Páginas

22 de jun. de 2015

A Doutrina da Providência e o Sofrimento do Cristão

Por Samuel Alves

A teologia triunfalista[1] ensina que o homem é bom, que sempre vai vencer e conquistar, que nosso planeta é o melhor lugar do mundo, este é o lema! A teologia bíblica nos convida a participarmos dos sofrimentos de Cristo, a sermos testemunhas, a vivermos como estrangeiros em terra estranha, a colocarmos nossa esperança em Deus e não em nós mesmos ou nos outros, vivermos uma vida não pelo que vemos, mas, pelo que cremos. Esta filosofia de vida aos olhos dos ímpios parece loucura, “confiar em um Deus invisível”. Devemos lembrar que fomos salvos pela loucura da pregação, e estamos firmados em uma rocha, a pedra angular! Quando penso na doutrina da providência  me vejo frágil, debilitado e limitado. Mas vejo nas páginas das Escrituras um Deus criador e sustentador de sua criação. O nosso Deus não é o deus relojoeiro que deu corda no mundo e foi embora, nosso Deus reina soberanamente sobre sua criação. Berkhof[2] em sua teologia sistemática traz a seguinte definição sobre a doutrina da providência:

A palavra é derivada do termo latino providentia, que corresponde ao grego pronoia. Estas palavras significam primariamente presciência ou previsão, mas gradativamente adquiriram outros sentidos. A previsão é, de um lado, associada a planos para o futuro e, de outro, à realização concreta desses planos. Assim, a palavra “providência” a significar a provisão que Deus faz para os fins do seu governo, bem como a preservação e governo de suas criaturas.

Muitas vezes usamos esta bela e robusta doutrina apenas para refutar as heresias do teísmo aberto[3], usamos no gabinete pastoral para aconselhar um irmão que acabou de perder emprego e tem uma família para sustentar. Mas, existem momentos que mesmo como pastores/teólogos nós não conseguimos orar conforme prescreve esta doutrina. Esta doutrina é transcendente enquanto nos estamos impactados e estacionados pelos nossos sofrimentos, me faz lembrar a oração do salmista no Salmo 121.1-8 :

Levantarei os meus olhos para os montes, de onde vem o meu socorro. O meu socorro vem do Senhor que fez o céu e a terra. Não deixará vacilar o teu pé; aquele que te guarda não tosquenejará. Eis que não tosquenejará nem dormirá o guarda de Israel. O Senhor é quem te guarda; o Senhor é a tua sombra à tua direita. O sol não te molestará de dia nem a lua de noite. O Senhor te guardará de todo o mal; guardará a tua alma. O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para sempre”. 

Ao nos debruçarmos nesta doutrina experimentarmos um relacionamento com nosso Pai! O pensamento pós-moderno apela para a experiência e reduz a mensagem do evangelho, por outro lado alguns teólogos racionalistas fundamentam-se na autonomia da razão, daí vemos uma teologia apenas no discurso. Quando olho para nossa herança reformada vejo homens como Lutero, Zwínglio, Calvino e outros que mesmo em meio todo tipo de provação confiam na providência Divina. O velho Calvino[4] nas institutas faz o seguinte comentário sobre a Providência:

“Apenas pela fé compreendemos que o mundo foi disposto pela Palavra de Deus, pois que, se não chegamos até sua providência, por mais que parecemos compreendê-lo com a mente e confessá-lo com a língua, não podemos entender o que vale dizer que Deus é Criado”.

Esta citação mostra como é nosso entendimento muitas vezes desta doutrina, Deus não apenas criou o mundo, Ele conserva e sustenta com seu poder e nenhum evento acontece que não esteja em seu decreto. Nosso Deus é soberano, assim cantamos no culto solene ao Senhor! Desafio é cantar esta canção em plena segunda-feira onde somos impactados por problemas e aflições, este é o desafio de todo cristão, viver como peregrino em terra estranha confiando na providência. Ao longo da caminhada fiz orações que hoje me envergonho! Hoje olho para meus problemas e aflições sabendo que meu Deus é bom. Sempre bom. Finalizo com uma frase do C.S Lewis 

“Deus sussurra a nós na saúde e prosperidade, mas, sendo maus ouvintes, deixamos de ouvir a voz de Deus. Então Ele gira o botão do amplificador por meio do sofrimento. Aí então ouvimos o ribombar de Sua voz." 

Quando olhamos para a doutrina da providência aprendemos que muitos problemas que enfrentamos são pedagógicos e assim percebemos que estamos sendo moldados pelo Criador. A Ele seja a glória para todo sempre amém.





[1] O “triunfalismo” é um comportamento de sutileza típica: aproveitando-se das circunstâncias que estão ao redor do crente, o adversário levanta homens e mulheres que geram expectativas de um “paraíso na terra”, desviando os olhares do povo daquilo que é relevante e permanente: a vida eterna.
[2] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. – 4ª Ed. Revisada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012. p.153.
[3] Teísmo aberto é a teologia que nega a onipresença, a onipotência e a onisciência de Deus.
[4] CALVINO, João, A instituição da religião cristã, Tomo I, Livros I e II; tradução Carlos Eduardo de Oliveira...et al., tradução do livro II, Carlo Eduardo de Oliveira. –São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 184.

Nenhum comentário:

Postar um comentário