Por Thiago Oliveira
1. Para
Início de Conversa
Esse é o tipo de texto que
me deixa feliz ao escrever, pois tratarei de campos do saber que muito me
agradam discutir e que fazem parte da minha formação acadêmica. Com graduação
em História e especializado em Ciência Política, conheço e estudei o marxismo
sob a ótica de diversos teóricos favoráveis e contrários às ideias difundidas
por Karl Marx - esta figura controversa. Sou da opinião de que algo da sua
leitura acerca das relações entre empresários e trabalhadores (no contexto da
Revolução Industrial) não pode ser totalmente desprezada, no entanto, creio que
sua desgraça foi reduzir todo o fluxo da História apenas à questão econômica.
Também acredito que ele não conseguiu escapar de algo que tanto atacou: a
ideologia. O mais irônico é ter as suas ideias utilizadas como uma religião. A
tragédia marxiana foi denunciar o ópio da religiosidade e acabar vendo seus
seguidores produzindo uma droga sintética chamada marxismo-leninismo[1].
Como veneno não cura
veneno, onde quer que o marxismo-leninismo
tenha se instaurado como regime, deixou um rastro de miséria que faz com que os
países do leste europeu - que integraram a antiga União Soviética - recebam de
muito bom grado as ideias vindas da boca do diabo, mas rechacem todo e qualquer
pressuposto que tenha sua raiz no pensamento de Marx. Isto porque em nome do
ideal comunista, que envolvem a ditadura do proletariado e a luta de classes,
as atrocidades cometidas pelos líderes “revolucionários” se equiparam a de
nomes execráveis como Hitler e Bin Laden. O governo de Stalin, por exemplo, foi
um dos mais mortais, superando e muito o número elevado de mortes produzido
pelo nazismo. Esta mórbida associação entre stalinismo e nazismo é esmiuçada
pela filósofa e teórica política Hannah Arendt:
O
único homem pelo qual Hitler sentia “respeito incondicional” era “Stalin, o
gênio”, e, embora no caso de Stalin e do regime soviético não possamos dispor
(e provavelmente nunca venhamos a ter) a riqueza de documentos que encontramos
na Alemanha nazista, sabemos, desde o discurso de Khrushchev perante o Vigésimo
Congresso do Partido Comunista, que também Stalin só confiava num homem, e que
esse homem era Hitler[2].
Aos que pensam que o
totalitarismo foi coisa de Stalin apenas, pesquisem sobre as denúncias de
Alexander Solzhenitsyn sobre o governo autocrático de Lenin e vejam a absurda e
atual falta de liberdade interna na China e na Coréia do Norte. Como disse
Schaeffer, a repressão “é uma parte integrada ao sistema comunista”[3].
Logo, o remédio que o marxismo se dispôs aplicar para curar a enfermidade da
sociedade é tão desastroso, que é preferível permanecer doente. Esta é a lógica
do paciente quando sabe que as contraindicações medicamentosas são bem piores
do que os sintomas da doença.
2. Porque Marxismo e não
Socialismo?
Considero que seja bom
explicar a adoção do termo marxismo ao invés de falar socialismo (ou
comunismo). Faço isso pelo fato do conceito de socialismo ser usado de uma
forma tão variada que supera os postulados marxianos. Alguns socialistas, como
Crosland, não enxergam o socialismo como sendo um poder antagônico ao
capitalismo, mas sim uma forma de aprimorar as condições de trabalho e melhorar
a vida dos trabalhadores, mesmo dentro do sistema capitalista. Acaso não é
assim que são geridas as sociais-democracias europeias? O sociólogo P. Jaccard
afirma em sua obra Histoire sociale du
travail que em matéria social, tudo que foi realizado no mundo de língua
inglesa, na Suíça, nos Países Baixos, na Escandinávia e na Alemanha, deve-se ao
pensamento cristão com pressupostos bíblicos. Corrobora com isso a fala do
primeiro-ministro britânico Clement Attle, sucessor de Churchill, que certa
feita afirmou ser a Bíblia, e não os escritos de Marx, a base do socialismo
britânico. Este socialismo do qual Attle se refere é aquele que após a II
Guerra, com o continente europeu arrasado economicamente, introduziu o Estado
do bem-estar social com uma economia mista, algo pensado por conservadores e
liberais para evitar a influência do marxismo-leninismo.
Para que se tenha a noção
da abrangência do termo socialismo, este foi incorporado ao partido nazista
alemão. O nome não abreviado do partido liderado por Hitler era Partido
Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. E, embora seja verdade que
pressupostos marxistas estejam presentes no programa de governo do partido
alemão, a classificação mais correta da ideologia por detrás do regime
hitlerista seria o nacionalismo e não o marxismo. Por isso então decidi
utilizar marxismo ao invés de socialismo, contudo faço uma ressalva: todos os
partidos intitulados de esquerda no Brasil são marxistas. Na maioria de suas
sedes é possível ver os retratos de Marx e Lenin pendurados na parede (faça uma
visita e confirme)[4].
Mediante o que foi dito
acima, toda crítica feita ao marxismo pode ser entendida como uma crítica à
ideologia dos partidos que compõem a esquerda brasileira e que possuem os
termos socialista ou comunista em seus nomes. Os apontamentos feitos serão
teóricos, mas como toda teoria redunda na prática, caberá ao leitor fazer a
devida análise do que aqui será denunciado como anticristão e comparar com as
bandeiras levantadas pelos esquerdistas.
3. O Marxismo como uma
Religião Herética
Como dito no começo do
texto, o marxismo tem características de religião. Uma religião secularizada -
é bem verdade - pois tem sua base no materialismo. Marx era estudioso e
admirador do materialismo de Epicuro[5].
Este filósofo grego acreditava que o mundo era composto de átomos que do vazio
(espaço) se movem verticalmente para baixo. É o desvio do movimento dos átomos
que dá origem as coisas. O homem, fruto desse desvio, é um combinado de átomos
pesados e leves, que formam respectivamente o corpo e a alma. Os epicuristas
entendiam que a alma é mortal e não eterna, uma vez que todo composto atômico é
dissolúvel.
Epicuro rejeitava a ideia
da eternidade dos corpos celestes, e pretendia livrar os homens das amarras da
superstição religiosa. Embora não seja um determinismo, pois o desvio dos
átomos aponta para uma gama de possibilidades não determinadas, o atomismo
epicureu mantém as suas bases mecanicistas, sendo o homem e toda realidade
material fruto da casualidade do movimento atômico. O jovem Marx manteve essa
base ontológica para fundamentar o seu materialismo histórico. André Bieler
esclarece assim o conceito materialista marxiano: “[...] conforme as suas
concepções, é o material que precede e determina o espiritual, e não o
contrário, como o ensina a ética cristã”.[6]
Se nós somos cristãos e
temos os nossos pressupostos baseados na Escritura, logo, não podemos abraçar
uma doutrina concorrente ao cristianismo. Ainda mais quando esta corrente
enxerga a religião, ou melhor, a metafísica como sendo um produto da opressão,
uma vez que os oprimidos a inventaram como um entorpecente que alivia a dor
(ópio). A doutrina cristã não foi fabricada. Ela é a revelação de Deus por meio
do seu Filho, trazendo boas novas de salvação. Não que ela negue que existam
opressores e oprimidos, essa realidade existe e se lermos os profetas, os
evangelhos e as cartas apostólicas, veremos que Deus está sempre do lado dos
pobres quando os ricos não agem corretamente e tolhem a justiça, devido a sua
ganância[7].
Mas isto é muito diferente do que almeja o marxismo.
Marx, junto com Engels,
criou uma soteriologia ao anunciar o fim da opressão quando o proletariado se
rebelar contra a burguesia e tomar o poder político e econômico, controlando os
modos de produção e a máquina estatal. É um enredo religioso-escatológico, pois
a sociedade sem classes e sem miséria certamente chegaria (Marx tinha esperanças
de ver isso ainda no séc. 19). A certeza deste mundo idílico é fruto de sua
tese na luta de classes. Segundo Marx e Engels, toda a história se resume no
conflito entre opressores e oprimidos, sendo que este segundo grupo, cansado da
exploração acaba fazendo a revolução e subvertendo a ordem vigente. Logo, o
governo do proletariado iria dar um basta no capitalismo burguês. O que os
marxistas não esperavam é que o capitalismo aliado à democracia cativava mais
os trabalhadores do que o ideal revolucionário.
Daí entendemos o porquê do
Cristianismo sempre ser perseguido nos regimes marxistas. Primeiro: Para o
cristão, as desigualdades e injustiças econômicas são fruto do pecado e o único
capaz de curar esse mal é Jesus Cristo. Mas a promessa de um mundo sem dor e
sem lágrimas está no porvir (Ap 21.4). Ora, isso frustra os marxistas que
pregam o Reino dos Céus na terra, algo que não funcionará enquanto o pecado
dominar o coração humano. Tanto as sugestões marxianas como as de qualquer
outra ideologia que busque o fim da pobreza não serão bem-sucedidas neste mundo
corrompido. Podemos ter uma agenda política que pregue uma melhor distribuição
da riqueza nacional, ou o Estado do bem-estar social. Podemos criar programas
de microcrédito e de transferência de renda. Podemos ver o incentivo estatal e
privado na educação profissionalizante. Seja qual for, como observa Aaron Armstrong, “[...] essas soluções
estão tratando os sintomas, não a causa; estão podando os galhos, não
desenterrando a raiz. A questão principal por trás da pobreza é o pecado”[8].
Algumas dessas ideias podem até minorar muitos males, mas não acabarão
definitivamente com a injustiça e opressão existentes na sociedade.
Segundo: Muitos marxistas colocaram a culpa do fracasso do prognóstico de Marx e Engels[9] nos fundamentos do Cristianismo. Para eles, não é conveniente concorrer com o messianismo cristão. Por isso que homens como Gramsci chegaram a afirmar que o melhor para se chegar ao comunismo (o reino escatológico marxista), necessário seria descristianizar a sociedade. A nova faceta do marxismo foi se infiltrar na cultura e na Academia, desconstruindo os valores e instituições tradicionais da burguesia, das quais se encontram não só o capitalismo, mas a família e a fé cristã[10]. Por isso que o relativismo moral está tão presente na fala e nas atitudes dos defensores do marxismo-leninismo. Se o Cristianismo é firmado em absolutos morais (os mandamentos), uma forma de lutar contra ele é relativizando os conceitos de certo e errado.
Chegamos à clara oposição
do método de pensamento cristão e o marxista. O primeiro é antitético e o
segundo, dialético[11].
A antítese funciona da seguinte
maneira: Se A é verdadeiro, logo A não pode ser falso. Tendo duas alternativas,
poderíamos ilustrar assim: A e B, se A é verdadeiro, logo B é falso. Já a
síntese vai dizer que a verdade é parcial tanto em A quanto em B, desembocando
numa terceira via: C. Não foram poucos os cristãos que caíram nessa rede e até
buscaram sintetizar o Evangelho com os pressupostos marxianos, gerando assim
uma heresia que tem dominado muitos círculos teológicos[12].
O
“canto da seria” que encanta muitos cristãos que se afogaram em mares marxistas
é o discurso da dignidade humana. Ora, este discurso coaduna com o que diz a
Bíblia. No entanto, Marx tomou emprestado este conceito do cristianismo para
engendrar um programa político que atingisse o seu objetivo escatológico. Mas
como falar em dignidade humana se não há absolutos morais? Uma ideologia que
desconsidera Deus, que assume uma ética relativista e fundamenta-se no
materialismo não irá promover uma sociedade mais justa. Pelo contrário! A
História serve como testemunha, ou será que precisam surgir outros Stalin’s ou
Mao’s para que de uma vez por todas as pessoas enxerguem a face do mal e o
abomine?
4. Para Encerrar o Assunto
Creio
que mais nítido do que isto não poderia escrever. O marxismo é, como diria
Schaeffer, uma heresia cristã; e como tal não pode ser abraçada por quem ama o
Evangelho e se pauta no princípio do Sola
Scriptura. Na verdade, toda a ideologia acaba sendo idólatra, pois tem o
humanismo por fundamento e deifica algum elemento da criação, depositando nele
a salvação. Koyzis salienta:
Assim, cada uma das ideologias tem base
numa soteriologia específica, isto é, numa teoria elaborada que promete aos
seres humanos o livramento de algum mal fundamental visto como a fonte de uma
ampla gama de problemas humanos, entre os quais a tirania, a opressão, a
anarquia, a pobreza e assim por diante.[13]
Logo,
nenhum cristão deve se identificar com ideologia X ou Y e a ela jurar lealdade.
Recentemente vi alguém dizer numa rede social que o capitalismo é de Deus.
Claro que não! O liberalismo do início da Revolução Industrial produziu muitas
injustiças e feriu a dignidade humana em muitos aspectos. Mas Deus sempre
levanta seus profetas para denunciar aquilo que está em desacordo com seus
princípios e levanta homens dispostos para trabalhar no socorro dos
necessitados. Os irmãos Wesley, apenas para citar um exemplo, fizeram um belo
trabalho com os proletários em Londres. Há diversas demandas do capitalismo
(liberalismo) que ferem a ordem da criação[14],
dando ao homem uma autonomia que ele nunca possuiu.
Sei
que muitos de meus irmãos em Cristo que flertam com as ideias marxianas, fazem
isso por ingenuidade ou idealismo - o caso dos mais jovens. Tal inocência é
resultado da omissão da Igreja em falar sobre política e se posicionar. Uma
visão pietista fez o cristianismo recuar na esfera pública e o marxismo-cultural
foi ganhando o espaço que encontrou vazio. Quando nossos jovens vão para as
universidades, os professores marxistas fazem de tudo para convertê-los a sua
cosmovisão. Não são neutros. Logo, a Igreja deveria abandonar a postura da
neutralidade e denunciar a inconsistência desta religião idólatra concorrente da
Fé Cristã. Oremos para que Deus erga homens corajosos e capacitados para
ensinar e fazer política, firmados no crivo bíblico, dando glórias ao SENHOR.
[1]
Lenin foi o responsável por
fazer uma releitura de Marx e Engels, aplicada ao contexto da Revolução Russa
de 1917.
[2] As
Origens do Totalitarismo. Companhia de Bolso. Tradução: Roberto Raposo.
[3]
Como Viveremos?
Cultura Cristã. Tradução: Gabriele Greggersen.
[4] Embora existam os partidos que se
definam como trotskistas (PSOL, PSTU e PCO), estes se dizem os verdadeiros
representantes do marxismo-leninismo. Trotsky
nunca se opôs a Lenin.
[5] Sua tese de doutorado foi A
diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro, ficando
clara a sua afinidade com o pensamento epicurista.
[6] A força Oculta dos Protestantes. Cultura Cristã. Tradução: Paulo Manoel Protasio.
[7] Dt. 15.7 ss, 24.17, Is 10. 1-4, Ez 16.
49, Am 5.25, Mc 6.12, Zc 7.10, Mt 11.5,
Lc 16.19-31, e Tg 5.1-4.
[8] O Fim da Pobreza.
Vida Nova. Tradução: Flávia Lopes.
[9] O grande equívoco marxiano foi reduzir
o complexo dos fenômenos humanos no fundamento econômico da luta de classes,
como se tudo fosse determinado apenas pela produção.
[11] Embora Marx tenha rompido com o
idealismo hegeliano, manteve o seu método dialético e o aplicou ao
materialismo. Por isso que o materialismo histórico também é conhecido como
materialismo dialético.
[12] No passado tivemos o evangelho social
de Walter Rauschenbusch, com viés materialista. Hoje, existe o
marxismo-católico que é a Teologia da Libertação e uma fatia da Missão Integral
tem abraçado as ideias de Marx e produzido uma teologia sintetizada.
[13] Visões e Ilusões Políticas. Vida Nova. Tradução: Lucas G. Freire.
[14] Princípio que afirma que todas as
instituições humanas obedecem à ordem da criação e o mandato cultural que Deus
deu a Adão, p. ex. família e Estado. As ideologias humanistas distorcem esta
ordem e afirmam que o homem em sua liberdade criou estas instituições no
decorrer da história. Damos a isso o nome de historicismo.
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