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28 de out. de 2015

A Reforma situada na História

Por Thiago Oliveira

Não tenho dúvidas de que a Reforma Protestante foi o maior acontecimento da chamada Idade Moderna. Quando Lutero fixou as suas 95 teses na Catedral de Wittenberg no dia 31 de outubro de 1517, ele não tinha sequer a dimensão do que tal ato ocasionaria. Foi com a Reforma que as bases do período medieval começaram a ruir. Antes dele, alguns homens já haviam tentado mostrar a igreja romana que ela deveria voltar-se para a autoridade da Escritura. Podemos destacar aqui nomes como o de John Wycliffe (1320-84) e John Huss (1369-1415). Foram as ideias destes dois homens as responsáveis por formar a perspectiva dos reformadores do século 16. O que Lutero fez foi dar o passo que eles não puderam dar.

A Reforma aconteceu num período em que o Renascentismo havia influenciando o continente europeu. Quando Lutero defendeu as suas teses, Leonardo Da Vinci ainda estava vivo, viria a morrer dois anos depois. Quando houve um confronto entre Lutero e o Dr. Eck, em Leipzing, este se deu no ano em que Da Vinci morreu. As Institutas, a obra-prima de Calvino, e talvez a mais importante dentre a vasta produção dos reformadores, foi dedicada a Francisco I, o homem que levou Da Vinci para França. Vemos então que a Renascença e a Reforma ocorreram concomitantemente por um período. Ambos tratavam das mesmas questões, todavia suas respostas foram diferentes. Se para o renascentista, o homem podia ser descrito como um ser autônomo, a medida de todas as coisas. Para o reformado, Deus é a medida de todas as coisas e o homem não é autônomo, pois a Queda tirou-lhe a autonomia e o escravizou sob o domínio do pecado.

Não podemos ser levianos ao ponto de dizer que a Renascença não surtiu nenhum efeito no pensamento dos reformadores. É obvio que o espírito questionador do renascimento fez com que os reformadores fossem mais críticos com relação às tradições religiosas que não tinham respaldo bíblico. Todavia, o homem da Reforma adotou para si o “Sola Scriptura” e procurou obter todas as respostas na Bíblia Sagrada. Isto foi imprescindível para que o humanismo infiltrado na Igreja Católica não ganhasse espaço nas recentes igrejas protestantes. Embora houvesse diferenças periféricas entre Lutero, Zuínglio e Calvino, ambos os reformadores – com os ramos denominacionais oriundos de seus pensamentos – estavam unidos na mesma ideia de que a Escritura (e não a tradição eclesiástica) é a única fonte de autoridade para o cristão.  

Partindo do pressuposto Bíblico, os reformadores deram uma dimensão adequada de quem é Deus, mas também de quem é o homem e a natureza. Calvino inicia as Institutas falando que o conhecimento de Deus leva o homem ao autoconhecimento. Isto gerou um grande avanço científico e cultural, pois, de acordo com as Escrituras, o homem, mesmo pecador, foi criado à imagem de Deus e isto lhe confere dignidade. Logo, o homem tem um caráter distintivo se comparado com os demais elementos da criação, por isso, ele pode explorar a natureza e tentar decifrá-la. Porque a Bíblia diz que o mundo faz sentido, o homem pode buscar este sentido e conhecer mais acerca do cosmos, glorificando a Deus pela sua criação.

A ciência moderna se desenvolveu porque os reformadores se voltaram para a Bíblia e pregaram que Deus é racional, criou o mundo racional e dotou o homem de razão para que este pudesse explorar as maravilhas da criação. Se partisse de um pressuposto que não fosse este, talvez demorasse muito mais tempo para que a ciência se desenvolvesse - se é que ela poderia se desenvolver, pois, sem um ponto de partida universal, o homem não chegaria aonde chegou tratando apenas dos particulares, pois cairia numa armadilha epistemológica e não poderia ter certeza alguma de que o que ele sabe é um verdadeiro saber.

Graças a Reforma, a Bíblia foi traduzida para os idiomas vernáculos e distribuída para a população. Assim, todo cristão poderia ler a Escritura devocionalmente e tirar dela as lições para a vida. A alfabetização tornou-se uma tarefa comum dos reformadores, que ensinavam o povo a ler para que estes pudessem mergulhar nas preciosas páginas da Bíblia. O sacerdócio universal fez com que líderes leigos surgissem nas igrejas e este foi o início do estabelecimento de uma visão de governo mais democrática, que começou na igreja e foi sendo disseminada para a sociedade. Deve-se aos reformadores o surgimento das democracias ocidentais.

No campo das artes, talvez a música tenha sido a que mais se destacou. A Reforma fez surgir o interesse pela cultura e nesse aspecto, Bach (1685-1750) tem um papel formidável. Ele foi um dos compositores provenientes da Reforma, muitos chegam a citar uma anedota que diz: “Se não fosse Lutero, não teríamos Bach”. Este músico brilhante costumava iniciar suas partituras com uma sigla que tinha por significado “Com a ajuda de Jesus” e as terminava com outra sigla latina para expressar que “A Deus seja dada a glória”. Além de uma infinidade de músicas sacras, também compôs músicas festivas, ambas, apesar do uso distinto, foram concebidas para glorificar ao Criador.

E quanto a Handel? Deste vem o Messias, Saul, Israel no Egito e Sansão. Músicas compostas no século 18, inspiradas nos relatos bíblicos e que até hoje são executadas pelas mais competentes orquestras. O “Coro de Aleluia” faz com que o nome do SENHOR seja exaltado em diferentes nações e nos traz a recordação de que se não fosse a concepção reformada e a importância que a Reforma deu para a Bíblia, nunca teríamos tais obras-primas, que são o verdadeiro patrimônio da cultura ocidental.

Este texto também poderia falar sobre a pintura de Rembrandt (1606-1669) e dissertar sobre as artes plásticas, que ao contrário do que muitos alegam, também teve uma alta produção dentre os países protestantes. Todavia, penso que seria mais importante destacar (para finalizar) a contribuição da Reforma para a economia. Tanto Lutero quanto Calvino ensinaram que o homem tem uma vocação e que através dela o SENHOR pode ser louvado. O trabalho torna-se então uma tarefa digna e a produção tende a crescer, pois, o trabalho realizado com diligência rende bons frutos. Isto gerou riqueza e fez com que os burgueses não mais fossem relegados a uma vida imunda nos burgos. Estes ascenderam socialmente e modificaram a sociedade estamental, fazendo com que o empreendedorismo desse os seus primeiros passos. Na efervescência do comércio, a indústria ganhou novas configurações, daí estoura a Revolução Industrial.

Óbvio que nem tudo são flores e que durante este processo houve algumas falhas. Não exaltamos os reformadores como se fossem os santos católicos. Não prestamos culto a personalidades. Contudo, reconhecemos que tais homens foram piedosos e ousados para fazer com que uma sociedade e uma Igreja atolada em humanismo e corrupção fossem reformadas, não pelos seus esforços pessoais, mais pelo Poder da palavra de Deus. O próprio Lutero chegou a afirmar: “Eu nada fiz, a Palavra fez tudo”.

Soli Deo Gloria

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