Por Carl Trueman
Enquanto a igreja no
Ocidente enfrenta uma marginalização social que ela não conheceu por mais de
1500 anos, a questão das marcas da igreja, aquelas características
identificadoras que ela possui, provavelmente se tornará mais urgente.
Abordagens reformadas tradicionais tendem a oferecer três marcas: A Palavra
fielmente pregada, os sacramentos devidamente administrados e a disciplina da
igreja corretamente aplicada. Sempre houve alguma flexibilidade entre a
tradição reformada com respeito a esses pontos. Calvino defendeu somente duas
marcas explícitas, Palavra e sacramentos, enquanto a Assembleia de Westminster
colocou a adoração no lugar da disciplina. Lutero, contudo, ofereceu sete: 1. A
Palavra, 2. Batismo, 3. Eucaristia, 4. As chaves exercidas publicamente, 5.
Ministério ordenado, 6. Oração, louvor público e ações de graças a Deus, 7. A
posse da sagrada cruz.
Nós podemos, claro, ver
pontos de sobreposição fundamentais entre Lutero e os reformados aqui (e.g., a
Palavra é primária), e também reduzir o número ao contar batismo e eucaristia
como um. Sua grande contribuição encontra-se no último ponto, posse da sagrada
cruz.
Ao tornar a posse da
sagrada cruz em uma marca da igreja, Lutero faz três coisas. Primeiro, ele
oferece um contraponto polêmico ao culto católico romano das relíquias, no qual
pedaços da verdadeira cruz e frascos do sangue de Cristo eram centrais.
Justificação pela graça por meio da fé não tinha necessidade de tais coisas.
Segundo, ele conecta sua visão da verdadeira igreja à ideia tradicional do
rastro de sangue, na qual perseguição externa validava a verdade do testemunho
da igreja, dado que as trevas sempre perseguirão a luz. É por isso que
martiriologias como as de Foxe eram tão importantes na Reforma. Elas ofereciam uma resposta, embora simplista
e geralmente tendenciosa, à questão de onde a igreja tinha estado entre ca. 500
e ca. 1500. Terceiro, e mais
importante, ao focar a cruz Lutero colhe da noção paulina da cruz como
revelação dos propósitos de Deus e critério de verdade em teologia e na vida da
igreja. Esse último ponto é
possivelmente sua mais importante e original contribuição para a doutrina da
igreja. Ela conecta-se a seu entendimento de revelação, do evangelho e da
personificação dessas duas coisas na igreja antes da Segunda Vinda e o Juízo
Final.
A doutrina de Paulo sobre
a cruz em 1 Coríntios e sobre a igreja em 2 Coríntios aponta para o fato de que
o reino está por sua própria natureza atualmente oculto sob sofrimento e
contradição. Isso não deve ser uma fonte de desespero para o crente, pois o poder
de Deus verdadeiramente se manifesta em e por essa fraqueza. Ao pegar essa ideia paulina e torná-la em
uma marca da verdadeira igreja, Lutero certamente adiciona uma dimensão a nosso
entendimento de eclesiologia que as taxonomias reformadas tradicionais deixaram
escapar. É também uma que deveríamos recapturar, pois ao colocar a fraqueza em
seu contexto teológico e eclesiológico correto, ela oferece um quadro de
referência para entender as dificuldades que a igreja agora enfrenta e que
provavelmente enfrentará com crescente frequência e intensidade no que se pode
ver do futuro. Para Lutero, assim como Paulo, a igreja reflete a cruz: poder
aperfeiçoado em fraqueza. E, como a cruz, a igreja assim revela aqueles que
estão sendo salvos (aqueles que compreendem a fraqueza dela) e aqueles que
estão perecendo (aqueles que a desprezam por sua fraqueza).
Fonte: Reforma 21
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