Por Mark Dever
Ora, por que escrevemos
sobre “Música”? Por que não usamos uma terminologia mais santificada e o
chamamos de “adoração”? Afinal de contas, é comum hoje falarmos em música,
cânticos e adoração como palavras intercambiáveis. Primeiramente, adoramos.
Depois, ouvimos o sermão.
Queremos desafiar essa
suposição. A música no contexto do ajuntamento da igreja é somente um
subconjunto da adoração corporativa. Ouvir a pregação da Palavra de Deus é uma
das maneiras mais importantes de adorarmos juntos a Deus. De fato, é a única
maneira pela qual podemos aprender como adorá-Lo de modo aceitável. Orar a
Palavra de Deus, ouvi-la em público e vê-la nas ordenanças também são aspectos
importantes da adoração. Contudo, falando de modo mais amplo, a adoração é uma
vida completamente orientada no sentido de envolver-se com Deus, nos termos que
Ele propõe e das maneiras que Ele provê. Nosso culto racional, a adoração
exposta no Novo Testamento, consiste em oferecer a Deus todo o nosso ser como
sacrifício vivo, santo e agradável a Ele (Rm 12.1-2; cf. também 1Co 10.31; Cl
3.17). Portanto, a música é um subconjunto da adoração que envolve toda a nossa
vida.
Esta reflexão nos lembra
que nossa audiência, na adoração corporativa, não são as pessoas. A adoração
corporativa não consiste em agradar as pessoas, quer a nós mesmos, quer a
congregação, quer os incrédulos interessados. A adoração no ajuntamento
coletivo é uma renovação de nossa aliança com Deus, por nos encontrarmos e nos
relacionarmos com Ele nos termos que Ele prescreveu. Fazemos isso de modo
específico ao ouvirmos a sua Palavra e atentarmos a ela, confessando nossa
pecaminosidade e dependência dEle, agradecendo-Lhe por sua bondade para
conosco, apresentando-Lhe nossos pedidos, confessando a sua verdade e
erguendo-Lhe nossa voz e instrumentos em resposta e de acordo com a maneira
como Ele se revela em sua Palavra.
Com esse pano de fundo,
eis algumas sugestões práticas que podem nos ajudar a glorificar a Deus e
edificar uns aos outros no que concerne à música na adoração corporativa.
O
canto congregacional
Cantar o evangelho juntos,
como uma igreja integrada, forja a unidade em torno da doutrina e prática
distintivamente cristãs. Nossas canções congregacionais funcionam como credos
devocionais. Elas nos dão linguagem e oportunidade de encorajar uns aos outros
na Palavra e convocar uns aos outros a louvar nosso único Salvador. Uma das
funções mais importantes do canto congregacional é que ele ressalta a natureza
corporativa da igreja e do ministério mútuo que nos edifica na unidade. Uma das
razões por que nos reunimos todas as semanas é nos recordarmos que não estamos
sozinhos em nossa confissão de Jesus Cristo e nossa convicção das verdades
espirituais que sustentamos com tanta apreciação.
Que bênção é ouvir todos
os membros da igreja cantando juntos, com todo o seu coração. Quando ouvimos os
outros cantando as mesmas palavras, todos juntos, tanto há uma melodia comum
como uma harmonia diversa que expressa a unidade e a diversidade do corpo da
igreja local, de um modo que nos estimula a prosseguirmos juntos. Em nossa
cultura excessivamente egoísta, o canto congregacional é um dos meios mais
visíveis que estimulam uma ênfase especificamente corporativa em nossa adoração
e vida como igreja local.
Outra função importante do
canto congregacional é que ele ressalta a natureza participativa da adoração
por meio da música. De um modo geral, a adoração é algo que não podemos fazer
como espectadores. Romanos 12.1-2 retrata a adoração como algo ativo. Também é
interessante observar que não temos nenhum exemplo de coros de igreja no Novo
Testamento — a Bíblia nunca apresenta os crentes do Novo Testamento realizando
uma adoração musical em que alguns crentes representavam os demais, por meio do
canto realizado por uma pessoa ou um grupo. Pelo contrário, a adoração por meio
da música é participativa — toda a igreja participa corporativamente da
adoração a Deus, com um só coração e voz.
A Bíblia certamente nos
convida a ouvir a Palavra de Deus e a responder-lhe. Mas esse tipo de ouvir é
uma resposta específica a um método de comunicação ordenado por Deus — a
pregação. No que diz respeito à adoração na forma de música, a Bíblia nos
mostra os crentes se envolvendo, eles mesmos, em adoração — todos juntos. Isto
não significa que solos e músicas especiais são necessariamente errados. Também
não estamos negando que solos e músicas especiais podem comover espiritualmente
aqueles que os ouvem. A questão é que tipo de adoração musical corporativa é
apresentada como modelo no Novo Testamento e o que afirmamos sobre a adoração
musical coletiva, se muitas de nossas canções são tocadas e cantadas por
poucos, e não são todos que participam delas.
Uma dieta regular de
apresentações de solistas e coros pode até causar o efeito involuntário de
prejudicar a natureza participativa e corporativa de nossa música. As pessoas
podem vir, gradualmente, a pensar na adoração em termos de observação passiva;
e esse não é um modelo apresentado no Novo Testamento. Essa dieta pode também
começar a obscurecer a linha de separação entre adoração e entretenimento,
especialmente numa cultura encharcada por televisão como a nossa, na qual uma
das mais insidiosas expectativas é ser entretido. É claro que esse
obscurecimento não é algo proposital. Mas, no decorrer do tempo, o separar os
“músicos, solistas ou coristas” do restante da congregação pode mudar
sutilmente o foco de nossa atenção, de Deus para os músicos e seus talentos. E
essa mudança é revelada por meio do aplaudir no final de uma apresentação. Quem
é o beneficiário dos aplausos?
Se o que fazemos aos
domingos de manhã é o culto público, então faz todo sentido que devemos ter
preferência deliberada pelo canto congregacional — o canto que envolve a
participação ativa de toda a congregação.
Quando cantamos juntos
louvores a Deus, estamos reconhecendo a natureza corporativa da vida
confessional da igreja. Ou seja, estamos afirmando corporativamente que
confessamos a doutrina cristã e experimentamos a vida cristã junto com a nossa
comunidade da aliança. Portanto, o canto congregacional é aplicável tanto ao
aspecto corporativo como ao participativo de nossa adoração coletiva regular.
Ele nos mantém afastados da armadilha do entretenimento por envolver todo os
cristãos no louvor ativo a Deus, respondendo vocalmente à sua bondade e graça,
com louvor e ação de graças audíveis.
Bem, agora que sugerimos o
canto congregacional como uma implicação da adoração corporativa na forma de
música, seria proveitoso recordar três diretrizes para o canto congregacional.
Público,
e não privativo
Muitos líderes de louvor
encorajam os membros (por palavras ou por atos) a fecharem os olhos em busca de
uma intimidade emocional com Deus, no contexto da reunião corporativa. Ora,
ninguém que tenha bom senso argumentaria que fechar os olhos durante a adoração
corporativa é errado. E muitos fecham os olhos durante a adoração corporativa
apenas para assimilar mais plenamente o som da canção. Mas estamos errados ao
encorajar as pessoas a pensarem na adoração corporativa em termos de nos
fecharmos para o restante da igreja e desfrutarmos de uma experiência emocional
privativa com Deus.
Participei de um culto em
que o líder de louvor começou a chorar de modo incontrolável na plataforma,
depois de liderar uma canção. Isso foi um exemplo saudável de quebrantamento?
Talvez. Não tenho dúvida de que ele tencionava que fosse. Não estamos
questionando a pureza de seu coração, e sim a sabedoria de seu comportamento
público. Por meio de seu exemplo, ele estava ensinando às pessoas que a
experiência emocional privativa, embora realizada em frente de toda a igreja, é
a expressão final da adoração (corporativa). Isso não é verdade, de modo
nenhum!
O canto congregacional é
uma expressão de unidade e harmonia da congregação reunida. Tornar privativa a
adoração corporativa destrói este o propósito desta e confunde a verdadeira
adoração com a emoção particular. A reunião de adoração coletiva é pública;
devemos experimentá-la cientes de que somos um corpo. Muito do poder de
edificação do canto congregacional procede realmente de desfrutarmos a presença
de nossos irmãos adoradores. Se isso não fosse verdade, por que outra razão nos
ajuntaríamos? Logo, é melhor não tornarmos privativo aquilo que Deus determinou
que seria público.
Deve
ser teologicamente rico
Em sua Palavra, Deus nos
deu tantas coisas sobre as quais devemos nos sentir encorajados! Devemos usar o
rico estoque das Escrituras para nos dar boas palavras para falarmos em nosso
louvor a Deus, para recordar-nos as perfeições de seu caráter e a suficiência
da obra de Cristo. Queremos cantar canções que elevem nosso ponto vista sobre
Deus, que O apresentem em toda a sua graça e glória. Queremos entoar canções
repletas de teologia que nos façam pensar sobre as profundezas do caráter de
Deus, as nuanças de sua graça e as implicações de seu evangelho; que nos
ensinam a doutrina bíblica que salva e transforma. No aspecto negativo,
queremos evitar canções que nos estimulam a pensar sobre a nossa própria
experiência emocional subjetiva, mais do que sobre as verdades objetivas do
caráter de Deus e as implicações da cruz. Também queremos evitar repetições
desnecessárias de frases proferidas à semelhança de mantras, como se o procurar
um ápice emocional fosse a mais pura forma de adoração.Observe a seguinte letra:
Quem
é Este, na manjedoura,
A
cujos pés os pastores caem?
Quem
é Este, em profunda aflição,
Está
jejuando no deserto?
É
o Senhor! Maravilhosa história!
É
o Senhor! O Rei da glória!
Humildes,
a seus pés nos curvamos,
Corai-O!
Coroai-O, Senhor de todos!
Quem
é Este que pessoas bendizem
Por
suas palavras de amabilidade?
Quem
é Este ao qual são trazidos
Todos
os enfermos e entristecidos?
Quem
é Este que está de pé e chora
Ante
o sepulcro onde Lázaro dorme?
Quem
é Este que a multidão reunida
Saúda
com canto vibrante e triunfal?
Oh!
À meia-noite, quem é Este
Que
ora no escuro Getsêmani?
Quem
é Este que naquela cruz
Morre
em aflição e agonia?
Quem
é Este que do sepulcro
Vem
para curar, ajudar e salvar?
Quem
é Este que de seu trono
Governa
sozinho todo o mundo?
Este hino inclui
referência somente a uma Pessoa. Mas, no coro há uma referência ao plural (nos
curvamos); e isso diz respeito a nossa adoração a Deus, reconhecendo o seu
caráter como Rei. Todo o hino se centraliza em Deus, na pessoa de Cristo. E
deve ser observado o senso de movimento e progresso — a letra nos leva da
manjedoura ao trono de Cristo. É uma história musical e meditativa sobre a vida
de Cristo, uma história que nos inspira a adorá-Lo como Ele é apresentado na Bíblia.
E a música é meditativa, complementando a natureza reverente da letra. Esses
são os sinais característicos de boas canções de adoração, sejam hinos, sejam
cânticos: exatidão bíblica, centralidade em Deus, progressão histórica e/ou
teológica, ausência de pronomes na primeira pessoa do singular e música que
complementa o tom da letra.
Deve
ser espiritualmente encorajador
O resultado da riqueza
teológica sempre será exatidão crescente na adoração a Deus, conforme Ele
realmente é; essa exatidão, por sua vez, resultará em contínuo encorajamento
espiritual para nós. Nossa esperança está no caráter de Deus e na verdade de
seu evangelho! Na adoração musical corporativa, somos chamados a ensinar uns
aos outros a louvar a Deus por seu glorioso caráter e suas obras. Estamos
expressando de modo audível a unidade e a harmonia da igreja, bem como a
natureza corporativa da vida cristã confessional. Estamos encorajando uns aos
outros, por meio do vigor de nossa voz, afirmando que não estamos sozinhos em
nossa confissão e que todos os outros que cantam estão afirmando a verdade e a
importância das palavras cantadas. Quanto mais pessoas houver, melhor será!
Esse tipo de canto congregacional é um encorajamento para a nossa alma,
recordando-nos a comunhão e a unidade nas verdades que cantamos. O que
desejamos estimular nos outros é uma prioridade e uma ênfase concernentes ao
canto congregacional, tanto em unidade como em harmonia, de modo que Deus seja
honrado por nossa participação ativa e corporativa na adoração musical, e nós
ouçamos uns aos outros, e sejamos edificados.
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Traduzido por: Wellington
Ferreira
Retirado do livro:
Deliberdamente Igreja –1ª Edição, Cap. 12 – São José dos Campos, SP. Editora
Fiel, 2009.
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