Por Morgana Mendonça dos
Santos
"A palavra de Deus (Escritura) é verdadeira e não produz
hipócritas, mas pessoas honradas e sinceras, e também pessoas que tem uma fé
autêntica e uma correta opinião sobre Deus."
Martinho Lutero
O Quinque Solae é como tornou-se conhecido os cinco pilares da Reforma Protestante, ou seja, os cinco pontos fundamentais do pensamento da Reforma Protestante. São esses: Sola Fide, Sola Scriptura, Sola Gratia, Solo Christus e Soli Deo Glória. Nossa ênfase nesse texto é Sola Scriptura, somente as Escrituras. O grito latino para combater a situação desviada que vivia a igreja no século XVI. Poderia me ater a toda questão histórica, política, filosófica, social e religiosa do tempo, mas preferi nesse pequeno ensaio enfatizar a natureza das Escrituras Sagradas. Paulo na sua carta ao jovem Timóteo declara um dos pontos centrais da doutrina que tem como reflexo a Reforma Protestante.
“Toda Escritura é divinamente
inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para
instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente
preparado para toda boa obra.” - 2 Timóteo 3.16-17
Paulo afirma a divindade,
inspiração e suficiência das Escrituras. A Reforma Protestante não foi um
movimento criado pelo homem, o próprio Deus em Sua soberania e providência, em
um momento tão crítico por onde a igreja caminhava, levantou o monge
agostiniano Martinho Lutero para no dia 31 de outubro de 1517 fixar nas portas
do Castelo de Wittenberg, suas 95 teses, contra aquilo que a Igreja Católica
Romana estava pregando. O papa Leão X querendo reconstruir a basílica de São
Pedro, cria as indulgências como um meio para arrecadar fundos financeiros de
forma ilegítima e antibíblica para a construção. Lutero, ao deparar com esse
desvio, conclama o Somente as Escrituras, desejando não dividir a
igreja nem desvia-la da verdade, pelo contrário, levar a igreja de volta ao
antigo evangelho, ao verdadeiro evangelho, as Escrituras Sagradas, a doutrina
dos apóstolos.
Em alguns momentos importantes,
algumas citações do reformador que nos leva para mais próximo do sentimento que
florescia cada dia mais em seu coração:
“Um simples leigo armado com
as Escrituras é maior que o mais corajoso Papa sem elas.” — Disputa
teológica com João Maier, em 14 de julho de 1519.
“A menos que possa ser
refutado e convencido pelo testemunho da Escritura e por claros argumentos
(visto que não creio no papa, nem nos concílios; é evidente que todos eles
frequentemente erram e se contradizem); estou conquistado pela Santa Escritura
citada por mim, minha consciência está cativa à Palavra de Deus. Não posso e
não me retratarei, pois é inseguro e perigoso fazer algo contra a
consciência... Que Deus me ajude. Amém!” Discurso de Lutero na Dieta
de Worms (1521).
Portanto, no que se refere
a natureza das Escrituras, de forma bem objetiva temos cinco pontos:
1. As Escrituras são
INSPIRADAS: A palavra grega para "inspirado" significa
literalmente "respirado por Deus para fora".
“sabendo primeiramente isto:
que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a
profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de
Deus falaram movidos pelo Espírito Santo.” - 2 Pedro 1.20-21
Em seu livro Sola
Scriptura, Paulo Anglada afirma: "As Escrituras tem natureza
divino-humana - elas são a Palavra de Deus escrita em linguagem humana, por
pessoas em pleno uso de suas faculdades. Contudo, tais pessoas foram de tal
modo dirigidas pelo Espírito Santo que tudo o que registraram nas Escrituras é
livre de erro, constituindo-se em revelação infalível e inerrante de Deus ao
homem." [1]
Na Confissão de Fé de
Westminster lemos sobre o conceito de inspiração das Escrituras:
"O Antigo Testamento em hebraico (língua original do antigo povo de Deus)
e o Novo Testamento em grego (a língua mais geralmente conhecida entre as
nações no tempo em que ele foi escrito), sendo inspirados imediatamente por
Deus, e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os
séculos, são, por isso, autênticos, e assim em todas as controvérsias
religiosas a Igreja deve apelar para eles como para um supremo tribunal; mas,
não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo de Deus, que tem direito e
interesse nas Escrituras, e que deve, no temor de Deus, lê-las e estudá-las,
esses livros têm de ser traduzidos nas línguas vulgares de todas as nações
aonde chegarem, a fim de que a Palavra de Deus, permanecendo nelas
abundantemente, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança pela
paciência e conforto das Escrituras." [2]
2. As Escrituras são
INERRANTES: "Inerrante" significa simplesmente "sem
erros" ou "verdadeiro".
“Não penseis que vim destruir
a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos
digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só
jota ou um só til, até que tudo seja cumprido.” - Mateus 5.17-18
“A tua palavra é fiel a toda
prova, por isso o teu servo a ama.” - Salmos 119.140
“Santifica-os na verdade, a
tua palavra é a verdade.” - João 17.17
"Inerrância" trata-se
de um conceito estreitamente relacionado, mas é um termo mais recente e menos
largamente, aceito. Traz a conotação de que a Bíblia não contém nenhum
erro de ação (erros materiais), nem contradições internas (erros formais).
No entanto, devemos compreender que tratamos aqui com referência aos originais
e não as cópias. Na baixa crítica, isto é, na manuscritologia bíblica,
entendemos a questão sobre erros voluntários ou involuntários dos copistas, ou
seja, na cópia dos manuscritos por diversos fatores. Os conceitos de
inerrância e infalibilidade surgiram em discussões teológicas concernentes
à inspiração das Escrituras. Outros reformadores também declararam:
"As Escrituras nunca
erram…. onde as Sagradas Escrituras estabelecem algo que deve ser crido,
ali não devemos desviar-nos de suas palavras." - Martinho
Lutero
"O registro seguro e
infalível". "A regra certa e inerrante". "A
Palavra infalível de Deus". "Isenta de toda mancha ou defeito".
- João Calvino
Provavelmente, os dois
acontecimentos mais significativos no tocante à doutrina da infalibilidade e da
inerrância foram a declaração sobre as Escrituras na Aliança de
Lausanne (1974) e a Declaração de Chicago (1978) do
Concílio Internacional da Inerrância Bíblica.
3. As Escrituras são
INFALÍVEIS: "Infalibilidade" pode ser chamada de
conseqüência subjetiva da inspiração divina, isto é, define a Escritura
como confiável e fidedigna para aqueles que se voltam para ela em busca da
verdade de Deus. Como fonte da verdade, a Bíblia é "indefectível"
(ou seja, não pode falhar ou insurgir-se contra o padrão da verdade).
Conseqüentemente, nunca falhará ou decepcionará qualquer um que confie nela.
“Ora, tudo isso aconteceu para
que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta.”
- Mateus 1.22
“Passará o céu e a terra, mas
as minhas palavras não passarão.” - Marcos 13.31
4. As Escrituras são
AUTORITATIVAS: É divina, logo, não pode ser igualada a tradição, nem
muito menos ao magistério. Nem aos pronunciamentos "ex cathedra"
do sumo pontífice. As Escrituras tem origem e caráter divino, ou seja, está
acima irrevogavelmente.
“Por isso nós também, sem
cessar, damos graças a Deus, porquanto vós, havendo recebido a palavra de
Deus que de nós ouvistes, a recebestes, não como palavra de homens, mas
(segundo ela é na verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós que
credes.” - 1 Tessalonicenses 2.13
Em alguns dos seus artigos, Alderi
Souza escreve:
"A autoridade da Escritura é
superior à da Igreja e da tradição. Contra a afirmação católica: 'a Igreja
ensina' ou 'a tradição ensina', os reformadores afirmavam: 'a Escritura
ensina'." [3]
Paulo Anglada, no seu livro Sola
Scriptura, nos traz uma boa definição: "A autoridade da Bíblia
decorre da sua origem divina. Ela é reconhecida pelo crente plenamente pelo
testemunho interno do Espírito Santo, e não pode ser limitada de forma alguma.
(...) Devemos ter cuidado com os grandes usurpadores da autoridade das
Escrituras: o tradicionalismo, o emocionalismo e o racionalismo. (...) A fé
reformada repudia a teologia liberal racionalista, que nega a autoridade das
Escrituras; rejeita a neo-ortodoxia existencialista, que torna subjetiva a
autoridade da Bíblia; e se recusa a aceitar a posição neo-evangélica, que
limita a autoridade da Palavra de Deus ao seu conteúdo salvífico". [4]
E juntos com a Confissão
de Fé de Westminster, declaramos: "A autoridade da Escritura
Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho
de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que
é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de
Deus". [5]
5. As Escrituras são
SUFICIENTES: O próprio Apóstolo Paulo, falando a Timóteo, enfatizou a
suficiência das Escrituras. Apontando para o seu proveito no ensino, na
repreensão, na correção, na instrução em justiça, dessa forma o cristão esta
preparado para toda boa obra.
“Tudo o que eu te ordeno, observarás;
nada lhe acrescentarás nem diminuirás.” - Deuteronômio 12.32
“Não acrescentareis à palavra
que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do
Senhor vosso Deus, que eu vos mando.” - Deuteronômio 4.2
“Mas, ainda que nós mesmos ou
um anjo do céu vos pregasse outro evangelho além do que já vos pregamos,
seja anátema.” - Gálatas 1.8
Anglada, mais uma vez, corrobora
com a veracidade da suficiência: "Embora as Escrituras não sejam
exaustivas, elas são suficientes em matéria de fé e prática. Nelas o homem
encontra tudo o que deve crer e tudo o que Deus requer dele para que seja
salvo, sirva-o, adore-o e viva de modo que lhe seja agradável. Damo-nos por
satisfeitos com as Escrituras e repudiamos as tradições humanas e supostas
novas revelações do Espírito". [6]
Na Confissão Belga,
de forma uníssona concordamos e afirmamos: "Cremos que a sagrada Escritura
contém perfeitamente a vontade de Deus e que ensina suficientemente tudo aquilo
que o homem precisa saber para ser salvo. Nela está detalhado e escrito
cabalmente o modo de adoração que Deus requer de nós. Por isso, não é lícito a
ninguém, nem mesmo a apóstolos, nada ensinar que seja diferente daquilo que
agora nos ensina a Sagrada Escritura.; sim, nem que seja 'um anjo vindo do
céu', como afirma o apóstolo Paulo (Gl 1.8). A proibição de acrescentar ou
retirar qualquer coisa da Palavra de Deus (Dt 12.32), é evidência que a
doutrina nela contida é perfeitíssima e completíssima em todos os sentidos. Não
nos é permitido considerar quaisquer escritos de homens, por mais santos que
tenham sido, como de igual valor ao das Escrituras Divinas; nem devemos
considerar que costumes, maiorias, antigüidade, sucessão de tempos e de
pessoas, concílios, decretos ou estatutos tenham o mesmo valor de verdade de
Deus, porque a verdade está acima de tudo." [7]
E, diante desse contexto, onde a
igreja já não valorizava as Escrituras, que os reformadores bradaram o Sola
Escriptura e Tota Scriptura, lutaram e viveram com esse
ardor, essa chama que não apagava dia após dia. Martirizados, ou levados às
últimas instâncias, marcaram seu tempo e sua época com a sua vida. A piedade
acompanhava a práxis. Para nós, um grade exemplo de fé e prática,
sejamos desafiados a restaurar as antigas verdades, um dever de cada
geração.
“E sede cumpridores da palavra
e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Pois se alguém é
ouvinte da palavra e não cumpridor, é semelhante a um homem que contempla no
espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se
esquece de como era. Entretanto aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da
liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra,
este será bem-aventurado no que fizer.” - Tiago 1.22-25
Seguindo um lema dos
reformadores: “Ecclesia reformata, semper reformanda”.
__________
Notas:
[1] ANGLADA, Paulo. Sola
Scriptura. p.188.
[2] Confissão de Fé de
Westminster, capítulo I-VIII.
[3] Artigos sobre Reforma
Protestante, site: www.mackenzie.com.br
[4] ANGLADA, Paulo. Sola
Scriptura. p. 188-189.
[5] Confissão de Fé de
Westminster, capítulo I-IV.
[6] ANGLADA, Paulo. Sola
Scriptura. p.189.
[7] As Três Formas de
Unidades das Igrejas Reformadas. Confissão Belga artigo 7. p.16.
* Este artigo é uma versão ampliada do texto homônimo publicado no dia 24-10-2014.
* Este artigo é uma versão ampliada do texto homônimo publicado no dia 24-10-2014.
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