Por
Mark Dever
Desde que me tornei um
cristão no Ensino Médio, o papel da congregação local tem sido importante para
mim. Eu me lembro de gastar algumas (tudo bem, muitas) horas, no meu primeiro
verão após tornar-me cristão, na biblioteca da minha igreja, compilando
estatísticas acerca da crescente membresia de nossa igreja, e comparando-as em
uma tabela com nossa frequência cada vez menor aos cultos. O gráfico que
fiz a partir de minha pesquisa, naquela era pré-computador, era um simples
quadro em um cartaz, com linhas cuidadosamente desenhadas para a membresia e a
freqüência, que divergiam notadamente em algum lugar nos anos 1940 ou 1950.
Embora eu tenha gastado horas e horas naquele cartaz – e nos diagramas por trás
dele –, ele ocupava apenas o mais limitado dos espaços em uma proeminente
parede em nossa igreja. Eu o afixei sem autorização (não havia levado isso em
consideração). Devida e rapidamente autorizada, contudo, foi a sua retirada.
À medida que eu crescia
como cristão, e meu entendimento da graça de Deus aumentava durante meus anos
de graduação e de seminário, minha preocupação com o nominalismo na igreja
também crescia. Muitas ditas “conversões” pareciam obviamente falsas para mim.
E eu me tornei cada vez mais desconfiado do evangelismo que havia gerado esses
diagramas inflados e, mais importante, essas pessoas ao mesmo tempo tão seguras
e tão inativas.
Durante meu doutorado,
contudo, cerca de dez anos atrás, minha mente começou a concentrar-se ainda
mais no tema da igreja, especialmente na centralidade da congregação local. Eu
me lembro, certo dia, de ter uma discordância com um amigo que trabalhava em um
ministério paraeclesiástico. Ele e eu freqüentávamos a mesma igreja. Eu havia
me tornado membro desde que me mudara para a cidade; ele, dois anos depois,
havia escolhido meramente freqüentar. E, mesmo assim, ele vinha apenas para o
culto da manhã, e apenas na metade dele, quando era o momento do sermão. Então,
um dia, eu decidi questioná-lo acerca disso.
Ele respondeu com sua
costumeira honestidade e transparência. “Na verdade, eu não tenho nenhum prazer
no resto do culto”, ele disse. “Você já pensou em tornar-se membro da igreja?”,
eu perguntei. Genuinamente surpreso, com um cacarejo inocente ele respondeu:
“Tornar-me membro da igreja? Eu honestamente não sei por que faria isso. Eu sei
para que estou aqui, e essas pessoas simplesmente me desacelerariam”. Essas
palavras soam frias quando as leio, mas elas foram proferidas com o fervor
típico, genuíno e humilde de um evangelista cheio de dons que não queria
desperdiçar uma hora do tempo do Senhor. Ele queria dispor seu tempo para o
melhor uso possível, e todas as preocupações e incômodos envolvidos em
tornar-se oficialmente membro de uma igreja faziam aquilo parecer de todo
irrelevante.
“Desacelerar” – suas
palavras reverberavam em minha mente. “Desacelerar”. Vários pensamentos
competiam em minha mente, mas tudo o que eu havia dito era uma simples pergunta
– “Mas você já pensou que, se der os braços a essas pessoas, sim, elas podem
desacelerá-lo, mas você pode ajudar a acelerá-las? Você já pensou que isso pode
ser parte do plano de Deus para elas, e para você?”. A conversa continuou, mas
a porção crucial e decisiva para o meu próprio pensamento era essa. Deus deseja
nos usar na vida uns dos outros – mesmo quando isso aparentemente implicar um
custo espiritual para nós.
Ao mesmo tempo, meus
estudos sobre o puritanismo estavam me dando a oportunidade de ler o
desenvolvimento dos debates teológicos acerca do governo eclesiástico no
período elizabetano e no início da dinastia Stuart. O Grande Debate na
Assembléia de Westminster era particularmente interessante para mim. Atraía-me
a afirmação de alguns dos “independentes” ou “congregacionais” de que, em
essência, a autoridade pastoral está vinculada ao relacionamento pastoral. Os
seus argumentos de que a congregação local seria também a última instância em
termos de disciplina e doutrina pareciam biblicamente persuasivas (ver Mt
18.17; 1Co 5; 2Co 2; Gl; 2Tm 4). Os papéis tanto do pastor como da congregação
pareciam adquirir uma nova importância para mim em termos de como o cristão
comum deve viver a vida cristã.
Então, em 1994, eu me
tornei pastor principal. Embora eu sempre houvesse respeitado o ofício de
presbítero e já houvesse servido em duas igrejas como presbítero, assumir o
papel do único presbítero reconhecido em uma congregação me levou a refletir
mais (e mais perto das origens) acerca da importância do ofício. Textos como
Tiago 3.1 (“havemos de receber maior juízo”) e Hebreus 13.17 (“deve prestar
contas”) permaneciam com freqüência em minha mente. As circunstâncias
conspiraram para enfatizar a mim a importância que Deus atribui à igreja local.
Eu me lembro de ler uma citação de John Brown, que, em uma carta com conselhos
paternais a um de seus pupilos recém ordenado para uma pequena congregação,
escreveu: “Eu conheço a vaidade do seu coração, e que você se sentirá
mortificado por sua congregação ser muito pequena, em comparação àquelas de
seus irmãos à sua volta; mas apegue-se à palavra de um velho homem: quando você
apresentar-se para prestar contas dela ao Senhor Cristo, em seu trono de
julgamento, você perceberá que teve o bastante”. Ao olhar para a congregação
que estava sob meu encargo, eu senti o peso dessa responsabilidade de prestar
contas a Deus.
Essa lição continuou a vir
a mim durante meu trabalho semanal ordinário. Ao pregar nos evangelhos, e
depois nas epístolas, eu tive repetidas oportunidades de refinar noções acerca
do amor cristão, indicando que, embora alguns textos de fato ensinem que nós
cristãos devemos amar a todos (p. ex., 1Ts 3.12), muitos dos textos comumente
usados para ensinar isso, na verdade, dizem respeito ao nosso amor uns pelos
outros. Eu me lembro de pregar em Mateus 25, apontar que as instruções sobre
dar copos de água fria eram para “estes meus pequeninos irmãos”, e, depois, uma
pessoa vir a mim e dizer-me que eu havia arruinado o “versículo de sua vida”!
Para mim, contudo, todas
as passagens sobre “uns aos outros” e “uns para com os outros” tornaram-se
vivas e começaram a dar corpo às verdades teológicas que eu conhecia acerca do
cuidado de Deus por Sua igreja. Ao pregar em Efésios 2-3, havia-se tornado
claro para mim que a igreja é o centro do plano de Deus para exibir Sua
sabedoria aos seres celestiais. Quando Paulo falou aos presbíteros de Éfeso,
ele se referiu à igreja como algo que “Deus [...] comprou com o seu próprio
sangue” (At 20.28). E, é claro, no caminho de Damasco, quando anteriormente
Saulo fora interrompido em sua rota de perseguição aos cristãos, o Cristo Ressurreto
não perguntou a Saulo por que ele perseguia aqueles cristãos, ou mesmo a
igreja; em vez disso, Cristo identificou-se de tal modo com Sua igreja que a
acusação feita a Saulo é “por que me persegues?” (At 9.4). A igreja era
claramente central no plano eterno de Deus, em Seu sacrifício, e em Suas
preocupações contínuas.
Talvez tudo isso pareça
mais como uma explanação em favor da centralidade da eclesiologia do que da
igreja local, mas, ao pregar pela Bíblia semana após semana, o que é inegável a
mim é que Tyndale fez uma boa decisão ao traduzir ecclesia por
“congregação”! A importância da rede de relacionamentos que compõem uma igreja
local é o palco no qual o nosso discipulado acontece. O amor é em grande medida
local. E a congregação local, então, é o lugar que pretende exibir esse amor
para que o mundo inteiro veja. Assim Jesus ensinou a seus discípulos em João
13.34-35: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu
vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois
meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros”. Eu vi amigos e familiares
separados de Cristo porque eles percebiam que esta ou aquela igreja local era
um lugar tão terrível. E eu vi amigos e familiares virem a Cristo por verem exatamente
esse amor que Jesus ensinou e viveu – o amor uns pelos outros, o tipo de amor
abnegado que Ele mostrou – e sentirem a atração humana natural por ele. Assim,
a congregação – a congregação como a câmara de ressonância da Palavra – se
tornou mais central em meu entendimento do evangelismo e de como nós deveríamos
orar e planejar nossa evangelização.
A congregação também se
tornou mais central em meu entendimento de como nós devemos discernir a
verdadeira conversão em outros, e como nós mesmos devemos ter segurança dela.
Eu me lembro de ficar perplexo diante de 1João 4.20-21 ao preparar-me para
pregar naquele texto: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é
mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a
Deus, a quem não vê [...]aquele que ama a Deus ame também a seu irmão”. Tiago 1
e 2 carregam a mesma mensagem. Esse amor não parece ser opcional.
Mais recentemente, essa
consideração acerca da centralidade da congregação trouxe ao meu pensamento um
novo respeito pela disciplina da igreja local – formativa e corretiva. Está
claro que, se nós devemos depender uns dos outros em nossas congregações, deve
haver disciplina como parte do discipulado. E se deve haver o tipo de
disciplina que nós vemos no Novo Testamento, nós devemos conhecer os outros,
estar comprometidos com eles, e deixar que eles nos conheçam. Nós devemos
também ter algum encargo de autoridade. Todos os aspectos práticos do encargo
de autoridade no casamento, no lar e na igreja são forjados no nível local.
Deixar de compreender isso e assumir uma postura de desgosto e ressentimento
para com a autoridade parece muito próximo àquilo tudo que a Queda representa.
Por conseguinte, compreender isso parece muito próximo do coração da obra
graciosa de Deus em restabelecer Seu relacionamento conosco – um relacionamento
em que autoridade e amor andam juntos.
Em suma, eu vejo por que
os cristãos no passado tratavam a falta de freqüência como um assunto tão
importante. E penso que posso ver que danos começaram a ocorrer em tantos
níveis quando começamos a assistir àquelas duas linhas da membresia e da
freqüência divergirem. Deixar de conceber decisões acerca da freqüência na
igreja como assuntos do interesse de toda a congregação e passar a vê-las
simplesmente como assuntos privados – não da nossa conta – trouxe devastação
para nossas congregações e para a vida de muitas pessoas que outrora as
freqüentavam.
Agora eu tenho mais
questões agitando minha mente, questões acerca de seminários e “líderes
cristãos” que estão em um lugar diferente a cada semana, e pastores que não
entendem a importância da congregação, e as pobres ovelhas que vagam, como
muitos consumidores frustrados, de uma congregação para outra. Se Deus quiser,
a década por vir será tão interessante quanto essa que acaba de passar.
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Este artigo originalmente
apareceu na edição de Janeiro-Fevereiro de 2002 da Modern
Reformation, e foi revisada e republicada aqui com permissão. Modern
Reformation pode ser encontrada online em www.modernreformation.org.
Fonte: Ministério Fiel
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