Por
Franklin Ferreira
Nos
séculos XVI e XVII, houve duas tentativas para estabelecer colônias
protestantes no Brasil, mas o protestantismo brasileiro se originou de um duplo
avanço: a imigração estrangeira, de anglicanos ingleses, luteranos alemães e
reformados suíços, e a vinda de missionários ingleses e americanos. O
protestantismo começou a ser implantado de fato no Brasil com a chegada de um
missionário congregacional, o escocês Robert Reid Kalley, ao Rio de Janeiro, em
1855. E o primeiro missionário presbiteriano a chegar ao Brasil foi Ashbel
Green Simonton, em 1859. Seu cunhado, Alexander Blackford, chegou em 1860, e
Francis Schneider em 1861. Todos eles foram enviados pelas igrejas presbiterianas
do norte dos Estados Unidos (PCUSA). Em pouco tempo, já havia igrejas
presbiterianas no Rio de Janeiro e em São Paulo, e em 1870 foi fundada o que
hoje é uma das mais importantes universidades brasileiras, a Universidade
Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Mais
tarde, chegaram missionários metodistas (em 1867) e batistas (em 1881) ao
Brasil. Em 1865, foi ordenado o primeiro ministro evangélico brasileiro, José
Manoel da Conceição.
O
padre protestante
José
Manoel da Conceição nasceu em São Paulo, em 15 de março de 1822, filho de
Manoel da Costa Santos e de Cândida Flora de Oliveira Mascarenhas. Logo depois,
a família mudou-se para Sorocaba, onde Conceição foi educado por seu tio-avô, o
padre José Francisco de Mendonça. Ele escreveu mais tarde:
Fui
muito devoto até os 16 anos. Depois que a religião começou a influir no meu
coração, comecei a sofrer de melancolia pelo retrospecto que fazia sobre a
minha vida passada. [...] Aos 18 anos, comecei a ler a Bíblia. Apenas tinha
lido os três primeiros capítulos do Gênesis, quando notei que a prática e a
doutrina da igreja romana faziam oposição direta e irreconciliável com aquilo
que [eu] amava ou tinha por verdadeiro.
Nessa
época, conheceu algumas famílias de protestantes ingleses e alemães que o
impressionaram por sua devoção e estudo da Bíblia. Depois de se destacar no
estudo da teologia, tendo sido influenciado pelos ensinos jansenistas, José
Manoel da Conceição foi ordenado padre, em 1845:
Eu
estava destinado ao sacerdócio, mas a leitura da Bíblia e os meus contatos com
os protestantes tornaram-me um mau candidato e, depois, um pobre, muito pobre
padre católico romano. Todos os outros padres, exceto o bispo, chamavam-me de
padre protestante.
A
hierarquia católica não confiava nele, de forma que Conceição veio a ser
transferido ao gosto das autoridades. Ele foi enviado para Limeira e depois
passou a ser transferido de uma paróquia a outra; durante quinze anos serviu em
Monte Mor, Piracicaba, Taubaté, Ubatuba, Santa Bárbara e, finalmente, em 1860,
em Brotas. Como observou Boanerges Ribeiro, sem que percebesse, o bispado
traçava o percurso da Reforma na sua diocese. Em cada uma dessas igrejas, ele
se dedicava a reavivar a espiritualidade cristã, centralizando-a na pregação e
leitura da Bíblia. Em meados de 1863, Conceição passou por uma profunda crise
espiritual, centrada na questão da salvação pela graça e no lugar das obras na
vida cristã. Como Martinho Lutero, séculos antes, Conceição condenava as
indulgências que proporcionavam uma falsa paz, que “implica e explica a negação
da graça de Jesus”. Não sendo possível permanecer no exercício do ministério,
foi dispensado de suas funções, indo viver numa casa perto de São João do Rio
Claro. “Estudaria primeiro as doutrinas reformadas no sossego da chácara; depois,
publicamente professaria a fé em Cristo e enfrentaria a controvérsia
subseqüente e inevitável.” Alexander Blackford, que ouvira falar do padre
protestante, encontrou-o aí. Ele foi batizado na Igreja Presbiteriana do Rio de
Janeiro, em 23 de outubro de 1864:
Ao
som do harmônio e de vozes humanas que cantavam hinos, eu fui conduzido a uma
fonte de águas puras. Imaginem dois anjos... [...]. Tais eram os dois ministros
de Deus [Blackford e Simonton] que velavam em meu favor. Levaram-me e me
cobriram de bênçãos. Este foi para mim um momento solene.
Por
entender que não era suficiente ter abandonado a Igreja Católica, a que ele
serviu por tantos anos, uma nova crise começou, por causa da advertência
bíblica de não zombar de Deus. Durante algum tempo, Conceição evitou os
missionários, fugindo de suas visitas, até que ele ouviu estas palavras:
“O
sangue de Jesus Cristo purifica de todo pecado.” Dia a dia, essas palavras
tornaram-se mais claras e tiveram mais atração sobre mim. Como despertado de um
longo sono, eu sentia que se firmavam em meu espírito essas incríveis palavras
e, ao mesmo tempo, operou-se o meu restabelecimento.
A
reforma evangélica em Brotas
Brotas
foi a última paróquia onde Conceição serviu como padre. Muitos de seus
paroquianos haviam conhecido suas lutas espirituais e alguns partilhavam delas.
Por isso, depois de ser batizado na Igreja Presbiteriana, Conceição mudou-se
para Brotas, a fim de pregar de casa em casa. Como resultado desses esforços,
onze adultos e dezessete crianças foram batizados. A Igreja Presbiteriana de
Brotas, a terceira fundada no país, desenvolveu-se de maneira extraordinária.
Em 1867 possuía sessenta e um membros; cento e dezesseis membros, em 1871, e
cento e quarenta membros, em 1874. Esses cristãos pertenciam a diversas
famílias da região, sendo que alguns eram ex-escravos. A Igreja de Brotas era,
nessa época, uma das maiores igrejas protestantes do Brasil, ao lado da Igreja
do Rio de Janeiro. Essa igreja plantou duas outras igrejas presbiterianas,
entre elas a da Borda da Mata, fundada em 1869, com o batismo de quinze adultos
e vinte crianças, e a de Dois Córregos, constituída de dezenove membros adultos
e quinze crianças. O missionário Francis Schneider relatou que dava gosto ver o
desejo do povo de Brotas de ouvir e aprender o evangelho. Poucas daquelas
pessoas sabiam ler; contudo, muitas faziam um rápido progresso na vida
espiritual, e com muito zelo propagavam o conhecimento do evangelho entre os
parentes e conhecidos. Era admirável ver gente que não sabia ler falar com
tanto acerto e animação sobre a graça de Deus e a salvação que Jesus nos
adquiriu. “Foi para mim uma prova evidente de que o evangelho de Jesus Cristo é
uma virtude de Deus para tornar sábios os simples, capaz de encher duma
sabedoria divina os mais ignorantes que o recebem em seu coração.” Em 16 de
dezembro de 1865, Simonton, Blackford e Schneider organizaram, em São Paulo, o
Presbitério do Rio de Janeiro, constituído de três igrejas, Rio de Janeiro, São
Paulo e Brotas, e ligado ao Sínodo de Baltimore, nos Estados Unidos. No dia
seguinte, 17 de dezembro de 1865, Conceição foi ordenado ao ministério
pastoral. Ashbel Simonton escreveu:
José
Manoel da Conceição, que se achava presente, participou seu desejo de
ordenar-se ministro do evangelho de Jesus Cristo. Resolveu o presbitério,
respondendo à consulta do moderador, proceder aos exames indispensáveis,
interrogando o candidato sobre os motivos que o levaram a desejar o Ministério
da Palavra. Feitas várias perguntas sobre as provas que possuía de sua vocação,
bem como sobre se adotava cordialmente a confissão de fé presbiteriana, a todas
Conceição respondeu [de modo satisfatório], professando-se levado unicamente
pelo sentimento de dever e pelo desejo de contribuir para a salvação das almas
e a glória de Jesus Cristo.
O
evangelista itinerante
Brotas,
entretanto, não havia sido a única paróquia em que Conceição serviu. Logo que
uma igreja se tivesse constituído, ele passava a visitar outras cidades nas
quais havia servido como padre, pregando para auditórios de cem a duzentas
pessoas, sem oposição. Em nova viagem, dirigiu-se a Sorocaba, onde ocorreu
impressionante resposta ao evangelho — ele enviou a Blackford uma lista com os
nomes de noventa pessoas que deveriam ser visitadas como resultado de sua
pregação ali. Depois, Conceição regressou a Brotas, começando nova viagem,
pregando em Limeira, Campinas, Bragança e Atibaia. Iniciou nova viagem, após
chegar a São Paulo, no começo de junho. Ele pregou em São José dos Campos,
Caçapava, Taubaté, Pindamonhangaba, Aparecida, Guaratinguetá, Queluz, Rezende,
Barra Mansa e Piraí. Daí, foi ao Rio de Janeiro, onde participou da ordenação
pastoral de George Chamberlain, mas em meados de julho retomou em sentido
inverso sua viagem pelo Vale do Paraíba, chegando a São Paulo no começo de
outubro.
Após
um mês de pregação em São Paulo, Conceição inicia, no fim de outubro, a
evangelização do norte do estado: Cotia, Ibiúna, Piedade, São Roque,
Piracicaba, Porto Feliz, Itu e Brotas, onde permaneceu durante algumas semanas,
para voltar por Itaquari, Rio Claro, Limeira, Piracicaba, Capivari, Campinas,
Bragança, Atibaia, Nazaré, Santa Isabel, chegando em dezembro a São Paulo.
Em
fins de janeiro de 1867, começou nova viagem para Jacareí, Taubaté,
Pindamonhangaba, voltando por Caçapava, São José, Jacareí, Taubaté e São Paulo.
Permaneceu em São Paulo durante uma semana, dirigindo-se, em fevereiro, para o
sul de Minas, pregando em Santa Isabel, Nazaré, Santo Antônio da Cachoeira,
Bragança, Amparo, Mogi Mirim, Ouro Fino, chegando a Borda da Mata e, depois, a
Santa Ana. Em 2 de abril, Conceição recebeu sua sentença de excomunhão, em São
Paulo, para onde havia regressado. Ele escreveu uma resposta a essa sentença,
dizendo:
A
Reforma veio, mas veio de Deus, de Quem só podia vir. Os instrumentos, porém,
de que Deus se quis servir, foram os seus servos eleitos, que conhecem,
professam e ensinam as puras doutrinas de sua santa Palavra. [...] Quando a
Bíblia correr pelas mãos de todos os povos, então se hão de realizar as
promessas do Salvador, que a religião dele prevalecerá em toda a terra.
Manifestarse- á, então, a universalidade de sua igreja. Gozar-se-ão a paz, a
felicidade e prosperidade, prometidas por Deus ao mundo, e aneladas agora pelas
nações. Não há reforma possível que não comece por reafirmar: que Cristo
crucificado uma só vez no Calvário é a única e suficiente expiação pelo pecado,
e já não há mais oferenda pelo pecador; que os méritos de Cristo estão ao
alcance de toda a alma contrita e crente; que a essência de uma vida cristã
está na reabilitação do homem interior, e não há força capaz de efetuar tal
transformação, exceto o Espírito de Deus, com quem estamos em contato imediato.
Pedindo, receberemos; buscando, acharemos; batendo, abrir-se-nos-á.
Em
maio, partiu novamente em viagem pelos arredores de São Paulo. Depois,
dirigiu-se ao Rio de Janeiro, pregando e evangelizando em Copacabana, São
Cristóvão e Cascadura. Apresentou, numa reunião do presbitério que se realizava
no Rio de Janeiro, no Campo de Santana, um relatório detalhado, no qual seu
entusiasmo é evidente:
Nós,
porém, que temos visto (com os nossos próprios olhos e ouvido, com os nossos
próprios ouvidos) o poder da Palavra de Deus na conversão das almas, quer em
sua letra, quer em seu espírito; nós que temos visto as crianças irem, cantando
e saltando, quebrar os ídolos de seus pais, e outras, pregando com a Bíblia nas
mãos a seus pais e vigários; nós sabemos, e com júbilo vos anunciamos que a
evangelização em nosso país é a realidade mais benéfica em todos os resultados;
e temos confiança, e ansiosamente desejamos vê-la progredir, concorrendo com
quanto houver em nossas poucas forças para que mais e mais Jesus Cristo ganhe
almas para sua glória.
Conceição
fez várias viagens no decurso de um ano. Mas seu estado de saúde começou a
declinar. Os membros do presbitério, que acabavam de ouvir seu relatório,
entenderam ser necessário que ele descansasse e o enviaram para os Estados
Unidos, para que expusesse lá o trabalho realizado no Brasil. Conceição partiu
em agosto de 1867. Nos Estados Unidos, ele esteve pregando durante oito meses
nas igrejas portuguesas de Jacksonville e Springfield, em Illinois. Ele também
se dedicou a preparar traduções de livros e a revisão de uma versão em
português do Novo Testamento, para a Sociedade Bíblica Americana.
Francisco
de Assis do Brasil
Em
1868, Conceição regressou ao Brasil, participando da reunião do presbitério
realizada em São Paulo. Mas ele retomou as viagens e, no fim de outubro, foi ao
Rio de Janeiro, passando por Angra dos Reis e Parati. Depois, pregou em Cunha e
Lorena, onde houve perseguição. Em janeiro de 1869, partiu para Atibaia,
Bragança, Amparo, Socorro e São José dos Campos. Em julho, voltou a São Paulo,
onde participou de mais uma reunião do presbitério. Mas, como disse Alderi
Matos, “o trabalho havia mudado durante a estada de Conceição no exterior. A
ênfase era outra: não mais o febril desbravamento, mas a consolidação em torno
de alguns centros. Seu relatório foi considerado demasiado longo e recebido com
certo desinteresse”. Assim, daí por diante, Conceição fazia sozinho suas
viagens de pregação, como havia feito no começo. Ainda de acordo com Alderi
Matos, “nunca mais ele teve companheiros de estrada; nunca mais compareceu ao
presbitério nem lhe prestou relatório”. Não ocorreu um rompimento entre ele e
seus companheiros, mas Conceição agora se dedicava integralmente à
evangelização itinerante. Em 1870, Conceição esteve em São Paulo e, em 1872, no
Rio de Janeiro, Queluz, Caldas e outras cidades de Minas Gerais. Depois, esteve
no litoral de São Paulo, em Areias e Mambucaba. Em 1873, esteve novamente em
Queluz, São Paulo, Rio de Janeiro, Piraí, Campo Belo e Caraguatatuba, sempre
enfrentando perseguições e ataques pessoais. Certa vez, escreveu Boanerges
Ribeiro:
Aproximava-se
a hora do destino em que a jovem igreja nacional criaria seu próprio método de
desbravamento e propagação evangélica: a luta árdua e exaustiva das estradas,
de fazenda em fazenda; o contato pessoal e direto com a pessoa evangelizada; a
oração de joelhos na salinha de chão batido e, sobretudo, o poder de um homem
possuído do Espírito Santo e disposto a matar-se, pregando a cada família, de
casa em casa, de indivíduo a indivíduo, de alma a alma.
Nessa
época, nas poucas vezes em que encontrou os missionários, Conceição se mostrou
afetuoso, mas com saúde cada vez mais frágil. No fim de 1873, Blackford
convenceu-o a repousar no Rio de Janeiro, numa casa que foi alugada para esse
fim, em Santa Teresa. Dessa vez, Conceição tomou um trem, mas numa baldeação em
Piraí, por estar descalço e malvestido, foi preso pela polícia. Passou três
dias na prisão e, depois de liberto, não tinha dinheiro para comprar uma nova passagem.
Continuou a pé seu caminho, sob o sol, caindo prostrado, na noite de 24 de
dezembro, na estrada da Pavuna. Foi levado para a Enfermaria Militar do
Campinho, onde o major Augusto Fausto de Souza, chefe da enfermaria — que se
converteu ao evangelho depois — conseguiu-lhe um leito e alimentos. Tendo
agradecido aos que o haviam socorrido, pediu que o deixassem “só com seu Deus”
e morreu, vítima de insolação, privações e fadiga de suas longas viagens, na
madrugada de 25 de dezembro de 1873. “Conceição era de uma simplicidade
incrível”, escreve Elben Lenz César, “não obstante fosse muito preparado: sabia
comunicar-se com os estrangeiros em suas próprias línguas, traduzia livros do
inglês, do francês e do alemão, e tinha noções de medicina. Chegava a se vestir
mal, roupa surrada demais. A herança que recebeu da família foi toda
distribuída com obras de beneficência. Preocupava-se demais com os outros e
muito pouco consigo mesmo. Embora desimpedido do voto do celibato por ter se
desligado de Roma, o Padre José, como era chamado, nunca se casou, e sua pureza
de vida sempre estava fora do alcance de qualquer maledicência. Não era servil
aos missionários americanos, não obstante ser o único obreiro nacional no meio
deles. Por causa de sua experiência na Igreja Católica, morria de medo de uma
igreja excessivamente organizada.
(...)
Conceição sonhava com um movimento profundo de reforma nos sentimentos e
experiência religiosa do povo, aliado ao esclarecimento bíblico, que tornasse
possível a criação de um cristianismo brasileiro puro e evangélico, mas
enraizado nas tradições e hábitos populares”. José Manoel da Conceição foi
sepultado no cemitério de Irajá, mas três anos depois, em 1877, seu corpo foi
transferido para o Cemitério dos Protestantes de São Paulo, sendo sepultado ao
lado do túmulo de Ashbel Simonton. Em sua lápide está gravado: “Não me
envergonho do evangelho de Cristo”, numa referência a Romanos 1.16. Durante
vinte anos Conceição foi sacerdote católico e durante oito anos foi pastor
protestante. São suas estas palavras:
O
bem-estar de minha pátria, a moralização da sociedade, cuja felicidade só o
evangelho pode assegurar, e a salvação eterna dos homens são os fins que tenho
em vista. Estou nas mãos de Deus, e à disposição de todos a quem possa servir
no evangelho de Jesus Cristo.
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Fonte:
Ministério Fiel
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