Por Filipe Fontes
Recebi, recentemente, uma
pergunta de uma amiga de adolescência sobre o “culto infantil”. Foi uma
oportunidade de pensar sobre o assunto, e sistematizar algumas ideias. Como
pode ser útil a outras pessoas, resolvi publicar minha resposta.
Prezada amiga,
Receber sua pergunta
alegrou meu coração. Dentre outras razões, ela me fez perceber o seu zelo na
educação de filhos, bem como seu apreço pela igreja e a Palavra de Deus. Seja
Ele louvado por isso!
Ao mesmo tempo, sua
pergunta me encheu de temor. Pois, uma vez que parto do princípio de que esta
não é uma questão normatizada claramente pela Escritura, o risco de falar mais
da minha parte do que da parte do Senhor me traz algum receio. Por isso, eu
gostaria de começar minha resposta com dois pedidos:
1) Não receba minhas
palavras como a resposta final sobre a questão; tenha sua consciência cativa a
Cristo somente.
2) Se você estiver
envolvida em alguma controvérsia prática sobre a questão, avalie bastante antes
de tomar qualquer atitude que possa causar males ao corpo de Cristo. Não
desconsidero o fato de que, às vezes, determinadas atitudes enérgicas devem ser
tomadas, mesmo ao custo da paz. Mas isto não deve acontecer, senão, por amor à
glória de Cristo e à verdade.
Dito isto, vamos à
questão. Pensemos juntos: o que seria “culto infantil”?
a) Um culto de crianças,
movido por um espírito rebelde e separatista? Se é isto (se é que isso
existe?), o culto infantil é, por natureza, pecaminoso. Como pecaminoso é todo
culto movido por espírito rebelde e separatista, seja ele promovido por
“homens”, “mulheres”, “jovens”, “adolescentes”, “negros”, “brancos”,
“brasileiros”, “argentinos”, etc. Ele é pecaminoso por que depõe abertamente
contra o princípio da unidade do corpo de Cristo, claramente estabelecido pela
Palavra de Deus (Gálatas 3.26-29).
b) Um culto promovido
pelas crianças, debaixo da orientação de adultos? Se é isto, o culto infantil é
apenas o resultado da ação de Deus trabalhando com e nas famílias da aliança.
Você é presbiteriana como eu. Nossas igrejas possuem sociedades internas (no
caso das crianças a UCP – União de Crianças Presbiterianas). Não vejo porque
proibir as crianças, organizadas em sociedade, de promover um culto debaixo da
orientação dos adultos. Proibir isto não seria como cair no equívoco dos
discípulos (Mateus 19.13-14), condenado por Jesus? Aproveito para compartilhar:
Como você sabe tenho dois filhos (a mais velha tem 5 anos). De vez em quando eu
encontro minhas crianças “brincando” de culto. Há quem diria que eu devesse
repreendê-las, mas louvo a Deus todas as vezes em que isto acontece, porque
para criança brincadeira é coisa séria.
c) A separação das
crianças no momento da mensagem, a fim de que elas recebam ministração adequada
à capacidade de compreensão delas? Eu creio que esta é a prática mais comumente
definida como culto infantil atualmente, e, possivelmente, é sobre isso que
você deseja saber. Quanto a isto, eu gostaria que você soubesse duas coisas,
inicialmente. A primeira é que eu não creio que tenhamos clareza suficiente na
Revelação para definir esta questão. Para mim, ela se encontra entre aquelas
que, segundo a nossa Confissão de Fé, são circunstâncias quanto ao culto de
Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm
de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as
regras da Palavra, que sempre devem ser observadas (CFW, 1.6). A segunda é que,
talvez, eu tenha a mesma quantidade de dúvidas que você, ou mais. Eu sei que a
imagem do “pastor seguro e sapiente” habita o imaginário popular, mas acredite,
há crises bastante comuns para ovelhas e pastores, e essa é uma que me une a
você.
De um lado, eu aprecio a
prática de ter as crianças juntamente dos adultos durante a mensagem.
- Ela é um testemunho
da unidade do corpo de Cristo (Gálatas 3.26-29).
- É também um
testemunho do caráter familiar da aliança de Deus com o seu povo, isto é, do
fato de que Deus trabalha não apenas com indivíduos, mas com famílias (Gênesis
18.19).
- Existem textos
bíblicos narrativos que apontam para o desejo e prazer de Deus na vida
comunitária, com menção inclusiva das crianças (Josué 8.35; II Crônicas 20.13;
Joel 2.15-16).
- Ela é uma
oportunidade de aprendizado para as crianças. É comum que a defesa “culto
infantil” argumente com a impossibilidade das crianças de aprenderem durante o
culto comunitário. Eu não creio que este argumento seja convincente. Crianças
podem aprender durante o culto, o que não exclui a mensagem pregada, sobretudo
quando adequadamente acompanhadas pelos pais. Neste ponto, talvez seja bom
lembrar que, além do aprendizado teórico-racional, existe aprendizado de cunho
comportamental (como se portar), empírico (sacramentos), estético (música),
etc.
Por outro lado, eu
compreendo o esforço para se comunicar de modo mais direto com as crianças.
- A adequação é um
princípio bíblico (Eclesiastes 3.11), que resulta logicamente de nossa crença
no fato de que a realidade foi criada.
- A adequação do
processo educacional é um princípio bíblico, apresentado inclusive, segundo
determinados teólogos, no texto clássico de Provérbios 22.6. Para aprofundar
esta questão, sugiro a leitura do artigo do Dr. Daniel Santos – A proposta
pedagógica de Provérbios 22.6 (disponível aqui)
- Existem textos
bíblicos narrativos que descrevem reuniões do povo de Deus para a leitura e
exposição da Bíblia, em que parece ter havido distinção entre “os que podiam
entender” e “os que não podiam entender” (Neemias 8.2-3).
- Mesmo considerando a
possibilidade de aprendizado das crianças durante uma mensagem que tem como
público alvo mais direto os adultos (é absolutamente difícil contemplar ambos
os públicos num mesmo discurso), é inegável que tê-las mais diretamente como
objeto de recepção da mensagem pode promover maior aproveitamento e aprendizado
por parte delas.
- Muitas famílias,
lamentavelmente, têm deixado de cumprir a parte que lhes cabe na educação de
seus filhos, razão pela qual a igreja, o culto, os pais, e as próprias crianças
tem padecido profundamente.
Diante destes
apontamentos, seguem minhas considerações finais:
1) Eu não estou seguro
para afirmar que permitir que as crianças recebam ministração mais acessível à
compreensão delas seja, necessariamente pecaminoso, embora, particularmente, eu
tenha preferência e me alegre com a permanência delas no templo, debaixo da
orientação de seus pais.
2) Eu também não estou
seguro para afirmar que o que chamamos de “culto infantil” seja a única e
melhor maneira para ministrar a Palavra de Deus de forma compreensível a
adultos e crianças no culto público. Sou desejoso de encontrar um meio para que
adultos e crianças sejam contemplados juntos pela Pregação da palavra. I have a
dream!
3) Mas, de uma coisa eu
estou seguro: as igrejas que optaram por este modo de fazer devem normatizar e
acompanhar melhor o seu funcionamento, planejando-o e executando-o de modo a
evitar dois perigos comuns: Primeiramente, a ideia de que as crianças prestam
um culto paralelo. Na verdade, elas prestam o mesmo culto. Para vias de contra
argumento, lembre-se de que, pela natureza espiritual do culto (João 4.23-24;
Hebreus 12.22-24), não podemos restringi-lo ao espaço físico. Em segundo lugar,
evitar que o momento de ministração às crianças dê lugar a atividades
periféricas como (brincadeiras, filminhos, lanchinhos, etc). Neste sentido,
tenho visto algumas atitudes úteis:
a) Mudança de
nomenclatura. Talvez “mensagem para as crianças” seja melhor do que “culto
infantil”.
b) Inclusão e treinamento
de oficiais da igreja (pastores e presbíteros) para a ministração às crianças.
A identificação entre aquele que dirige o culto e aquele que ministra a
mensagem para as crianças, pode deixar mais claro para elas a continuidade
entre uma coisa e outra.
c) A participação das
crianças na liturgia, na companhia e debaixo da orientação dos seus pais; a
orientação a elas no momento da despedida, acompanhada da oração pela
iluminação do Espírito Santo, juntamente com a igreja. Isto também ajuda na
ideia de continuidade.
d) Encontro de meios para
que as crianças não sejam privadas de oportunidades de aprendizado sobre os
sacramentos (batismo e ceia do Senhor). Muitas igrejas fazem isto mantendo as
crianças no templo nos domingos em que eles acontecem.
e) Na medida do possível,
o relacionamento dos ensinos ministrados às crianças ao ensino ministrado aos
adultos. Deste modo as famílias podem compartilhar de conversas sobre o ensino
recebido.
Não sei bem se era o tipo
de resposta que você esperava. Estamos acostumados com polarizações mais
categóricas. Mas, espero que contribua para a sua reflexão diante de Deus e seu
serviço ao Senhor. Como você mesmo me designa,
O pastor amigo,
Filipe Fontes
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Fonte: Facebook do Autor.
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