Por Thiago Oliveira
- Texto base: Lucas
15.11-31
Introdução
Sem sombra de dúvidas a
Parábola do Filho Pródigo é uma das passagens bíblicas mais conhecidas, e uma
das que mais comovem os ouvintes. A história de um pai que recebe o seu caçula,
após este ter envergonhado a honra da sua casa, sobretudo a sua, é um enredo
que - quase sempre - é explorado com nuances pessoais e memórias afetivas que
remetem a relacionamentos entre pais e filhos. Talvez, este seja o motivo que
mais leve a uma abordagem e a uma compreensão equivocada desta passagem. Não
devemos esquecer que Jesus sempre que contava uma parábola, tinha diante de si
um determinado grupo de pessoas, e a estas tencionava transmitir um
ensinamento. Não é diferente com a Parábola do Filho Pródigo. Identifiquemos o
contexto, e assim, teremos uma compreensão que faça jus ao que Cristo estava
ensinando para o seu público ouvinte.
Recentemente ouvi uma bela
exposição desta parábola, e o pregador, de maneira perspicaz, alertou a igreja
que não deveríamos ser como o filho mais velho. Obviamente, isso deixou alguns
dos que ouviram com uma pulguinha atrás da orelha, afinal, o filho mais velho é
sempre visto como alguém que sempre fez o que era certo. Ele continuou ao lado
do seu pai, ajudando-o a cuidar de suas posses. O mais novo é que não prestava.
Ele é que é o exemplo de filho ruim e não o mais velho. Ledo engano! O que
Jesus dizia para seu público-alvo é que ambos os filhos estavam perdidos. A
condição do filho mais velho não era vantajosa comparada com o seu irmão, pelo
contrário! e a forma que a parábola termina vai evidenciar a situação.
Como dito anteriormente,
analisando o contexto que envolve a parábola iremos descobrir o porquê que não
devemos ser como o filho mais velho, pois, este está numa condição de maior
perdição do que seu irmão, mesmo depois de tudo que este segundo aprontou. Que
esta mensagem fale aos nossos corações e que a Palavra ouvida seja aplicada em
nosso viver diário para honra e glória de Jesus Cristo, nosso SENHOR.
I
- O Filho mais velho não amava o seu irmão
Quando Jesus falou sobre o
pai que tinha dois filhos, ele havia contado outras duas parábolas. Primeiro
veio a Parábola da Ovelha Perdida. A história começa logo após um
questionamento dos fariseus. O capítulo 15 de Lucas diz que os publicanos e
pecadores se reuniam para ouvir a Jesus. Isto escandalizava os fariseus que
criticaram o fato de Cristo comer com homens considerados indignos e que não
deveriam estar na companhia de um líder religioso. Rebatendo esta crítica,
Jesus fala de um pastor que deixa 99 ovelhas no aprisco para ir atrás de uma
que havia se perdido. Quando a encontra, reúne os amigos e vizinhos e dá uma
festa. Outra história semelhante é contada logo em seguida. Uma mulher que
perde uma moeda - equivalente a uma diária de trabalho - acende uma candeia e
varre toda a casa até encontrá-la. Quando acha a moeda perdida, reúne as amigas
e as vizinhas para comemorar. O que Jesus estava querendo dizer ao contar estas
parábolas?
O amor de Deus para com os seus é o tema das duas
narrativas contadas por Cristo Jesus. Um amor que vai em busca do homem pecador
e que faz de tudo para tê-los para Si. Os pecadores que Deus encontra e resgata
são celebrados no céu. Há alegria entre os anjos e todo o Reino Celestial se
encontra em festejo quando um pecador arrependido volta-se para Deus. Jesus
estava ali dizendo que o papel de buscar pecadores estava sendo realizado por Ele.
Por isso que Ele se reunia com os publicanos e com eles comia. Este era o seu
ofício: encontrar as ovelhas perdidas do rebanho de Deus e juntá-las novamente
ao aprisco. Não é a toa que Jesus, certa feita, afirmou ser o bom pastor
(Jo 10.11).
Posso imaginar os fariseus
se contorcendo diante daquilo que Jesus acabara de contar. Mas, a lição não
havia acabado. Cristo vai contar a parábola dos dois filhos, mais elaborada e
que inclui os fariseus como personagens do enredo. O Pai é Deus, o filho mais
novo seria os publicanos e o filho mais velho; uma representação bem elaborada
de um fariseu. É bem verdade que o mais moço tinha errado e andado por caminhos
escusos. Se o pai não o tivesse recebido ou o recebido como um serviçal (este
era o plano do pródigo ao retornar), ele estaria no seu direito. Todavia, o Pai
demonstrou sua bondade, e ao receber o filho ingrato e negligente, usou de toda
a sua misericórdia devolvendo-lhe a dignidade e a filiação.
Quão maravilhoso é perceber que cada elemento usado por
Cristo atesta para o fato de que Deus está disposto a perdoar e a transformar o
pior pecador. Há esperança para os publicanos? Eles podem se reaproximar de
Deus e por Ele serem restaurados? Sim, eles podem. Quando o Pai recebeu o
pródigo, mandou que os servos dessem um banho no seu filho e lhe vestissem com
a melhor roupa. Ora meus irmãos, a melhor roupa com toda certeza pertencia ao
Pai. Este não só fez sumir todo o vestígio da terra estrangeira, dando um
destino àquelas roupas e assim apagando os vestígios de uma vida pregressa,
como também lhe restaurou a posição de filho e, novamente, de herdeiro. Deus é
bom. O pior dos pecadores, aquele que andou por terras longínquas, tem a chance
de andar com Deus e ser participante do Seu Reino.
Uma festa foi dada para
comemorar a volta daquele que já era dado como morto. Mais uma vez a parábola
termina em festa. Jesus havia dito que até os anjos festejam o retorno de um
pecador arrependido. O filho mais velho, que estava trabalhando no campo do
pai, ouve o som das músicas tocadas e não entende o que se sucede. Um criado
lhe diz o motivo daquela música alegre: “Seu
irmão está de volta e seu pai matou um novilho gordo porque o recebeu são e
salvo”. Esta deveria ser uma excelente notícia. Mas, ao invés de entrar na
festa e dar um abraço e um beijo no irmão que havia regressado e que estava
bem, ele fica do lado de fora, mordido de raiva. Ele não amava a seu irmão. Tal como os fariseus não se
alegravam ao ver os publicanos mudando de vida, graças a Jesus Cristo, ele
havia se enfurecido com o fato do Pai receber o pródigo novamente. Em 1 Jo 2.11
está escrito que aquele que não ama seu irmão anda nas trevas e não sabe para
onde vai, pois está cego. Eis o primeiro motivo para não sermos iguais ao filho
mais velho.
II
- O Filho mais velho não amava o Pai
O Pai, como sempre, é apresentado como aquele que vai na
direção dos seus filhos. Ele sai da festa para falar com o seu mais velho e
insistir - atente para esta palavra no versículo 28 - para que seu filho entre
e celebre o retorno do seu irmão. Mas, parece não haver acordo. Tomado de ira,
aquele filho se dirige ao pai de uma maneira não respeitosa e questiona a sua
decisão. Naquela cena, ele está se impondo e parece querer ditar as regras. A
autoridade do pai é abertamente posta em xeque pelo seu primogênito. Porque
aquela reação tão colérica? Teria motivos para estar tão zangado com seu Pai?
Quem ele pensa que é para falar assim?
Diante deste panorama,
podemos questionar o amor do filho para com o pai. Embora ele tenha sido
obediente, não tenha saído de perto e tenha se mostrado disposto, aquele filho
não gozava de um relacionamento sincero com seu pai. O que fica evidente, neste
cenário que Jesus pinta com as palavras, é que tudo o que ele fazia era
pensando em si mesmo. Quando ele questiona que o pai nunca lhe concedeu um
cabrito para que ele festejasse com os amigos, ele estava tratando de bens. Ele
não faz um questionamento afetivo. Seu problema era de cunho material. Por
detrás do argumento do cabrito, há a questão da herança. Com o retorno do seu
irmão, ele se viu injustiçado e aqui entendemos melhor a sua fúria.
Quando a herança era
repartida entre os filhos após a morte do pai, o mais velho ficava com a maior
parte. No relato contado por Jesus, vemos que o pai, ainda em vida (detalhe
curioso), repartiu a herança com seus dois filhos. Como sabemos, o mais novo
gastou tudo de maneira inconsequente e ficou sem um tostão furado, por isso
ficou conhecido como pródigo. O mais velho era então dono de tudo aquilo que
tinha restado. Quando seu pai morresse, ele finalmente se apossaria do que já
era seu. Mas, quando o pai recebe o pródigo e o restabelece como filho
legítimo, aquela herdade será novamente repartida entre eles. Que prejuízo para
o mais velho. Sua raiva
tem justificativa, dizem alguns. Ele faz tudo certinho, anda na linha, o outro sai
para ganhar o mundo e quando volta terá direito aos bens novamente? A essas
pessoas pergunto: Será a herança mais importante de que a dignidade e a
restauração de um irmão de sangue? Por causa de bens materiais seria admissível
ver seu irmão na miséria ou trabalhando como seu empregado? Acredito que um cristão que assim pensa ou
procede, não compreendeu que na ética do Reino, muitas vezes a gente perde para
ganhar. Nesse caso, para ter o irmão de volta, custaria prejuízo financeiro.
Mas e daí? Vale mais o dinheiro ou a felicidade em família? Abrindo um
parêntese, aqueles que utilizam dessa parábola para dizer que o perdão de Deus
não exige sacrifícios, estão muito equivocados. Coube ao irmão mais velho pagar
o preço pela restauração do pródigo.
Quando fala com o pai, o
mais velho está apenas pensando em dinheiro. A conversa não é afetuosa em
nenhum ponto. É tanto que ele diz que trabalhou feito um escravo. Ele não se
coloca como filho e seu pai é apenas o seu senhor. Este não é o relacionamento
que Deus quer ter conosco. Obviamente Ele reclama para si o senhorio de nossas
vidas, mas a sua relação é pessoal. Deus não quer religiosos trabalhando em Seu Reino sem que tenham
vínculos pessoais. Ele não aceita pródigos como servos. Ele os torna filhos
legítimos. Não devemos ser iguais ao filho mais velho porque ele não tinha amor
genuíno por seu pai. Não podemos seguir a Deus pensando no que Ele nos dá.
Certamente que o Senhor tem nos dado muitas coisas, e nenhuma delas merecemos,
mas devemos nos envolver com Deus pelo que Ele é. O que Ele tem já é nosso (v.
31). Devemos buscar a Sua presença e não Suas bênçãos, caso contrário, não O
amamos verdadeiramente.
III
- O Filho mais velho justificava a si próprio
O último argumento
levantado para demonstrar que não devemos ser iguais ao filho mais velho é que
este justificava a si próprio. Aqui temos a nítida conduta farisaica. Ao se
referir ao irmão, ele aponta todos os pecados deste. Pecados que o pai já não
mais trazia a tona. Com rancor ele diz: “esse
teu filho aí esbanjou os teus bens com as prostitutas”. Sabem por que ele
proferiu tal acusação? Porque se achava superior. Ele se considerava bom demais
comparado ao seu irmão. Os fariseus procediam de igual modo com os publicanos.
Em Lucas 18. 10-14
Cristo conta uma parábola em que um representante destes dois grupos sobe ao
templo para orar. A oração do fariseu é uma exaltação das suas próprias
virtudes. Ele estava orgulhoso por jejuar duas vezes por semana e ser um fiel
dizimista. Não satisfeito em exaltar a si mesmo, ele ainda traça um comparativo
com o publicano que ora do seu lado e da graças a Deus por não ser corruptor e
pecador como aquele homem.
Há nas religiões esta tendência. Se ao invés de cristãos
nos tornamos meros religiosos, este quê de superioridade nos dominará, e,
muitas vezes, nem nos daremos conta. O publicano quando orou,
apenas suplicou pela misericórdia divina e reconheceu a sua condição de
pecador. Jesus diz que daqueles homens, o publicano - e não o fariseu - desceu
justificado. Na introdução foi dito que a condição do primogênito era pior
dentre os dois filhos. Para entendermos isso, é preciso estar atentos ao que
diz a parábola. O pródigo, depois de algum tempo que não saberíamos precisar,
refletiu sobre a sua condição e concluiu que havia pecado contra os Céus e
contra seu pai (v. 19). Ele volta para casa arrependido e ciente de que não
merecia a filiação. Ele não faz exigências, apenas se apresenta reconhecendo
seu grave erro. É exatamente isso que Deus espera de nós, que nos cheguemos até
Ele e clamemos por misericórdia.
O mais velho, embora tivesse uma vida regrada, certinha,
tinha motivações erradas. Não reconhecia a graça do seu pai e exigia direitos. O
apóstolo Paulo, falando sobre os judeus, diz que eles tinham zelo, mas seu zelo
não tinha entendimento (Rm 10.2). Eles buscavam justificar a si mesmos buscando
guardar os mandamentos. Mais grave ainda era exigir algo de Deus por se
considerarem bons e religiosos. Em Isaías 58.3 vemos tamanha audácia dos
israelitas. Em sua concepção, Deus tinha que atendê-los, afinal, eles jejuavam
e iam ao templo com frequência. O filho mais velho pensava assim e por isso,
sua condição era de perdição, embora só enxergasse a perdição no outro irmão.
Todas as três parábolas de
Lucas 15 acabam em festa. Participar do festejo é estar em comunhão com o Pai e
ser participante de Seu gozo. Jesus termina a última parábola com o filho mais
velho ainda do lado de fora. Será que ele entrou depois? Não podemos dizer. O
que se sabe é que ele já havia perdido tempo demais pensando em como ele era
muitíssimo bom. E quando
pensamos demasiadamente bem de nós mesmos, tendemos a ficarmos frustrados,
pois, nos achamos mais merecedores do que os demais. Jesus não veio para os que
se consideram sadios, ele veio curar os que estão enfermos e se reconhecem como
tais (Mt 9.12). Coincidentemente, ele falou isso em resposta ao mesmo
questionamento dos fariseus sobre Ele comer com publicanos e pecadores.
Aplicações
Como vimos, o filho mais
velho é um péssimo exemplo a ser seguido. Soberbo e rancoroso fazia o certo,
porém com as motivações erradas. Engraçado que quase sempre que esta parábola é
lida ou pregada, nós identificamos os defeitos do pródigo e não nos damos conta
de que o primogênito está tão ou mais perdido. Seria, talvez, por sermos mais
parecidos com aquele que é a representação dos fariseus? Será que estamos bem
representados na figura do filho mais velho?
Para chegarmos a uma
conclusão acerca de sermos ou não parecidos com o primeiro filho, precisamos
responder a outros questionamentos:
- Temos nos alegrado com a conversão de pecadores ou definimos que o
lugar deles é bem longe da igreja?
- Estamos servindo na igreja por amor ao Senhor entendendo que tudo é
graça ou estamos servindo com o intuito de barganhar as bênçãos celestiais,
exigindo-as como se fossem um pagamento por nossos serviços prestados?
- Será que estamos tão cheios de nós mesmos que não há espaço para que
Deus aja em nós, operando a transformação que nos molda segundo o caráter de
Cristo?
Todas as respostas são de
foro íntimo. Façamos a nossa autoanálise e procuremos apresentar-nos contritos
diante de Deus, reconhecendo nossa condição de pecadores. Lembremos que a
misericórdia do SENHOR continua estendida, e o momento de nos voltarmos para o
nosso amável Pai não deve ser protelado. Como disse C.S. Lewis, quando se está
andando por um caminho errado, dar meia volta, ao invés de seguir em frente, é
o progresso. Pois bem, que o Espírito nos faça progredir em santidade e no
conhecimento de Deus, para que o nosso certo não se torne errado por causa de
motivações quaisquer que não sejam a glória de Cristo Jesus. Amém.
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