Por Thomas Magnum
Na sociedade de consumo, vivemos num
contexto religioso que é pluriforme, que vai de cultos as imagens de
escultura, adoração de artistas, passando por ideologias filosóficas,
políticas e religiosas que entronizam vários tipos de deuses e tornam seus adoradores
semelhantes a eles mesmos, como diz Paulo: “o ídolo nada é no mundo” (1Co
8.4).
A história mitológica de Narciso nos
fala muito sobre isso, um amor por si mesmo a ponto de acreditar que não havia
ninguém digno de receber esse amor nem capaz de amar de forma ideal. Somente o
amor a si, seria a possibilidade da felicidade plena e a materialização da
satisfação do eu. Um “jardim” fechado em espiral que nutre uma ilusão ególatra
e sem percepção da quantidade de ervas daninhas que proporciona invasora
destruição de uma realidade que só existe na cabeça do Narciso.
Existe até um esforço da ciência da
mente para colocar o narcisismo em um lindo pedestal com flores esculpidas em
bronze sobre um balcão de mármore. O narcisismo tem sido “índole” de filosofias
sociais, religiosas e políticas no Brasil e no mundo. Sobre esse apadrinhamento
psicológico o filósofo Luiz Felipe Pondé disse em sua coluna da Folha de S.
Paulo:
Existem até psicoterapeutas e
psicanalistas que começam a abraçar a causa da cultura do narcisismo afirmando
que narcisistas são melhor adaptados ao mundo contemporâneo porque não sofrem
dos sofrimentos imaginários dos neuróticos que idealizam o amor. O mercado do narcisismo, além de investir em
apartamentos singles com um parque de diversão na área social, vende,
basicamente, estilos de vida e modas de comportamentos. Essas modas se
concentram no cotidiano. Alimentação, lazer, trabalhos sem muito vínculo,
relacionamentos solúveis na busca de autoestima. A simples ideia de que
narcisistas resolvem melhor a vida já demonstra a raiz da hipótese: a solução
para a insolúvel vida afetiva é não ter muitos afetos afora aqueles que são
autorreferenciais. Todo mundo muito bonitinho na fita, se roendo por dentro,
mas vendendo a pose de que é uma geração de evoluídos.[i]
É de admirar, ou melhor, estarrecer
qualquer mortal, dotado de bom senso, como a publicidade e propaganda tem
controlado a vida das pessoas e como tal desserviço é comprado por “bom preço”.
O apelo narcísico é propagado pelos quatro cantos da civilização ocidental de
forma virtuosa e até digna de orgulho. Bom, de fato, o orgulho é atributo
insofismável do vírus narcísico. Essa questão aflora de forma muito
interessante também em contextos muito curiosos, poderíamos citar vários, mas,
vamos falar do contexto cristão.
A religião tem sido alvo do mercado de
forma acalorada, afinal, o povo crente também consome e consome muito. A
modinha dos cantores do gospel no Brasil agora é serem garotos propaganda de
suas grifes, tivemos uma forte indústria fonográfica desde a década de noventa,
encabeçada pela Igreja Renascer, que agora tem tido uma queda de mercado
considerável por conta da internet. Mas o mercado muda e as estratégias das
bugigangas evangélicas também mudam. Cantores como Thalles Roberto, Ana Paula
Valadão, André Valadão e Mariana Valadão tem sido garotos propaganda desse eixo
de mercado brasileiro, com bonecos, camisetas, Cds, DVDs e tudo que for
possível vender pra ganhar dinheiro com o “dote da fé”.
Claro que também não poderíamos
esquecer de citar o pastor super herói Lucinho Barreto. Entre o pastor
Chapolin e a bagunça que é esse mundo gospel, vale um alerta aos jovens que
muitas vezes sinceros e em busca de entretenimento sadio acabam entrando nessa
barca furada que é o movimento gospel brasileiro. Que tem sido o doutrinador de
uma geração analfabeta de Bíblia e do cristianismo histórico, que
só busca experiências extraordinárias e marchas para Jesus e coisas que lhes
proporcione algo etéreo. É aí que está Narciso, é aí que Narciso se diverte, é
aí que Narciso se deleita e enaltece o deus, o ídolo. Nos diz a Santa Palavra:
Não terás outros deuses diante de mim. Êxodo 20.3
Já vi, ouvi e li muitas críticas
dirigidas ao gospel, críticas que denunciam a idolatria do público evangélico:
ao artista, banda ou grupo, ou seja lá o que for. Bem, o que podemos constatar
como fato em toda essa avalanche de esteticidade gospelizada engendrada em uma
moçada que tem seguido num processo de emburrecimento e idiotização crônica
(perdoe a acidez), é que não é somente um tipo de adoração ao cantor, artista
ou banda, mas, uma busca por sensações que lhe tragam alguma experiência
religiosa consigo mesmo, e eleve o próprio sentido do eu a um estágio de
satisfação etérea consigo. Uma experiência que tem como telos um
salto no que traz sensações de entorpecimento religioso. O embuste recheado
como um rocambole é mais fácil de achar do que pão doce em balcão de padaria.
O cristianismo Bíblico não nos convida
a um salto irracional, mas, ao aprendizado da fé, nos chama ao conhecimento de
Deus. Nos exorta ao exame (Jo 5.39), nos convoca a leitura (Is 34.16), nos
atrai a meditação que preenche e que não esvazia (Sl 1.1-3; Js 1.8). O mercado
da fé tem colocado em promoção valores inegociáveis do cristianismo, ou melhor,
não há nada negociável no cristianismo. Cristo nos convida a uma negação, a
mortificação (Lc 9.23; Cl 3.5). Cristo ou Narciso? Narciso é ídolo, é nada, é
profanação do sagrado. É cegueira, é falsa percepção da realidade, é miragem
enganosa. Cristo é real, seu evangelho é o poder de Deus para a Salvação, sua
vida nos comunica luz, ressurreição, satisfação em Deus, alegria eterna.
Narciso nos desorienta, entorpece, enegrece o caminho.
Fujamos do Narciso (Gl 5.19-21).
Corramos para o caráter puro de Cristo (Gl 5.22-24).
[i] - O Mercado do Narcisismo, 05.01.2015. Folha
de São Paulo -
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2015/01/1570503-o-mercado-do-narcisismo.shtml
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