Por Gordon Clark
Não somente o livre arbítrio é incapaz
de livrar Deus da culpabilidade, e a permissão é incapaz de coexistir com a
onipotência, mas o posicionamento arminiano também não consegue firmar uma
posição lógica para a onisciência. Uma ilustração romantista-arminiana é a do
observador posicionado num penhasco. Na estrada abaixo, à esquerda do
observador, um carro dirige-se para o oeste. À direita do observador, um carro
vindo do sul. Ele pode ver e saber que haverá uma colisão no cruzamento logo
abaixo dele, mas a sua presciência, segundo reza o argumento, não causa o
acidente. Deus, semelhantemente supõe-se, tem conhecimento do futuro sem,
entretanto, causá-lo.
Tal semelhança, porém, é enganosa em
vários pontos. O observador humano não pode saber realmente se a colisão
ocorrerá. Embora seja improvável, é possível que ambos os carros estourem os
pneus antes de chegarem ao cruzamento e se desviem. Também é possível que o
observador tenha calculado mal as velocidades, e um carro poderia desacelerar e
o outro acelerar, de modo a não colidirem. O observador humano, portanto, não
tem presciência infalível.
Nenhum desses erros pode ser assumido
para Deus. O observador humano pode imaginar a possibilidade de ocorrência do
acidente, e tal imaginação não torna o acidente inevitável; mas se Deus sabe,
não há a possibilidade de evitar o acidente. Cem anos antes que os motoristas
nascessem, não havia a possibilidade de evitar. Não haveria a possibilidade de
um dos dois decidir e ficar em casa nesse dia, tomar uma rota diferente,
dirigir numa velocidade diferente. Eles não poderiam tomar decisões diferentes
das que tomaram. Isso significa que eles não tinham livre arbítrio ou que Deus
não sabia.
Suponha-se, só por um instante, que a
presciência divina, assim como as predições humanas, não cause o evento
conhecido de antemão. Ainda assim, se existe a presciência, em contraste com a
predição falível, o livre arbítrio é impossível. Se o homem tem livre arbítrio
e as coisas podem ser diferentes, Deus não pode ser onisciente. Alguns
arminianos têm admitido isso e negado a onisciência, mas isso, obviamente,
antagoniza-os com o cristianismo bíblico. Há também outra dificuldade. Se o
arminiano ou o romantista pretende preservar a onisciência divina e ao mesmo
tempo alegar que a presciência não tem eficácia causal, ele deve explicar como
a colisão foi assegurada cem anos antes, na eternidade, antes que os motoristas
tivessem nascido. Se Deus não organizou o universo dessa maneira, quem o
organizou?
Se Deus não o organizou dessa forma,
então deve existir um fator independente no universo. E se houver tal, decorrem
uma ou duas consequências. Primeira, a doutrina da criação deve ser abandonada.
Uma criação ex nihilo estaria completamente no controle de
Deus. Forças independentes não podem ser forças criadas, e forças criadas não
podem ser independentes. Então, segunda, se o universo não é criação de
Deus, o conhecimento que Deus tem dele – passado e futuro – não pode depender
daquilo que ele pretende fazer, mas da sua observação do modo como funciona.
Nesse caso, como teríamos a certeza de que as observações de Deus são acuradas?
Como teríamos certeza que essas forças independentes não mostrarão mais tarde
uma torcedura insuspeita que falsificará as predições de Deus? E, finalmente,
nessa perspectiva, o conhecimento de Deus seria empírico e não parte integral
da sua onisciência, e, portanto, ele seria um conhecedor dependente. Podemos
crer consistentemente na criação, onipotência, onisciência e nos decretos
divinos, mas não podemos permanecer em sanidade e combinar alguma dessas
doutrinas com o livre arbítrio.
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Trecho extraído do livro Deus e o Mal, o problema resolvido, págs 51-53.
Editora Monergismo. Publicado por materiasdeteologia.com
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