Páginas

29 de dez. de 2016

O que nossos editores leram (e recomendam) em 2016


Queridos leitores,
Agradecemos por mais um ano em que vocês nos acompanham, e queremos encerrar nossas atividades auxiliando vocês indicando alguns livros lidos por nossos editores Thiago Oliveira e Thomas Magnum no decorrer de 2016 (Thiago falando: Thomas é um monstro, leu a imensa maioria). Que algumas destas 60 obras listadas (não rankeadas) possam despertar-lhes o gostinho para serem adquiridas e devoradas em 2017. Acreditamos que são leituras de extremo proveito.
Que Deus os abençoe!

***

A Lista
1. Imaginação totalitária - Francisco Razzo (Ed. Record)
2. Contra a Escola - Fausto Zamboni (Ed. Vide Editorial)
3. Esquizofrenia intelectual - Rousas John Rushdoony (Ed. Monergismo)
4. Gender | Quem és tu? Sobre a ideologia de gênero - Olivier Bonnewijn (Ed. Vide Editorial)
5. O Conhecimento dos Valores - Alfonso López Quintás (Ed. É Realizações)
6. Filosofia e Cosmovisão - Mário Ferreira dos Santos (Ed. É Realizações)
7. Contra a Idolatria do Estado - Franklin Ferreira (Ed. Vida Nova)
8. Quem controla a escola governa o mundo - Gary DeMar (Ed. Monergismo)
9. Em defesa da teologia - Gordon H. Clarck (Ed. Monergismo)
10. Teologia Sinfônica - Vern S. Poythress (Ed. Vida Nova)
11. O Pastor como teólogo público - Kevin Vanhoozer e Owen Strachan (Ed. Vida Nova)
12. Introdução à metodologia das ciências teológicas - Hermisten Maia (Ed. Cruz)
13. Cosmovisões em Conflito - Ronald Nash (Ed. Monergismo)
14. Deus e o mal: Problema resolvido - Gordon H. Clark (Ed. Monergismo)
15. Oração: Experimentando intimidade com Deus - Timothy Keller (Ed. Vida Nova)
16. Economia e Política na Cosmovisão Cristã - Wayne Grudem e Barry Asmus (Ed. Vida Nova)
17. A pobreza das nações - Wayne Grudem e Barry Asmus (Ed. Vida Nova)
18. Invasão vertical dos Bárbaros - Mário Ferreira dos Santos (Ed. É Realizações)
19. Questões últimas da vida - Ronald Nash (Ed. Cultura Cristã)
20. O resgate da fé cristã - Carl F. H. Henry (Ed. Monergismo)
21. Uma visão cristã dos homens e do mundo - Gordon Clark (Ed. Monergismo)
22. Deleitando-se na Trindade - Michael Reeves (Ed. Monergismo)
23. A Religião Civil do Estado Moderno - Nelson Lehmann da Silva (Ed. Vide Editorial)
24. De Magistro -  Santo Agostinho (Ed. Vozes)
25. A Beleza salvará o mundo - Gregory Wilde (Ed. Vide Editorial)
26. Discurso da Reforma do Homem interior - Cornelius Jansenius (Ed. É Realizações)
27. Poesias - T. S. Eliot (Ed. Nova Fronteira)
28. Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski (Ed. 34).
29. Presbiterianos X Pentecostais - José Roberto (Ed. Fonte Editorial)
30. Discipulado - Dietrich Bonhoeffer (Ed. Mundo Cristão)
31. Introdução à Teologia Evangélica - Karl Barth (Ed. Sinodal)
32. O Elogio do Conservadorismo - João Camilo de Oliveira Torres (Ed. Arcadia)
33. Marxismo Desmascarado - Ludwig Von Mises (Ed. Vide Editorial)
34. O Pastor como Pregador - Org. John MacArthur (Ed. Peregrino)
35. O Rosto de Deus - Roger Scruton (Ed. É Realizações)
36. Diário do subsolo - Fiódor Dostoiévski  (Ed. Martin Claret)
37. Criação do Ocidente - Crhistopher Dawson (Ed. É Realizações)
38. Introdução à Filosofia Moderna - Roger Scruton (Ed. Zahar)
39. A Ideia Cristã de Cultura e outros escritos - T.S. Eliot (Ed. É Realizações)
40. As origens gregas da filosofia - Marcos Sandrini (Ed. Vozes)
41. Filosofia para corajosos - Luiz Felipe Pondé (Ed. Planeta)
42. Amado Timóteo - Org. Tom Ascol (Ed. Fiel)
43. Como Adam Smith pode mudar sua vida – Russ Roberts (Ed. Sextante)
44. Conhecendo o Deus Trino – Tim Chester (Ed. Fiel)
45. Ministérios de Misericórdia – Timothy Keller (Ed. Vida Nova)
46. Desafios da Liderança Cristã – John Stott (Ed. Mundo Cristão)
47. O que você faz no Domingo – Sammy Anderson (Ed. Z3)
48. A Primeira Igreja Protestante do Brasil – Jaquelini de Souza (Ed. Mackenzie)
49. Reformando o Casamento – Douglas Wilson (Ed. Clire)
50. Um Trabalho de Amor – J. Stephan Yuille (Ed. Puritanos)
51. O Deus da Promessa – Michael Horton (Ed. Cultura Cristã)
52. A Trindade, As Escrituras e a função do Teólogo – Kevin Vanhoozer (Ed. Vida Nova)
53. O Evangelho e o Marxista – Comissão Lausanne (Ed. ABU)
54. O Evangelho para os filhos da aliança – Joel Beeke (Ed. Puritanos)
55. O Homem Bíblico – Stuart Scott (Ed. Nutra Publicações)
56. Surpreendido pelo Sentido – Alister McGrath (Ed. Hagnos)
57. Os Dez Mandamentos – Cornelius Van Til (Ed. O Estandarte de Cristo)
58. Disciplina na Igreja – Jonathan Leeman (Ed, Vida Nova)
59. Igreja Sinfônica – Org. Pedro Dulci (Ed. Mundo Cristão)
60. A Lei Moral – Ernest Kevan (Ed. Puritanos)

28 de dez. de 2016

Teologia e Piedade

Lyle D. Bierma*

Voltemos agora às duas maneiras sugeridas anteriormente nas quais a teologia de Calvino é relevante para a igreja mundial no século 21. Essas duas maneiras tem a ver não tanto com o conteúdo da teologia de Calvino, mas com toda a sua maneira de fazer teologia.

Em primeiro lugar, vejamos como Calvino relaciona teologia e piedade. A primeira edição das Institutas de Calvino, em 1536, tinha o seguinte título longo e interessante – “Institutas da Religião Cristã, contendo virtualmente toda a soma da piedade e tudo o que necessita ser conhecido sobre a doutrina da salvação: Uma obra que vale a pena ser lida por todos os cristãos que têm zelo pela piedade”. Para começar, trata-se de “institutas”. Institutio em latim significa algo como “instrução básica”, “compêndio” ou “manual de instruções”. Mas um manual de que – de teologia? Não, um manual “que contém virtualmente toda a soma da piedade”, um manual “que vale a pena ser lido por todos os cristãos que têm zelo pela piedade”. Não se trata de um livro primariamente sobre teologia, mas sobre piedade. Obviamente existe muita teologia no livro. Mas para Calvino a reflexão teológica nunca é um fim em si mesma. A teologia é sempre utilizada a serviço da piedade; ela deve conduzir à piedade. Assim, a teologia de Calvino algumas vezes tem sido chamada de theologia pietatis, uma “teologia da piedade”.

Mas o que Calvino quer dizer com piedade? Na mesma sentença de abertura das Institutas, nós lemos: “Quase toda a sabedoria que possuímos... consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós mesmos” (1.1.1). Na seção seguinte, Calvino passa a dizer que, quando se trata do conhecimento de Deus, “nós não diremos que... Deus seja conhecido onde não existe religião ou piedade. . . Eu denomino ‘piedade’ aquela reverência unida ao amor a Deus que o conhecimento dos seus benefícios induz” (1.2.1). Ou então: “Aqui certamente está a religião pura e verdadeira: a fé tão unida a um sincero temor a Deus que esse temor também inclui uma reverência voluntária e leva consigo o culto legítimo que está prescrito na lei” (1.2.2).  Portanto, para Calvino o verdadeiro conhecimento de Deus é um conhecimento sobre Deus que é aplicado na piedade ou devoção, isto é, em reverência, fé, amor, adoração, obediência e serviço a Deus. A teologia – o estudo de Deus, a busca de conhecimento acerca de Deus – deve evocar uma resposta de piedade em nós se queremos verdadeiramente conhecer a Deus. Pois, como diz Calvino:

"Como pode o pensamento de Deus penetrar em sua mente sem que você perceba imediatamente que, visto ser obra de suas mãos, você foi... vinculado a ele por direito de criação, você deve a sua vida a ele? – que qualquer coisa que você empreende, qualquer coisa que faz, deve ser atribuída a ele? (1.2.2)".

A teologia deve levar à piedade.

É exatamente assim que Calvino realiza a sua própria reflexão teológica ao longo das Institutas; as Institutas são na realidade um manual de instruções sobre a piedade. Por exemplo, ao tratar acerca de Deus, o Criador, Calvino não somente explica os detalhes da doutrina da criação, mas também exorta o leitor a “comprazer-se piedosamente nas obras de Deus” (1.14.20). O que significa confessar que Deus é o Criador dos céus e da terra? Primeiramente, diz ele, significa refletir sobre a grandeza do divino Artista mediante a contemplação de suas maravilhosas obras de arte. A criação reflete “essas imensas riquezas de sua sabedoria, justiça, bondade e poder... [e] nós devemos meditar sobre elas longamente, considerá-las em nossas mentes com seriedade e fidelidade, e evocá-las repetidamente” (1.14.21). Mas a nossa resposta deve ir além disso. Nós também devemos compreender, diz Calvino, que Deus criou todas as coisas para o bem da humanidade; devemos “sentir o seu poder e graça em nós mesmos e nos grandes benefícios que ele nos concedeu, e assim sermos levados a confiar, invocar, louvar e amá-lo” (1.14.22). Isso é piedade. Essa é uma teologia que conduz à piedade. Para Calvino, estudar a doutrina da criação não é mero exercício intelectual; envolve a pessoa inteira – coração, alma, mente e força. Como ele disse no final dessa seção acerca da criação: “Convidados pela grande doçura da beneficência e bondade [de Deus], dediquemo-nos a amá-lo e servi-lo de todo o nosso coração” (ibid.).

O mesmo se aplica à maneira como Calvino trata da predestinação, uma questão doutrinária sobre a qual ele tem sido freqüentemente mal-compreendido e violentamente atacado. O historiador americano Will Durant certa vez escreveu: “Nós sempre acharemos difícil amar o homem [Calvino] que obscureceu a alma humana com a mais absurda e blasfema concepção acerca de Deus de toda a longa e honrada história das tolices”. E o tele-evangelista americano Jimmy Swaggart certa vez afirmou: “Creio que Calvino fez com que incontáveis milhões de almas fossem para a perdição”. Todavia, a predestinação é um conceito bíblico, um conceito com o qual os teólogos ocidentais tinham se debatido por mil anos antes de Calvino. O que Calvino faz com essa doutrina é o que ele faz com toda a sua teologia – ele a relaciona com a piedade do crente. A doutrina da eleição, diz ele, em primeiro lugar acentua para nós que a salvação é sola gratia: é totalmente e inteiramente pela graça de Deus. Portanto, a doutrina da eleição deve nos humilhar, porque ela nos defronta com o fato de que não temos nenhuma contribuição a dar para a nossa salvação; ela é unicamente uma obra de Deus. Deus nos escolheu antes que nós o escolhêssemos. Em segundo lugar, essa doutrina devia levar-nos a glorificar a Deus por essa grande dádiva que ele graciosamente nos concedeu (3.21.1). Por fim, ela pode assegurar-nos do caráter definitivo da nossa salvação, pois Deus prometeu em Romanos 8 que aqueles a quem ele predestinou para a salvação nunca irão separar-se do seu amor. Como Calvino disse: “Cristo nos libertou da ansiedade nessa questão... Quando somos dele, somos salvos para sempre” (3.24.6). Calvino não pretendeu que a predestinação fosse uma doutrina aterrorizante para o crente, mas uma doutrina consoladora.

Essa teologia da piedade foi assimilada por muitas confissões reformadas na própria época de Calvino e nos anos posteriores à sua morte. A denominação à qual eu e o professor Bosma pertencemos, a Igreja Cristã Reformada da América do Norte, subscreve três dessas antigas confissões reformadas – a Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort – e em todas as três está presente essa aplicação pessoal, prática e experimental das doutrinas. Por exemplo, a Confissão Belga de 1561 explica com alguns detalhes a doutrina da providência de Deus, mas também dá atenção a qual deve ser a nossa resposta a esse ensino (Art. 13). Nós não devemos ser excessivamente curiosos quanto às obras de Deus que ultrapassam a compreensão humana. Devemos adorar as decisões de Deus com humildade e reverência. Devemos reconhecer “o conforto indizível” que essa doutrina nos dá em seu ensino de que nada nos pode acontecer por acaso. E podemos repousar no pensamento de que “Deus controla os demônios e todos os nossos inimigos, os quais não podem nos ferir sem a sua permissão e vontade”. Essas são respostas de piedade!

Uma teologia de piedade é ainda mais pronunciada no Catecismo de Heidelberg, de 1563. Como um catecismo, obviamente ele foi concebido como um guia para ensinar, pregar e aprender doutrinas. Mas ele sempre apresenta as doutrinas com um propósito em mente: aplicar essas doutrinas à vida e experiência cristãs; instilar no crente um senso de consolo ou certeza da salvação; evocar no crente uma resposta de gratidão por sua libertação do pecado e da miséria espiritual. Ouça algumas das perguntas: “Como a ressurreição de Cristo nos beneficia?” (P. 45); “Como a volta de Cristo para julgar os vivos e os mortos consola você?” (P. 52); “Que bem lhe faz, todavia, crer em tudo isto?” (P. 59); “Por que ainda precisamos praticar boas obras?” (P. 86); “Por que os cristãos precisam orar?” (P. 116). A reflexão teológica no Catecismo de Heidelberg não é um exercício abstrato. Ela é relevante para a vida e a experiência do crente.

O que Calvino e as confissões fazem aqui não é de fato uma coisa nova. Essa teologia da piedade já estava evidente na tradição humanista cristã na qual Calvino foi formado. Porém, o que é mais importante, ela tem o seu fundamento nas Escrituras, o recurso básico de Calvino na elaboração da sua teologia. Quando Calvino descreve o conhecimento de Deus como um conhecimento sobre Deus que evoca uma resposta de confiança, obediência e amor por Deus, ele está simplesmente ecoando o ensino da própria Escritura. Encontramos já no Antigo Testamento que o conhecimento de Deus não é mera posse de informações sobre Deus. É o reconhecimento dos direitos de Deus sobre nós. É o reconhecimento respeitoso e obediente do poder de Deus, da graça de Deus, das exigências de Deus. Conhecer a Deus é honrá-lo e fazer o que é justo e íntegro. Como Deus diz através do profeta Jeremias:

"Não se glorie o sábio na sua sabedoria... mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor, e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor". (9.23-24)

A implicação é que o Senhor se compraz no amor e na justiça não somente quando ele os pratica, mas também quando nós os praticamos. Então poderemos afirmar que realmente compreendemos e conhecemos a Deus.

O livro de 1 João no Novo Testamento dá ênfase ao mesmo ponto: “Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu o conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade” (2.3-4). Portanto, a teologia da piedade de Calvino ressoa com a mensagem da própria Escritura. Pode-se realmente dizer que essa maneira pela qual ele procurou mostrar o valor das Escrituras na sua época não tem relevância em nossos próprios dias?
____________

* É professor de Teologia Sistemática no Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Michigan. Esse texto é um excerto de uma palestra proferida no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper no dia 28 de agosto de 2003, traduzida pelo Rev. Alderi S. Matos, disponível na íntegra aqui

26 de dez. de 2016

A Maravilha do Natal

Por Hugo Wagner Silveira Melo

Essa é uma época do ano quando, querendo ou não, somos levados a pensar no nascimento de Cristo. Eu desejaria que houvesse outros dias mais de Natal ao ano. Pois seriamos mais vezes levados a refletir sobre o Cristo que nasceu na Manjedoura. Charles H. Spurgeon falando sobre Natal diz:

“Posto que é legitimo e digno de elogio meditar na encarnação do Senhor em qualquer dia do ano, não está no poder das superstições de outros homens converter tal meditação imprópria no dia de hoje (Natal). Então, sem importar a data, devemos dá graças a Deus pelo dom de Seu Filho amado”. [1]

“O dia de Natal é realmente uma benção para nós... No entanto, ainda que não sigamos os passos de outras pessoas, não vejo dano algum em pensarmos na encarnação e no nascimento do Senhor Jesus”[2]

O evento do qual Spurgeon esta falado é totalmente bíblico. Nós celebramos o Natal porque não podemos erradicar a partir de nossa consciência a nossa profunda consciência da diferença entre o sagrado e o profano.  Quando Deus apareceu a Moisés na sarça ardente, o fundamento de que era anteriormente comum de repente se tornou raro. Agora era terra santa - espaço sagrado. Aonde Deus toca, torna-se lugar santo. Nunca houve um lugar mais santo do que a cidade de Belém, onde nasceu o Redentor. Como relatar a profecia: “E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre os milhares de Judá, de ti me sairá o que governará em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.” (Mq 5:2)

A palavra Belém quer dizer “casa de pão”; Efrata significa “Fecundidade” ou “abundância”. Ele teria que nascer em Belém Efrata, pois seria o alimento de seu povo, pois dali seria dado ao homem o pão da vida. Como também nos faria fecundos: Jesus é que nos faz fecundos. “Quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto” (João 15:5) Gloriosa Belém Efrata! Fértil casa de pão – a casa de abundante provisão para o povo de Deus! Nossos pobres corações infrutíferos e famintos, nunca produziram nenhum fruto, nenhuma flor e nem o pão que nos saciaria. É o seu nascimento que enriquece o solo de nossos corações, que alimenta a nossa alma faminta. Esse é o maravilhoso natal.

Passo a listar três razões pelas quais considero maravilhoso o nascimento de Cristo:

Em Primeiro Lugar, porque Declara a Fidelidade De Deus

Toda a história da Bíblia constrói um clímax, pré-anuncia o nascimento do Messias naquele estábulo a mais de dois mil anos atrás, essa historia, nos mostra a progressão da revelação de Deus quanto ao seu ato redentivo. 

Adão e Eva mal tinha digerido o fruto proibido quando Deus pronunciou a promessa de uma descendência que feriria o calcanhar da serpente (Gn 3.15). Em seguida, Deus escolheu a família de Abraão, para servir como um canal de bênção para todas as nações através do seu descendente, Cristo (Gl 3.16). Em cerca de mil anos antes do nascimento de Cristo; Deus escolheu Davi para ser rei sobre Israel. Não só o Messias será um descendente de Abraão, mas também um descendente do rei Davi, ele seria conhecido como a raiz Davi, no qual reinaria no trono por toda eternidade.

 Os profetas anunciavam a vinda do Messias; Aquele que seria a semente da mulher; O Emanuel – Deus conosco; O cabeça do pacto; Aquele que existia desde os tempos eternos: O Leão da tribo de Judá, cujo o seu Rugido ecoa até hoje; a grande Luz para os que andavam nas trevas e o Maravilhoso Tudo isso preparando o terreno para a chegada do Messias e para o cumprimento da promessa. Como bem falou Martyn Lloyd-Jones:

“Aqui esta o Grande cumprimento. E por isso vocês podem dar-se conta de que todos os profetas e salmistas do Velho Testamento viram isto. Eles olhavam para o futuro; sabiam que este evento iria cumprir todas as promessas...”[3]

O nascimento de Cristo nesse mundo é o cumprimento de todas as promessas de Deus. Quando Mateus abre seu Evangelho, ele apresenta Jesus como o filho de Abraão e filho de Davi, a organização da genealogia de Jesus estão em três séries de catorze gerações, cada uma desde Abraão até Davi, de Davi até o exílio, e desde o exílio até Jesus. Lucas, da mesma forma, mostra que, em Jesus, a uma infinidade de promessas feitas no passado que têm encontrado o seu cumprimento. João, finalmente, retrata Jesus como o verbo pré-existente de Deus que se fez carne e tabernaculou conosco.
Esta é a matriz messiânica tecida pelos escritores bíblicos sobre a história redentiva. Para aqueles que têm abraçado a mensagem do Natal - que Jesus é o restaurador e salvador do seu povo nascido de uma virgem por obra do Espirito Santo, essa é a história da redenção. Neste evento, vemos que Cristo cumpre o texto do antigo pacto. Ele cumpre as suas verdades e doutrinas.  Ele cumpre as suas cerimônias e rituais. Ele cumpre as suas promessas e profecias. Ele é o ponto central da história. E nesse sentido, vemos a fidelidade de Deus.
A Segunda razão pelo qual o nascimento de Cristo é maravilhoso: porque revela o Poder de Deus
Martyn Lloyd-Jones nos mostra que esse é o sentido do natal, é Deus revelar o seu poder:
“Deveria ser evidente por si mesmo que o que se anuncia é inteiramente de Deus. É o anuncio do que Deus fez, faz, e fará. Essa é a essência disso tudo... Deus fez. Deus manifestará o seu PODER. É disso que trata o natal”. [4]
O anjo declara a Maria: "O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te encobrirá; portanto, a criança que vai nascer será chamado santo - o Filho de Deus "(Lc 1:35). Essa criança que nasceu normal, foi fruto da ação sobrenatural do Espirito em sua concepção, isso porque veio do seio do Pai. O nome do Altíssimo é o superlativo do termo grego para a altura. Em outras palavras, Deus é o mais alto: "Eis que o céu e o céu dos céus não te podem conter" (1 Rs 8:27.). Esta é a vinda do próprio Deus em forma humana. Esta é a chegada do unigênito do Pai, a humanização e a manifestação da onipotência Divina. 
Maria ficou perplexa por causa de tão grande revelação sobre aquele que haveria de nascer dela. Aquele filho que seria gerado em seu ventre é ao mesmo tempo filho do eterno de Deus. Essa criança que haveria de nascer de Maria tinha a procedência e todas as propriedades da natureza Divina, assim como haveria de ser um homem completo com todas as propriedades essenciais que um ser humano possui.
Sobre as duas naturezas de Cristo, Paulo nos ensina escrevendo aos Gálatas: “Mas vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4). Em Cristo, temos o criador e criatura, a força e fraqueza, o eterno e o temporal, a imutabilidade e mutabilidade, independência e dependência, o infinito e o finito. Em Cristo a natureza humana e a natureza divina estão unidas, mantendo-se distinta. Sua natureza humana absorver Sua natureza divina e sua natureza divina absorver Sua natureza humana. Ele é totalmente Deus e totalmente homem em uma pessoa. Isso é maravilhoso demais! Talvez você pergunte, por quê? Eu responderia dizendo que essa é a nossa única esperança de salvação. Se não houvesse a união das duas naturezas numa só pessoa, a pessoa Divina do verbo não poderia ser representante de pecadores. Pois se o salvador tivesse somente a natureza Divina, ele não poderia sofrer as penalidades divinas no lugar do pecador; Mas também o redentor deveria ser homem em todas as coisas. É isso, que o escritor aos hebreus nos diz: “Por isso convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos”... (Hb 2.17). só assim, sendo homem, Cristo seria capaz de ser o nosso substituto. Como Deus, Cristo é capaz de suportar os nossos pecados sem ser corrompidos com eles. Se Ele tivesse sido um mero homem - embora um homem perfeito - Ele não podia ter assumido a imputação do nosso pecado sem ser corrompido por ele. Se Jesus fosse somente um homem, ele não poderia realizar ao nosso favor e nem em nosso lugar a obra para a qual veio. O redentor deveria ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem para ser um poderoso salvador.
A Terceira e ultima razão por que o natal é maravilhoso: porque revela a Graça de Deus
Aqui Deus revela o proposito final do seu pacto da redenção e da graça; E o alvo final desse pacto é o Cristo. Natal é o anuncio da maravilhosa obra de Deus, é Deus descendo para salvar graciosamente o seu povo. O anjo declara a José: "Ela dará à luz um filho; e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mt.1:21). Note que, Cristo salva o seu povo dos seus pecados. Por quê? Porque os nossos pecados nos afastam de Deus. Os nossos pecados ofendem a Deus. Como resultado, estamos sob a condenação Divina. Cristo salva o seu povo  dos seus pecados. Como? "Ele levou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro..." (1 Ped. 2:24). Isso é substituição. Seu sangue satisfaz as santas exigências de Deus e por isso o natal é maravilhoso, porque é o derramar do perdão gracioso de Deus sobre pessoas indignas. É Deus nos dando aquilo que não merecemos. Isso é graça!
Vemos essa verdade na genealogia de Cristo. Abraão está listado nela; E o mesmo mentiu sobre a identidade da sua esposa, a fim de salvar sua própria pele. Jacó está listado; Ele foi um enganador, enganou seu próprio pai, enquanto ele estava deitado em seu leito de morte e também o seu próprio irmão. Davi está listado; Ele foi chamado o homem segundo Deus, o mesmo foi um adúltero e assassino. Ele tirou a vida de um homem, que teria de bom grado dado a sua. Rute está na lista; Ela é fruto de uma relação ilícita entre Ló e uma de suas filhas; Ela é uma moabita – de uma nação sob maldição! Quanta vergonha e desgraça! O que todas essas pessoas têm em comum conosco?  Uma natureza pecadora e totalmente necessitada da graça salvadora de Deus. Por isso Cristo veio, para salvar o seu povo dos seus pecados.
O nascimento de Jesus Cristo trouxe ao homem o evangelho da graça de Deus; É chamado de o “evangelho da graça” por que alcança o pecador num estado de miséria e de desmerecimento; por que anuncia a redenção sem que o pecador tenha que fazer coisa alguma, sendo uma obra exclusiva de Deus; E por isso Ele sendo Deus, tomou a forma de servo; Sendo o Criador, tornou-se uma criatura; Ele não tinha pecado, mas se fez pecado por nós; Ele era o prazer do Pai, mas Ele se tornou o objeto da ira Divina. Por que Ele fez isso? Ele fez tudo isso, a fim de salvar o seu povo dos seus pecados. Essa é a maravilha do Natal! 

BIBLIOGRAFIA

[1] Charles Haddon SPURGEON, “A Alegria Nascida em Belém” Ed. Projeto Spurgeon – Edição 24 de Dezembro de 1871, Newington, Londres. p.4

[2] Charles Haddon SPURGEON, “A Encarnação e o sofrimento de Cristo” Ed. Projeto Spurgeon – Edição 23 de Dezembro de 1855, Em New Park Street Chapel, Southark – Londres.. p.1

[3] Martyn Lloyd-Jones, “Sermões Natalinos” Exposição do Magnificat, Ed. PES - Bryntirion Press, 1ª Edição em Português 2009, p.67


[4] Martyn Lloyd-Jones, “Sermões Natalinos” Exposição do Magnificat, Ed. PES - Bryntirion Press, 1ª Edição em Português 2009, p.33

23 de dez. de 2016

O Exemplo de Amor e Humildade vistos na Encarnação de Cristo

Por Thiago Oliveira*

Introdução

Mesmo em decorrência da celebração do Natal, gostaria de continuar com a exposição de Filipenses que começamos em nossa igreja, dando início ao segundo capítulo, que não por acaso fala sobre a encarnação de Cristo, ou seja, do seu nascimento. Fiquemos atentos à palavra que o Senhor nos entregou e que toda meditação seja orientada pelo Santo Espírito, para que esta palavra se aplique em nossos corações.

A Deus toda glória!

Exposição (Filipenses 2.1-11)

1-4 Se por estarmos em Cristo, nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude. Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.

O começo do capítulo 2 dá continuidade ao que foi dito anteriormente, no final no capítulo 1. O apóstolo Paulo continua exortando a igreja em Filipos a permanecer unida. A união fraternal em Cristo é um indicativo de que aquela igreja goza de saúde espiritual, pois, existe uma impossibilidade de se estar em Cristo e viver em desunião com nossos irmãos de fé. A motivação e a exortação em amor para que vivamos em unidade são procedentes do próprio Senhor. Ele encoraja cada crente a viverem as benesses da vida em comunidade, exercitando conjuntamente a fé que temos nele. E o Espírito Santo, que habita dentro de todo aquele que por Deus foi salvo em Cristo Jesus é o condutor da comunhão entre os membros da igreja.

Notem que a Trindade é responsável para que o amor fraterno seja vivenciado. O encorajamento que Cristo oferece para vivermos juntos, somado ao agir do Espírito na Igreja, é o que torna possível a comunhão, isto é, o amor de uns para com os outros. Paulo ainda menciona que este amor deve ser experimentado em profunda afeição e misericórdia. O termo profundo remete as entranhas, algo que os filipenses, por terem uma cultura helênica, conheciam. Nós costumamos dizer que amamos do fundo do coração, os gregos diziam amar do fundo de suas entranhas. Já o termo misericórdia (ou compaixão - como traduz a NVI) remete a nos colocarmos no lugar de outrem e sentir as suas dores e aflições como se fossem nossas dores e nossas aflições.

Então, se estamos em Cristo, como raciocina o apóstolo, devemos ter uma unidade de pensamento e atitude. Pois, estamos ligados no mesmo amor e no mesmo Espírito. Na prática, isso deveria extirpar todo egoísmo e vaidade do meio do povo de Deus. Paulo afirma que o correto é considerar os outros acima de nós mesmos e assim, pautar a nossa vida para não focar apenas na busca das realizações pessoais. Uma vida cristã genuína e saudável é altruísta. O cuidado com o próximo e o interesse do seu bem estar devem ser uma prioridade.

Mas aí vêm os queixumes: “é difícil proceder dessa maneira. Como faremos isso?”. O modelo a quem Paulo vai apelar é o de Cristo, e aqui veremos como que o Senhor dos Senhores se humilhou, e o fez por amar a sua Igreja e zelar por sua unidade.

5-8 Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!

Paulo sempre apela para figura de Cristo ao nos exortar sobre o que devemos fazer. E aqui ele insta para que a nossa atitude seja a mesma do nosso Redentor. Devemos imitá-lo, não na sua tarefa redentiva e vicária, apenas o Cristo foi imbuído com esta missão salvadora. Todavia, devemos imitar o espírito de humildade e abnegação que levaram o Filho de Deus a abrir mão de seu estado de glória para se fazer o servo sofredor que pagaria pelos nossos pecados.

Cristo, nesse maravilhoso texto doutrinário, é apresentado como Deus. Antes de sua encarnação ele já era divino, igual ao Pai, desde a eternidade. A sua forma, isto é, a sua essência, é de um ser não-criado. Na verdade, ele é o Criador de todas as coisas e por meio dele e para ele, tudo subsistindo nele (Cl 1.16-17). Mas, Cristo não se valeu desta condição de uma maneira egoísta. Ele não se apega ao fato de que por ser Deus tinha muitos privilégios para gozar, satisfazendo a si mesmo. O esvaziamento do Filho de Deus, termo usado por Paulo para deixar claro o grande referencial de humildade significa que Cristo abdicou, não de sua essência, mas da glória e dos privilégios correspondentes à sua divindade. Ele se fez servo e assumiu uma forma humana. Não trocou a divindade pela humanidade, mas aderiu a sua natureza divina, uma natureza humana e dentro de um útero se desenvolveu como qualquer criança. Isto é assombrosamente lindo!

Outro fator importante é que Jesus não veio ao mundo como alguém que pertenceu à elite de sua época. Não foi um homem que viveu em palácios e se valeu de poder temporal. Cristo foi pobre, sem ter onde reclinar a cabeça. Nasceu num estábulo que não era dele e nem de sua família terrena. E assim foi até seu sepultamento, quando o túmulo que recebeu seu corpo também era emprestado. Ele veio a este mundo para morrer na cruz, e foi obediente a este plano.

Logo, notemos que tendo todo o direito de desfrutar da sua majestade celestial, servido e venerado pelos anjos, Cristo abre mão desta condição, pois não é egoísta. Para salvar os seus eleitos, Cristo não podia salvar a si mesmo e não experimentar do cálice da ira divina. Ele foi para cruz e se entregou sacrificialmente num ato de amor. Este deve ser o nosso parâmetro ético. Ao invés de nos inflamarmos vaidosamente, devemos nos despojar de tudo que nos torna orgulhosos. Devemos nos esvaziar de nós mesmos, sacrificando o nosso ego. Viver só para si não é a vida que Cristo viveu e nem é a que ele quer que vivamos.

9-11 Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.

Após ter se humilhado, Cristo não ficou relegado a uma posição de pobre coitado. Sua breve vida terrena e sua morte considerada vexatória na cruz não consistiram num fim trágico de um homem bom. Cristo não foi derrotado na cruz e o sepulcro não o segurou. O que se seguiu após ter sido crucificado foi a demonstração da maior de todas as vitórias e conquistas. Cristo venceu sobre os principados e potestades e foi exaltado por Deus Pai, colocado acima de tudo e de todos. Seu nome ganha proeminência e toda a humanidade, até mesmo os governantes desta terra, são seus súditos, estando debaixo de seu poderio.

Quando Cristo for visto entre as nuvens, no advento de sua vinda definitiva, todos verão um ser distintamente glorioso. Seu aspecto será inigualavelmente majestoso e diante de toda demonstração visível de seu estado de glória, toda a humanidade se curvará reconhecendo que ele é o soberano Senhor. Alguns farão este reconhecimento para sua própria condenação, pois não creram em sua mensagem e zombaram do Evangelho. Outros - os que foram remidos - professarão com alegria o que já diziam antes pela fé, pois, não apenas falavam, mas viviam como servos do Senhor dos Senhores. Quem tem ouvidos ouça: em Cristo está a salvação para vossas almas! É preciso crer e confessar que ele detém o senhorio de todas as coisas. Se esta confissão não for feita antes de sua vinda, depois dela será feita de todo jeito, mas a aplicação da confissão não será para a vida, será (de maneira justa) para a morte.

Conclusão/Aplicação

Gostaria de concluir, e ao mesmo tempo, aplicar esta mensagem elencando alguns pontos:

1. Em meio a um estilo de vida materialista, buscamos satisfazer os apelos midiáticos e consumistas. E nisso, a vaidade e o orgulho são fisgados pelas propagandas que estimulam a competitividade. Mas será que esta vida esta é conformidade com o que Cristo nos ensinou? O que você tem feito com seus dias? Tem corrido atrás de realizar seus sonhos materiais e esqueceu de que importar-se com o próximo é seu dever como cristão? Cuidado com a ganância, os que ambicionam riquezas caem em muitas tentações e podem se desviar da fé (1 Tm 6.9-10).

2. Ter a atitude de Cristo e ser humilde é algo que precisa ser demonstrado na prática. Quando Paulo afirma que devemos considerar os outros superiores a nós mesmos, isso remete a honrarmos essas pessoas. Ora, você não pode honrar a ninguém de um modo secreto. Você tem demonstrado amor na prática? Tem buscado a auto-glorificação ou busca honrar os outros? Aproveite esse tempo de festas de fim de ano para honrar alguém fazendo-lhe uma visita especial, convidando para cear em sua casa, dando-lhe algum singelo presente ou até mesmo um cartão, externando o quanto essa pessoa é importante para você.

3. Considerando que Jesus Cristo é o Senhor, que possamos conduzir as nossas vidas debaixo de seu senhorio. Como isso pode ser feito? Buscando viver em conformidade com a sua Palavra. E como dito pelo apóstolo Paulo, buscando a unidade fraternal da igreja. Invista seu tempo em estudar a Bíblia, doutrina é importante e toda ela tem sua aplicação prática. Hoje mesmo vimos que Paulo através de um tratado teológico sobre a divindade e a encarnação de Cristo aplicou estas verdades para exortar a igreja a viver em plena união.


4. Agora me direciono aqueles que não professaram a fé em Cristo. Gostaria de dizer que a mensagem foi clara o suficiente para que vocês saibam que quem não crê no Filho de Deus está condenado (Jo 3.18). Dobrem agora, não apenas os vossos joelhos, mas também os vossos corações para que Cristo reine e os salvem da ira vindoura. Se hoje ele nascer dentro de vocês, confessem isso publicamente. Saibam que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”. (Ro10.13). Um novo nascimento é uma bela forma de se celebrar o natal. 

_______

* Esse texto foi base do sermão pregado por Thiago Oliveira na igreja em que pastoreia: Ig. Evangélica Livre em Itapuama -PE. 

12 de dez. de 2016

Liderança segundo Deus

Por Russell Shedd
Uma característica da natureza humana é uma ambição inata. Quem não quer ser alguém? Quem não quer subir no palco e ouvir as palmas bater? Superados os problemas de segurança e alimentação, diz o psicólogo Abraão Maslow, o homem quer sentir que valeu a pena viver. Ele quer fazer diferença, deixar um legado positivo. Apenas existir durante algumas décadas na terra não cria no íntimo aquele sentimento agradável que ele contribuiu algo de valor ao mundo. Se a origem deste incômodo vem de Deus, podemos entender porque Paulo escreveu 1 Timóteo 3:1: Digna de crédito é esta verdade. Se alguém almeja ser bispo (epíscopos, isto é, um supervisor responsável para uma comunidade), deseja uma excelente (kalos, bela, agradável) obra ou função. Poderíamos dizer: "Quem tem a ambição de ser líder de uma igreja cristã, quer algo que satisfará um profundo desejo em seu coração". Examinemos as condições básicas que Paulo alistou para seu discípulo querido, e o ideal para todo aquele que se sente chamado por Deus para conduzir uma igreja local.
Qualificações do líder:


1) O candidato deve querer esta posição. Ainda que seja praxe em concílios, convocados para pedir do pretendente ao ministério pastoral uma confirmação que ele tenha um chamado para tal, Paulo emprega a palavra "quer". Pedro concorda: "Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade" (1 Pe 5:2). Sugere que, se falta este desejo, o candidato não deve ser considerado vocacionado por Deus.

2) Deve ser irrepreensível, isto é, sem falhas morais ou éticas que poderiam diminuir sua aceitação da parte de Deus e da igreja como líder.

3) Não pode ser casado com mais do que uma mulher.

4) Deve ser uma pessoa equilibrada sem tendências extremistas.

5) Deve ter domínio sobre suas emoções e apetites. É também o último item na lista do fruto do Espírito (Gl 5.23).

6) Deve ser digno de respeito da parte daqueles que conhecem bem o seu caráter, isto é, ter qualidades de integridade, honestidade e confiabilidade, sem ações e atitudes que desmentem suas palavras. Pratica o que prega.

7) Gosta das pessoas; gosta de hospedar irmãos que necessitam cuidados básicos – casa e comida.

8) Ele tem facilidade em expor o sentido real e prático da Palavra de Deus. Sendo expositor sério da Bíblia, não omite a responsabilidade de explicar e aplicar o texto às vidas dos ouvintes. Mostra no próprio texto como então Deus quer que Seus filhos vivam no contexto da pós-modernidade.

9) Ele evita qualquer comida, bebida ou droga que possa viciá-lo. Sabe do perigo de se escravizar a um prazer que não seja pecado em si.

10) Ele é manso, portanto não reage à provocações com violência, mas está pronto para perdoar. Longe de querer se vingar, ele cumpre o papel de pacificador e reconciliador. Confrontar pecadores não provoca temores exagerados neste servo do Senhor.

11) Não tem uma personalidade briguenta, mas amável. Tem ouvido para os problemas dos membros da igreja e simpatiza com as pessoas nas intermináveis lutas delas.

12) Não tem nem uma só gota de sangue avarenta cursando pelas suas veias. Seu espírito generoso tem somente os limites dos seus recursos.

13) Vive numa casa ordeira, organizada, que reflete sua disciplina pessoal. Seus filhos são respeitosos e obedientes. Eles amam o Senhor e se sentem privilegiados acima dos colegas da escola que não têm pais tão comprometidos com Deus como eles têm.

14) Não é tão novo na fé que os membros na igreja o reputem imaturo. Feliz no serviço de Deus, sua sabedoria excede em muito os seus anos.

Muitas igrejas são lideradas por pastores que carecem de algumas ou mesmo muitas das qualificações que Paulo estipula. Provavelmente, a Timóteo faltava um ou outro destes valores, mas isto não o desqualificou. Ele tinha o aval de Deus segundo 1 Timóteo 4.14! As igrejas terão que avaliar quais são as lacunas que são totalmente inaceitáveis e quais são toleráveis.
***
Publicação original disponível aqui

1 de dez. de 2016

Entrevista com Igor Miguel - Igreja, Missão e Missionalidade



É com prazer que publicamos mais uma entrevista. Agora com o pastor Igor Miguel, que é casado com a Juliana, pai do João, cristão reformado, teólogo, pedagogo e mestre em letras (língua hebraica) pela FFLCH/USP. Trabalhou por 6 anos com crianças e adolescentes vulneráveis como educador e consultor educacional em projetos sociais. Especialista em educação cognitiva na SERVED, uma organização internacional que trabalha com educação em contexto de crise, principalmente no Oriente Médio. Vice-presidente da AKET (Associação Kuyper de Estudos Transdisciplinares) e pastor na Igreja Esperança em Belo Horizonte - MG. Igor também escreve no seu blog Pensar...  

Quem realizou a entrevista foi o pastor e nosso articulista Thomas Magnum. A entrevista trata sobre o papel da Igreja na Missão. Desejamos que este conteúdo seja enriquecedor e promova edificação e instrução para toda a Igreja brasileira.

Igor, o assunto missionalidade ou igreja missional tem tomado boas proporções no Brasil, principalmente por pensadores calvinistas. O que se quer dizer com igreja missional? E qual é a diferença de uma abordagem missional para uma missionária?

Missionalidade é um modo de se fazer missão. A elaboração de um termo novo é adequado quando serve para identificar uma ênfase necessária ou a especificidade de um modo particular de se fazer missão. Sabemos que o Evangelho não muda, mas as exigências contextuais mudam drasticamente. Particularmente, o que se evidencia, é que em contextos urbanos pós-cristãos e secularizados, ambientes culturais em que evangélicos são rotulados por causa de maus exemplos (como no caso da imagem produzida pelo neopentecostalismo) ou ambientes em que a pregação pública do Evangelho é restrita por forças legais, o modo missional de testemunhar o Evangelho de Cristo pode ser muito eficaz.

Há muitos livros sobre o conceito de missionalidade. Mas, uma síntese conceitual que me ajuda a me localizar é que missionalidade é uma missão encarnacional. Ou seja, ela se inspira no movimento que o Verbo de Deus fez: o Logos tornou-se gente para se fazer conhecido aos que salvava (Jo 1:14). A missionalidade é um modo de dar testemunho, o que exige a presença da igreja de maneira intencional na vida ordinária e nas relações humanas corriqueiras. Diferente de modelos de evangelização em que não-cristãos são atraídos à igreja, nesse caso, a igreja torna-se uma plataforma missional quando equipa e educa cristãos a darem testemunho de Cristo nas relações concretas com a sociedade, no ambiente das relações familiares, comunitárias, no trabalho ou na vida cultural. Muito poderiam objetar a esta altura: “mas a evangelização sempre foi assim, não?” De certa maneira, mas há uma diferença, quando intencionalmente nos engajamos em relações humanas para que de maneira orgânica e relacional nossas vidas legitimam o poder transformador do Evangelho.

Missionalidade exige um profundo conhecimento da vida humana, exige penetração cultural sem mundanismo. Como Keller afirma com frequência em seu livro “Igreja Centrada”: um cristão missional é alguém que é igual e diferente ao mesmo tempo. Isto significa que um cristão não pode ser um “alien” em termos culturais amplos. Ou seja, não deve criar barreiras culturais desnecessárias. Por outro lado, seu modo de ver a vida, de lidar com o sofrimento, com as relações humanas, de encarar o trabalho e a cultura, dão testemunho de que ele é de outra “cidade”. E, é precisamente aí, que o testemunho cristão emerge, pois desta maneira ele quebra caricaturas sobre o que significa ser cristão e abre portas para o testemunho verbal da boa-nova de Cristo. Por superação de barreiras culturais desnecessárias entende-se que o cristão deve frequentar espaços comuns, ter conversas em linguagem comum (evitar o “evangeliquês”), praticar esportes, ter hobbys, ir aos teatros, ouvir boa música (não somente música gospel) e ter repertório cultural para criar pontos de contato com a cultura onde está inserido. Claro que esta relação com a cultura não é acrítica, ao contrário, cristãos tem um modo particular de lidar com a cultura e tais contextos. E, é esta particularidade que alavanca e oportuniza o testemunho do Evangelho.

Ao tratar sobre missionalidade, qual é a ligação que tal assunto tem com cosmovisão cristã?

A cosmovisão cristã implica um “imaginário social”, pra usar um termo do filósofo Charles Taylor. O cristão imagina a existência a partir da narrativa bíblica criação-queda-redenção. Uma cosmovisão cristã madura e bem-educada fornece critérios, competências culturais e sabedoria para interagir com um ambiente sem ser absorvido por ele. Ao mesmo tempo que consegue discernir os ídolos culturais e denunciá-los com a mensagem do Evangelho. Por outro lado, se entendemos cosmovisão como uma “mentalidade”, sabemos que nossa sociedade pós-moderna não quer apenas “coerência lógica”, ela aspira por narrativas plausíveis, visões de boa vida e sentido. Concordo com James K.A. Smith, filósofo cristão do Calvin College, de que cristãos precisam viver e oferecer, mais do que uma mentalidade, mas uma narrativa alternativa e melhor em lugar das inúmeras narrativas reducionistas das sociedades secularizadas. Temos que ter a capacidade de oferecer uma história definitiva que conduz os homens a seu florescimento, libertação e pautada em virtudes como: fé, esperança e amor.

Autores como Tim Keller - que escreveu Igreja Centrada - e Michael Goheen - que escreveu Igreja Missional - tem contribuído muito para formação de pensadores para missões urbanas. Como devemos encarar esse desafio urbano em nosso atual contexto de igreja no Brasil. Essa urbanidade da missão, de fato a um tipo de contextualização?

A missão urbana não é um luxo ou uma “modinha” misssiológica. É um desafio real e crescente na missão contemporânea. Keller traz dados importantes da ONU sobre a crescente urbanização do mundo. Nas próximas décadas a tendência é que tenhamos mais da metade da população mundial morando em algum grande centro urbano. Ou seja, o cenário futuro da missão é que ela será predominantemente urbana.  Entretanto, a missão urbana exige preparação, há um fluxo muito intenso de diversidade cultural, forças migratórias, trocas simbólicas, efervescência política e social. A cidade é complexa, o que exige uma abordagem missionária igualmente complexa. É fundamental ao missionário e ao cristão urbano um entendimento mais preciso das mazelas da cidade: solidão, individualismo, narcisismo, hedonismo, pobreza e violência. Em contrapartida, o cristão urbano tem que reconhecer as riquezas da cidade: produção cultural, engajamento científico, produção de bens intelectuais, poder de sinergismo humano por causas sociais e políticas legítimas, e influência.

A igreja precisa promover treinamento missional para que cristãos criem relacionamentos significativos, se interessem autenticamente pelas pessoas a seu redor, e que superem as forças de isolamento social que impedem os vínculos necessários para o testemunho evangélico.  Cristãos precisam ser treinados a acolher perguntas honestas para darem respostas honestas aos problemas levantados a respeito da vida, cultura, Deus e espiritualidade.

Claro, este é o lado da penetração cultural da igreja, em contrapartida, a igreja local tem um papel fundamental quando se envolve em alto compromisso em manter seu púlpito cristocêntrico e sermões contextualizados.  Ou seja, o membro da igreja deve se sentir seguro em levar um amigo cético ou de uma outra religião para um culto.  Deve ter certeza que uma linguagem “inclusiva” será utilizada, que a mensagem será transmitida de tal modo que o cristão seja edificado e o não-cristão evangelizado simultaneamente. Claro, isto exige a noção, que Kevin Vanhoozer propõe do “pastor como teólogo público”. Um pastor que fala em resposta às demandas de sua cultura sem alterar a verdade evangélica.

Existem limites para contextualização da missão?

Sem dúvida! A contextualização não pode ser fundada em uma “ortodoxia generosa” como propõem protagonistas do movimento chamado “igreja emergente” ou similares. No afã de nos tornarmos relevantes corremos o risco de nos secularizarmos ou de sermos assimilados por aspectos culturais estranhos ao Evangelho. Este, na verdade, é o grande desafio da contextualização. Algumas igrejas, por receio de serem “mundanizadas”, escolheram o caminho do isolamento cultural (como se isso fosse possível), o que ironicamente conduzirá essa igreja à irrelevância por sua incapacidade de comunicar antigas e importantes verdades em uma linguagem compreensível e que alcance as questões mais profundas da vida humana. Por outro lado, não podemos permitir que sejamos acometidos por uma ansiedade que nos leve a abrirmos precedentes que acabam comprometendo, em não raros casos, o núcleo da verdade evangélica.

Temos visto no Brasil um reflorescer do pensamento voltado para a integralidade da missão, vemos também que o que tem estado presente nesse reflorescimento é um relacionamento ideológico que não era presente em 1974 por exemplo quando muito se discutia sobre missão integral. Como você vê essa questão da ideologia sendo mesclada com a teologia cristã da missão e quais são os perigos e talvez pontos positivos dessa abordagem?

Indico os diversos textos escritos pelo teólogo Guilherme de Carvalho sobre o tema, suas críticas são importantes e não podem ser desprezadas no atual debate sobre a relação entre ideologia e a teologia da missão integral. O livro Ortodoxia Integral, do filósofo Pedro Dulci, também traz uma importante e atual contribuição para a reflexão.

Sendo muito direto: a missão cristã é “proto-ideológica”, ou seja, antes do conceito moderno da possibilidade de controle histórico da realidade, seja por livre iniciativa racional ou monopólio estatal-coletivista, o cristianismo já estava em missão pelo mundo. O que não significa que a missão cristã seja apolítica. Obviamente que não! Afirmamos um Senhor que é soberano sobre toda realidade, e que Cristo, crucificado e ressuscitado, subverteu todos os poderes deste século assumindo “todo poder nos céus e na terra”. Por esta razão, cristãos impulsionados pela Grande Comissão anunciam que não há área neutra e que todos os homens são convidados, uma vez regenerados e justificados, a se tornarem membros do Reino de Deus. A missão cristã deve ser integral no sentido de que a totalidade de Cristo atinge a totalidade da vida humana, bem nos termos do Pacto de Lausanne. Porém, o velho debate tem sido em termos metodológicos, ou seja, de que maneira podemos fazer uma missão que seja integral? Pra muita gente, Cristo se restringe à esfera confessional, seu senhorio e sua obra parecem perder força quando chegam à esfera pública. A tentação é tão grande para alguns, que parecem não encontrar recursos na fé evangélica para atuarem na dimensão da pobreza, da vulnerabilidade, nos direitos humanos e em políticas públicas. O que fazem então? Optam por uma ideologia e uma metodologia secular com raízes na noção de autonomia humana (neste ponto nem a direita ou a esquerda são inocentes), e assim, acabam comprando parcial ou totalmente o pacote progressista como referência missiológica.

Temos que reconhecer que muitos irmãos que estão no espectro progressista possuem sensibilidades que não podem ser desprezadas: a profunda desigualdade social, alguns abusos antiéticos por parte de corporações financeiras, relações abusivas inspiradas em racismo, o machismo, a misoginia, os índices altíssimos de jovens negros mortos em comunidades vulneráveis, a exclusão e a objetificação da mulher. Reconheço, me preocupo e até me envolvo pessoalmente com algumas dessas pautas. (É importante mencionar que nem todos esses problemas são adequadamente qualificados por militantes ou adeptos a ideologias à esquerda). De qualquer forma, meu questionamento não se dirige à pauta, mas à metodologia. Quando sirvo o pobre com alguma ajuda financeira, ou criando oportunidades, ou quando trabalho no campo da ciência para a promoção da pesquisa a partir de uma mentalidade cristã, ou ainda, quando me engajo no campo político, a glória não pode ser de Darwin, Howkings ou Marx, deve ser de Cristo. Para isso, preciso me valer de uma metodologia baseada no radical senhorio de Jesus, e todas as implicações inerentes a uma vida sob seu governo. Claro que, pra muita gente, isso seria confundido com movimentos que se apropriaram de nomes como Kuyper e Dooyeweerd e que propõem uma espécie de “dominação” teonomista da realidade. Nenhum dos autores mencionados concordariam com tal experimento. Cristãos operam no mundo, sem pretensões triunfalistas, ao mesmo tempo que evitam o quietismo anabatista.

Temos realmente uma necessidade de lermos a missão por uma ótica das ciências sociais?

Orientados pelas Escrituras, temos que ler a missão por uma ótica radicalmente centrada no conhecimento do Deus Trino pelo drama messiânico de Jesus Cristo: encarnação, nascimento, vida, sofrimento, crucificação, sepultamento, ressurreição, ascensão e retorno. E, os desdobramentos da missão de Deus na história da Igreja. Temos as Escrituras e de maneira secundária a tradição cristã como fonte para esse conhecimento. Essa seria a matriz de uma sabedoria cristã que pode fundamentar e orientar a missiologia cristã. Por outro lado, dependendo da área em que a missão cristã está engajada, as diversas ciências, por graça comum, podem fornecer importantes ferramentas e informações sobre fenômenos ou comportamentos, que podem ser úteis para o missionário. Mas, isso é muito diferente de produzir ou ler a missão a partir de um determinado campo científico. O contrário seria verdadeiro: a partir da matriz que inspira a missão cristã já mencionada, ler as ciências (seja social, biológica, psicológica etc) inclusive para discernir o que deve ser acolhido com ações de graças, criticado ou rejeitado.

Você tem estado envolvido com trabalhos em comunidades carentes. Ao olharmos para as críticas de pensadores mais voltados para a teologia calvinista clássica, vemos um calor na crítica a missão integral, mas, talvez, não tanto calor em desenvolver trabalhos relevantes em relação ao problema da pobreza. Como a igreja deve lidar com isso e como você analisa esse fato de reformados não estarem tão preocupados com a práxis cristã?

Engraçado, nesses 6 anos diretamente envolvido com comunidades vulneráveis, particularmente crianças e adolescentes, e em contato e conhecendo vários projetos nessa direção aqui no Brasil e em outros lugares no mundo, como África, América Central e Oriente Médio, o que tenho percebido, ironicamente, é que os mais engajados com vulneráveis não são nem gente com uma missiologia mais à esquerda, e tampouco calvinistas, mas o pentecostal ou o evangelical no sentido mais simples do termo. Essa é a ironia da década, a meu ver. E, eles não estão ali por razões ideológicas, ou porque possuem uma missiologia sofisticada, simplesmente entendem que precisam servir tais comunidades com o evangelho e com o serviço de misericórdia. Claro que existem excelentes trabalhos nos dois grupos mencionados, de fato, conheço projetos sociais de gente inspirada em missiologias mais progressistas, como há igrejas calvinistas que possuem comprometimento social. Mas, precisamos reconhecer que, sem entrar no mérito da eficiência, é fato que a maioria das iniciativas nessa área são de gente que vive uma fé evangélica simples e com a Bíblia na mão, muitos pentecostais históricos. Talvez o que a igreja mais necessite neste momento seja exatamente isso: que ela seja mais evangélica. Nestes termos, entendo que nossos irmãos reformados possuem a lenha, mas eles podem ter o fogo, a disposição evangélica de conectar o que se crê com o que se deve fazer. Em contrapartida, nossos irmãos evangelicais podem ser mais profundos e mais competentes, superando a tentação do anti-intelectualismo. E, nossos irmãos ainda hipnotizados ou ideologicamente intoxicados, podem abraçar e redescobrir o frescor da velha e boa evangelicalidade. Todos nós somos passíveis de extremos, manter-se no centro dessa conversa exige muita energia, eventualmente escorregaremos, mas precisamos sempre regular nossas intenções a partir da centralidade do Evangelho e da suficiência da obra de Cristo, sem quem, nenhuma missão é possível.