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10 de nov. de 2014

Somente as Escrituras *

Por Morgana Mendonça dos Santos

"A palavra de Deus (Escritura) é verdadeira e não produz hipócritas, mas pessoas honradas e sinceras, e também pessoas que tem uma fé autêntica e uma correta opinião sobre Deus."

Martinho Lutero

Quinque Solae é como tornou-se conhecido os cinco pilares da Reforma Protestante, ou seja, os cinco pontos fundamentais do pensamento da Reforma Protestante. São esses: Sola Fide, Sola Scriptura, Sola Gratia, Solo Christus e Soli Deo Glória. Nossa ênfase nesse texto é Sola Scriptura, somente as Escrituras. O grito latino para combater a situação desviada que vivia a igreja no século XVI. Poderia me ater a toda questão histórica, política, filosófica, social e religiosa do tempo, mas preferi nesse pequeno ensaio enfatizar a natureza das Escrituras Sagradas. Paulo na sua carta ao jovem Timóteo declara um dos pontos centrais da doutrina que tem como reflexo a Reforma Protestante. 

Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra.” - 2 Timóteo 3.16-17 

Paulo afirma a divindade, inspiração e suficiência das Escrituras. A Reforma Protestante não foi um movimento criado pelo homem, o próprio Deus em Sua soberania e providência, em um momento tão crítico por onde a igreja caminhava, levantou o monge agostiniano Martinho Lutero para no dia 31 de outubro de 1517 fixar nas portas do Castelo de Wittenberg, suas 95 teses, contra aquilo que a Igreja Católica Romana estava pregando. O papa Leão X querendo reconstruir a basílica de São Pedro, cria as indulgências como um meio para arrecadar fundos financeiros de forma ilegítima e antibíblica para a construção. Lutero, ao deparar com esse desvio, conclama o Somente as Escrituras, desejando não dividir a igreja nem desvia-la da verdade, pelo contrário, levar a igreja de volta ao antigo evangelho, ao verdadeiro evangelho, as Escrituras Sagradas, a doutrina dos apóstolos.

Em alguns momentos importantes, algumas citações do reformador que nos leva para mais próximo do sentimento que florescia cada dia mais em seu coração: 

Um simples leigo armado com as Escrituras é maior que o mais corajoso Papa sem elas.” — Disputa teológica com João Maier, em 14 de julho de 1519.

A menos que possa ser refutado e convencido pelo testemunho da Escritura e por claros argumentos (visto que não creio no papa, nem nos concílios; é evidente que todos eles frequentemente erram e se contradizem); estou conquistado pela Santa Escritura citada por mim, minha consciência está cativa à Palavra de Deus. Não posso e não me retratarei, pois é inseguro e perigoso fazer algo contra a consciência... Que Deus me ajude. Amém!” Discurso de Lutero na Dieta de Worms (1521). 

 Portanto, no que se refere a natureza das Escrituras, de forma bem objetiva temos cinco pontos:

1. As Escrituras são INSPIRADAS: A palavra grega para "inspirado" significa literalmente "respirado por Deus para fora".

sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo.” - 2 Pedro 1.20-21

Em seu livro Sola Scriptura, Paulo Anglada afirma: "As Escrituras tem natureza divino-humana - elas são a Palavra de Deus escrita em linguagem humana, por pessoas em pleno uso de suas faculdades. Contudo, tais pessoas foram de tal modo dirigidas pelo Espírito Santo que tudo o que registraram nas Escrituras é livre de erro, constituindo-se em revelação infalível e inerrante de Deus ao homem." [1]

Na Confissão de Fé de Westminster lemos sobre o conceito de inspiração das Escrituras: "O Antigo Testamento em hebraico (língua original do antigo povo de Deus) e o Novo Testamento em grego (a língua mais geralmente conhecida entre as nações no tempo em que ele foi escrito), sendo inspirados imediatamente por Deus, e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são, por isso, autênticos, e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como para um supremo tribunal; mas, não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de Deus, que tem direito e interesse nas Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e estudá-las, esses livros têm de ser traduzidos nas línguas vulgares de todas as nações aonde chegarem, a fim de que a Palavra de Deus, permanecendo nelas abundantemente, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança pela paciência e conforto das Escrituras." [2] 

2. As Escrituras são INERRANTES: "Inerrante" significa simplesmente "sem erros" ou "verdadeiro".

Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só jota ou um só til, até que tudo seja cumprido.” - Mateus 5.17-18

A tua palavra é fiel a toda prova, por isso o teu servo a ama.” - Salmos 119.140

Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.” - João 17.17

"Inerrância" trata-se de um conceito estreitamente relacionado, mas é um termo mais recente e menos largamente, aceito. Traz a conotação de que a Bíblia não contém nenhum erro de ação (erros materiais), nem contradições internas (erros formais). No entanto, devemos compreender que tratamos aqui com referência aos originais e não as cópias. Na baixa crítica, isto é, na manuscritologia bíblica, entendemos a questão sobre erros voluntários ou involuntários dos copistas, ou seja, na cópia dos manuscritos por diversos fatores. Os conceitos de inerrância e infalibilidade sur­giram em discussões teológicas concernentes à inspiração das Escrituras. Outros reformadores também declararam:

"As Escrituras nunca erram…. onde as Sagradas Escrituras estabelecem algo que deve ser crido, ali não devemos desviar-nos de suas palavras." - Martinho Lutero

"O registro seguro e infalível". "A regra certa e inerrante". "A Palavra infalível de Deus". "Isenta de toda mancha ou defeito". - João Calvino

Provavelmente, os dois acontecimentos mais significativos no tocante à doutrina da infalibilidade e da inerrância foram a declaração sobre as Escrituras na Aliança de Lausanne (1974) e a Declaração de Chicago (1978) do Concílio Internacional da Inerrância Bíblica.

3. As Escrituras são INFALÍVEIS: "Infalibilidade" pode ser chamada de conseqüência sub­jetiva da inspiração divina, isto é, define a Escritura como confiável e fidedigna para aqueles que se voltam para ela em busca da verdade de Deus. Como fonte da verdade, a Bíblia é "indefectível" (ou seja, não pode falhar ou insurgir-se contra o padrão da verdade). Conseqüentemente, nunca falhará ou decepcionará qualquer um que confie nela.
Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta.” - Mateus 1.22

Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.” - Marcos 13.31

4. As Escrituras são AUTORITATIVAS: É divina, logo, não pode ser igualada a tradição, nem muito menos ao magistério. Nem aos pronunciamentos "ex cathedra" do sumo pontífice. As Escrituras tem origem e caráter divino, ou seja, está acima irrevogavelmente.

Por isso nós também, sem cessar, damos graças a Deus, porquanto vós, havendo recebido a palavra de Deus que de nós ouvistes, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo ela é na verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós que credes.” - 1 Tessalonicenses 2.13 

Em alguns dos seus artigos, Alderi Souza escreve:

"A autoridade da Escritura é superior à da Igreja e da tradição. Contra a afirmação católica: 'a Igreja ensina' ou 'a tradição ensina', os reformadores afirmavam: 'a Escritura ensina'." [3]  

Paulo Anglada, no seu livro Sola Scriptura, nos traz uma boa definição: "A autoridade da Bíblia decorre da sua origem divina. Ela é reconhecida pelo crente plenamente pelo testemunho interno do Espírito Santo, e não pode ser limitada de forma alguma. (...) Devemos ter cuidado com os grandes usurpadores da autoridade das Escrituras: o tradicionalismo, o emocionalismo e o racionalismo. (...) A fé reformada repudia a teologia liberal racionalista, que nega a autoridade das Escrituras; rejeita a neo-ortodoxia existencialista, que torna subjetiva a autoridade da Bíblia; e se recusa a aceitar a posição neo-evangélica, que limita a autoridade da Palavra de Deus ao seu conteúdo salvífico". [4]
E juntos com a Confissão de Fé de Westminster, declaramos: "A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus". [5]  

5. As Escrituras são SUFICIENTES: O próprio Apóstolo Paulo, falando a Timóteo, enfatizou a suficiência das Escrituras. Apontando para o seu proveito no ensino, na repreensão, na correção, na instrução em justiça, dessa forma o cristão esta preparado para toda boa obra. 

Tudo o que eu te ordeno, observarás; nada lhe acrescentarás nem diminuirás.” - Deuteronômio 12.32

Não acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor vosso Deus, que eu vos mando.” - Deuteronômio 4.2
Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse outro evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema.” - Gálatas 1.8

Anglada, mais uma vez, corrobora com a veracidade da suficiência: "Embora as Escrituras não sejam exaustivas, elas são suficientes em matéria de fé e prática. Nelas o homem encontra tudo o que deve crer e tudo o que Deus requer dele para que seja salvo, sirva-o, adore-o e viva de modo que lhe seja agradável. Damo-nos por satisfeitos com as Escrituras e repudiamos as tradições humanas e supostas novas revelações do Espírito". [6] 

Na Confissão Belga, de forma uníssona concordamos e afirmamos: "Cremos que a sagrada Escritura contém perfeitamente a vontade de Deus e que ensina suficientemente tudo aquilo que o homem precisa saber para ser salvo. Nela está detalhado e escrito cabalmente o modo de adoração que Deus requer de nós. Por isso, não é lícito a ninguém, nem mesmo a apóstolos, nada ensinar que seja diferente daquilo que agora nos ensina a Sagrada Escritura.; sim, nem que seja 'um anjo vindo do céu', como afirma o apóstolo Paulo (Gl 1.8). A proibição de acrescentar ou retirar qualquer coisa da Palavra de Deus (Dt 12.32), é evidência que a doutrina nela contida é perfeitíssima e completíssima em todos os sentidos. Não nos é permitido considerar quaisquer escritos de homens, por mais santos que tenham sido, como de igual valor ao das Escrituras Divinas; nem devemos considerar que costumes, maiorias, antigüidade, sucessão de tempos e de pessoas, concílios, decretos ou estatutos tenham o mesmo valor de verdade de Deus, porque a verdade está acima de tudo." [7]

E, diante desse contexto, onde a igreja já não valorizava as Escrituras, que os reformadores bradaram o Sola Escriptura e Tota Scriptura, lutaram e viveram com esse ardor, essa chama que não apagava dia após dia. Martirizados, ou levados às últimas instâncias, marcaram seu tempo e sua época com a sua vida. A piedade acompanhava a práxis. Para nós, um grade exemplo de fé e prática, sejamos desafiados a restaurar as antigas verdades, um dever de cada geração. 

E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Pois se alguém é ouvinte da palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem que contempla no espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era. Entretanto aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra, este será bem-aventurado no que fizer.” - Tiago 1.22-25

Seguindo um lema dos reformadores: “Ecclesia reformata, semper reformanda”.
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Notas:
[1] ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. p.188.
[2] Confissão de Fé de Westminster, capítulo I-VIII.
[3] Artigos sobre Reforma Protestante, site: www.mackenzie.com.br 
[4] ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. p. 188-189.
[5] Confissão de Fé de Westminster, capítulo I-IV.
[6] ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. p.189.
[7] As Três Formas de Unidades das Igrejas Reformadas. Confissão Belga artigo 7. p.16.

* Este artigo é uma versão ampliada do texto homônimo publicado no dia 24-10-2014. 

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