nas Escrituras Sagradas é permeada de sentidos e significados. Estudar estes sentidos e estes significados seria uma das principais atividades do estudante da Bíblia. Quando Jesus se auto intitula como sendo o pão da vida e que desce do céu (Mateus 6:33-35), ele na realidade conhece o contexto daquele povo ao qual fala, contexto de privação de comida. Jesus se utiliza de um recurso metafórico para creditar o que está falando. Ora, as pessoas tinham necessidade e ao mesmo tempo escassez de alimento, alguém dizendo que é pão, no mínimo, teria a atenção de quem tem fome. Não foi muito diferente a isso o encontro de Cristo com a mulher samaritana. Nesta ocasião, Jesus fala de uma água viva com qualidade de saciar a sede de forma perene. Imagine agora uma pessoa que busca água todos os dias, percorre quilômetros para isso, esforça-se tanto em retirar a proteção do poço para ter acesso à água como em coletar água no fundo do poço, carrega peso, manuseia animais para este fim, etc. Jesus usa a expressão água viva em paralelo à sua pessoa (João 4:10-15). O espanto daquela mulher pode ser visto sem demora no versículo 15 onde ela pede desta água, para não ter mais sede e para não precisar mais ir até o poço retirá-la. Em um cenário de escassez de água, quem não queria tê-la de forma perene?
A palavra “pastor” é outra palavra que é utilizada nas Escrituras não ocasionalmente, mas sim com toda uma gama de significados por de trás desta. Vamos a estes significados então: A primeira face é importante que se diga que o pastor/líder não se trata de alguém que simplesmente decide ser pastor, pois o próprio Deus é quem concede estes (Jeremias 3:15). Na atualidade temos uma produção massiva de pastores, os seminários estão abarrotados, os cursos de teologia nunca tiveram tamanha procura, os tempos de formação teológica estão cada vez mais curtos – isso para atender o mais rápido possível a demanda –, e esta procura é bem maior que a oferta. Mas, a pergunta é a seguinte: quantos destes são dados pelo Senhor? Pelas evidencias dos fatos, poucos são dados - realmente - por Deus. De tudo isso surge os pastores “fabricados”!
Os riscos são iminentes quando se tem um pastor “fabricado” e não um dado pelo próprio Deus: ausência da real responsabilidade do ministério, desconhecimento do árduo serviço, descomprometimento com a obra de Deus, descasos, omissões, decisões erradas em demasia, despreparo etc. Os motivos que levam à “fabricação” de um pastor podem ser os mais diversos: falta de competência profissional, falta de oportunidades na vida, opção – lembrando que o pastorado não é opcional, e sim vocacional –, desejo de notoriedade, desejo de fama, posse, poder etc. Logo, podemos entender que os verdadeiros pastores não são homens que simplesmente levantem a mão e dizem: “eu vou ser”! Mas homens que muitas vezes relutam contra o chamado, mas o atendem pelo fato de Deus ter escolhido. Moisés e Jeremias podem muito bem figurar na lista dos pastores ou líderes que Deus concede/doa, e não dos que foram fabricados por exigências de um sistema externo.
A Bíblia opta por classificar como pastores, homens que lideraram o rebanho do povo de Deus, e por que esta expressão, pastor? A maior parte das Escrituras Sagradas, sobretudo o texto veterotestamentário, foi composta no Oriente médio há mais de dois mil anos. Nesta região, neste período, havia uma profissão que era muito comum entre os nativos, a saber, o pastor de ovelhas. Observando até os dias de hoje a atividade do pastor no Oriente Médio, percebe-se algumas característica marcantes desta profissão. Eis algumas:
Proximidade do rebanho – Todo pastor no Oriente Médio mantém uma proximidade com seu rebanho, ele não se afasta em momento algum, a não ser que seja por motivos de segurança das próprias ovelhas, do rebanho em si. Ou seja, se em determinada rota há riscos no percurso, o próprio pastor vai à frente das ovelhas e verifica o caminho. Logo, a única possibilidade que há de um pastor se afastar do rebanho, ocorre no zelo pelas próprias ovelhas. Em alguns casos, onde há na rota do rebanho um precipício, por exemplo, o pastor passa primeiro averiguando todo o caminho e após isso entoa um canto, as ovelhas seguem a voz do pastor e sabem que estão em segurança e fazem o trajeto seguindo a voz do pastor, pois elas confiam na voz de seu pastor. Logo em seguida elas se aproximam novamente de seu pastor, voltam a desfrutar dos benefícios desta relação de proximidade. Este exemplo pode ser visto em larga escala em João 10, onde os cristãos devem ouvir e reconhecer a voz de seu pastor celeste. O pastor precisa estar próximo das ovelhas para as conhecerem, e em muitos casos, os pastores não só conhecem pelos seus respectivos nomes, mas também pelo cheiro. Sabe-se que alguns lobos são travestidos de ovelhas pelos seus donos para que assim possam se infiltrar entre as ovelhas e capturar alguma ovelha inocente de algum rebanho desprotegido por um pastor descuidado. Mas, o pastor conhece o cheiro de suas ovelhas e sabe quando outro cheiro estranho se encontra próximo ao seu rebanho – cheiro de lobo. Seria impossível ter uma relação destas sem ter proximidade do rebanho.
O pastor nunca pastoreia sozinho – No Oriente Médio é mais que comum ver duplas de pastores pastoreando os rebanhos de ovelhas. Sabe-se que ovelha é um animal muito medroso e precisa de cuidados – eis aí o porquê de Deus ter nos classificado como ovelhas e de precisarmos de pastores dados por Ele – somos medrosos e necessitamos de cuidados constantes. A ovelha tem medo de águas agitadas e até mesmo de sua própria imagem na água. Em um dos vídeos de arqueologia do Dr. Rodrigo Silva, ele diz: “ovelha se assusta até com sua imagem na água e com a agitação na água”. E conclui citando o texto de salmos 23: 2: “deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas”. É por este caráter medroso que a ovelha possui que é muito raro ver no Oriente Médio apenas um pastor pastoreando os rebanhos. Geralmente são dois pastores realizando tamanha tarefa. Pois, como a ovelha é um animal medroso e cismado, talvez se o pastor que cuida delas dia a dia adoecer e ele enviar outro pastor estranho às ovelhas para substituí-lo, as ovelhas não se alimentem e nem queiram percorrer nenhuma rota, isso por falta de confiança naquele homem. É por isso que sempre há dois pastores (ou mais) no pastoreio, pois assim as ovelhas não terão problema nenhum de adaptação em caso de ausência de um ou de outro. A confiança é mais que indispensável na relação pastor-ovelha.
O pastor não possui um rebanho numeroso – No Oriente Médio é comum ver pastores com rebanhos pequenos. Pois, nada do que foi dito antes pode ser feito se o rebanho for numeroso em demasia. A relação de proximidade e o trabalhar em parceria, dependem desta última característica. Um rebanho numeroso impedirá que o pastor conheça suas ovelhas com propriedade, impedirá que ele identifique os nomes destas, impedirá que ele conheça o cheiro de um lobo que por ventura esteja no meio do rebanho, impedirá um cuidado maior e mais específico para cada ovelha, etc. Um rebanho numeroso não é característico dos pastores de ovelhas do Oriente Médio, sobretudo nos tempos que a Bíblia foi composta. Um rebanho numeroso implica em limitações das principais atividades pastorais, ou em vários pastores cuidando de um mesmo rebanho, algo que dista dos tempos antigos também.
Todas as ovelhas possuem o mesmo valor – Um fato interessante na atividade do pastor no Oriente Médio, especialmente nos tempos em que a Bíblia fora composta, é justamente a importância igualitária que cada pastor destina às ovelhas de seu rebanho. Nenhuma possui mais importância que outras, são todas iguais. Um bom exemplo bíblico desta verdade é a parábola do bom pastor em Lucas 15:3-7:
“E ele lhes propôs esta parábola, dizendo: Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e vai após a perdida até que venha a achá-la? E achando-a, a põe sobre os seus ombros, jubiloso; E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento”.
Jesus menciona esta parábola com outros fins, pois há uma trilogia de parábolas neste mesmo capítulo e com o mesmo tema. Ou seja, algo que se perdeu e que foi encontrado. Não iremos abordar este aspecto teológico do texto, pois nos desviaríamos de nosso tema principal. O fato é que Jesus usa a metáfora do pastor que perde uma ovelha. E o que é que este pastor faz ao tomar conhecimento da perda? Expõem todas as noventa e nove ovelhas ao mesmo risco daquela que havia se perdido sozinha, o pastor as deixa sem proteção e vai ao encontro da ovelha perdida. Todas são importantes, o mesmo risco que uma está correndo, noventa e nove podem correr também. O pastor do Oriente Médio não faz acepção de suas ovelhas, não destina níveis de importância distintos para cada uma, ele não trata suas ovelhas por conveniência. Pelo contrário, as vê por igual. Estas são apenas algumas características destes profissionais, que além destas, não buscavam notoriedade por meio de suas ovelhas, pelo seu trabalho, além de usarem roupas simples que apontava para humildade inerente aos seus caráteres.
Podemos classificar que estas são características dos bons pastores, aqueles que de fato Deus os deu ao serviço de sua obra, aqueles vocacionados, comprometidos e amantes do que fazem sem interesses próprios. E por que estas características distam tanto das características apresentadas por muitos dos pastores atuais? A resposta é simples: pelo fato dos pastores atuais, em sua grande maioria, não terem sido dados por Deus, eles foram “fabricados”. Perceba que os pastores “fabricados” possuem sentimentos contrários aos que aqui foram expostos como sendo os sentimentos dos pastores do Oriente Médio – destes pastores do Oriente Médio é que o termo pastor aplicado na Bíblia foi extraído. Ou seja, os pastores “fabricados” não prezam por uma proximidade com seu rebanho, não verificam o percurso que as ovelhas estão trilhando, não verificam se tem perigo no caminho, as ovelhas cada vez mais se arrebentam na caminhada e eles nada fazem. Os pastores “fabricados” não são capazes de identificar se tem lobo no meio do rebanho, pois eles não possuem uma relação de proximidade com seus rebanhos, lobo e ovelha para eles são as mesmas coisas – tanto é que muitos pastores se preocupam mais em alimentar os lobos do que suas próprias ovelhas, ou alimentam suas ovelhas sempre com comida de lobo – já diz o velho dito: “comida de lobo ovelha não come, mas comida de ovelha todo lobo come”.
Os pastores “fabricados” possuem um sentimento de megalomania institucional, desejam aparecer cada vez mais. Neste vácuo, os pastores “fabricados” não querem trabalhar em equipe ou dividir responsabilidades, eles pastoreiam sozinhos e excluem quem aparenta ser mais competente que eles no ministério, ao invés de mostrar para o rebanho que se trata de uma parceria em prol do pastoreio. Os pastores “fabricados” cada vez mais querem uma membresia numerosa, um rebanho volumoso. Inclusive isso é o crivo para atestar seu “bom pastoreio”. Não sabem eles que um rebanho muito numeroso é mais fácil para lobos se infiltrarem travestidos de ovelhas, é mais propício para que ovelhas se percam, e se torna mais difícil para tratar e alimentar as ovelhas. Os pastores “fabricados” não chamam suas ovelhas pelos nomes, não as reconhecem pelos trejeitos, cheiro, ou qualquer outra característica que provenha da relação de proximidade. Os pastores “fabricados” não desenvolvem uma relação de confiança com suas ovelhas, a eles isso não preocupa. Se Deus dá e concede pastores, logicamente que Ele dá e concede rebanhos aos pastores que Ele mesmo levantou. Os rebanhos dos pastores “fabricados” não são dados por Deus, os próprios pastores “fabricados” não foram dados por Deus, eles mesmos fabricam seus próprios rebanhos. Eis o porquê de tantas atrocidades e desvios doutrinários no meio “cristão”. Deus não se encontra nestas fabricações.
Aliás, o “deus” adorado nestes ambientes, é fabricado também. Em um rebanho numeroso, ovelhas ficarão sem cuidados básicos em detrimento de outras. Com isso, os pastores fabricados não veem como importantes todas as ovelhas, eles são levianos. Eles medem quem pode lhes dar um retorno em curto prazo, e a estas ovelhas, eles recobram atenção, amor e cuidados. Mas tudo que eles enxergam é com as lentes do interesse próprio. Nada mais! Afinal, precisamos distinguir com zelo acurado os pastores dados por Deus e os pastores que foram “fabricados”, pois você pode estar fazendo parte e alimentando esta perigosa indústria.
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