Por Thomas Watson
Isto
é o meu corpo (Mt 26.26)
O corpo partido de Cristo,
que nos é exibido no sacramento, nos inspira a refletir:
O corpo de Cristo foi
partido?
Então podemos visualizar o
odioso pecado no espelho vermelho dos sofrimentos de Cristo. Na verdade, o
pecado deve ser abominado por haver expulsado Adão do Paraíso e lançado anjos
no inferno. O pecado é o interruptor da paz; é como um incendiário na família,
o qual põe esposo e esposa em desavença; faz Deus ficar contra nós. O pecado é
o ventre de nossas dores e o túmulo de nossos confortos.
Mas aquilo que pode mais
que tudo desfigurar o rosto do pecado e fazê-lo parecer horripilante, é que ele
crucificou nosso Senhor; ele se tornou um véu para a glória de Cristo e fez
jorrar seu sangue.
Se uma mulher viu a espada
que matou seu marido, quão odiosa ela será à vista dela! Acaso consideraríamos
aquele pecado que fez a alma de Cristo “profundamente triste até a morte” (Mc
14.34)? Acaso nos seria motivo de júbilo aquilo que fez o Senhor Jesus Cristo “um
homem de dores” (Is 53.53)? Acaso ele não clamou: “Deus meu, Deus meu, por que
me abandonaste?” (Mt 27.46)? Acaso esqueceríamos aquele pecado que fez Cristo esquecer-se
de si mesmo? Oh, que olhemos para o pecado com profunda indignação!
Quando uma tentação vem
trazer pecado, digamos como Davi: “Guarda-me, Senhor, de fazer tal coisa;
beberia eu o sangue dos homens que foram com risco de sua vida?” (2Sm 23.17).
então, digamos, acaso não é este pecado que derramou o sangue de Cristo? Que
nossos corações se encham de fúria contra o pecado. Quando os senadores de Roma
exibiram ao povo o manto ensanguentado de César, o povo se enfureceu contra
aqueles que o mataram. O pecado dilacerou o alvo manto do corpo de Cristo e o
tingiu da cor carmesim; busquemos ser vingados de nossos pecados. Sob a lei, se
um boi chifrasse um homem, de modo que morresse, esse boi tinha de ser morto
(Êx 21.28). O pecado transpassou e escorneou nosso Salvador: que ele seja
morto. Que lamentável seria se ainda tivesse direito a viver aquilo que não
permitiu que Cristo vivesse.
Façamos este uso de seu
sofrimento na cruz, para aprendermos a não nos maravilharmos muito se nos
depararmos com tribulações no mundo. Cristo sofreu quando “não conheceu nenhum
pecado”? Acaso achamos estranho o sofrer de quem nada sabe senão pecar? Cristo
sentiu a ira de Deus? Acaso é exagero sentirmos a ira dos homens? A cabeça
seria coroada de espinhos e os membros jazeriam entre rosas? Desfrutaríamos de
nossos braceletes e diamantes enquanto Cristo sentiu a lança e os pregos
perfurando seu coração? De fato os que são culpados devem esperar os açoites,
mas aquele que era inocente não pôde sair livre.
Um emprego adicional da
doutrina do sacramento é o exercício da exortação. Ocupar-nos-emos das seções
desta matéria em boa parte do que vem a seguir.
O precioso corpo de Cristo
foi partido por nós? Deixemo-nos afetar com a imensa bondade de Cristo.
Quem pode esmagar estes
carvões em brasa, sem que seu coração arda? Quem não bradaria com Inácio: “Cristo,
meu amor, foi crucificado!”? Se um amigo morresse por nós, nosso coração não
seria profundamente afetado por sua bondade? Que o Deus do céu morresse por
nós, como esta estupenda mercê não nos influenciaria com a máxima ternura?
O corpo de Cristo partido
é suficiente para quebrantar o coração mais empedernido. Na paixão de nosso
Senhor, as próprias pedras foram fendidas: “fenderam-se as pedras (Mt 27.51).
Aquele que não sentir-se afetado por isto tem um coração mais duro que as
pedras. Se Saul não deixou de perceber a mercê de Davi em poupar sua vida (1Sm
24.16), como poderíamos não nos deixar afetar pela benignidade de Cristo, que
poupou nossa vida com a perda da sua? Oremos para que, assim como Cristo foi “cruci-fixus”,
também sejamos “cordi-fixus” – como ele foi “cravado” na cruz, igualmente seja
ele “cravado” em nosso coração.
Jesus Cristo nos é
espiritualmente exibido no sacramento? Então demos-lhe o máximo valor e estima.
Valorizemos o corpo de
Cristo. Cada partícula deste pão da vida é precioso: “Minha carne é verdadeira comida”
(Jo 6.55). É “o excelente Pão que transcende a substância”, no dizer de
Cipriano.
O maná foi um vívido tipo
e emblema do corpo de Cristo. O maná era doce: “era como semente de coentro
branco, e seu sabor como bolos de mel” (Êx 16.31). Era um alimento delicioso;
por isso foi chamado “comida dos anjos” (Sl 78.25), por sua excelência.Assim
Cristo, o maná Sacramental, é doce às almas dos crentes: “seu fruto é doce ao
meu paladar” (Ct 2.3). Tudo em Cristo é doce – seu Nome é doce, suas virtudes
são doces. Este “Maná” adoça “as águas de Mara”.
Não só isso, a carne de
Cristo excede o maná:
i. O maná era uma comida, porém somente
física. Se os israelitas ficassem doentes, o maná não poderia curá-los; mas
este bendito maná do corpo de Cristo é não só alimento, mas também medicina. “O
corpo de Cristo é medicina para os doentes” (Bernardo).
Cristo traz “cura em suas
asas” (Ml 4.2). Ele cura o olho cego e o coração empedernido. Leve esta
medicina para bem perto de seu coração e você será curado de todos os
destemperos espirituais.
ii. O maná era corruptível.
Ele cessou quando Israel entrou em Canaã; mas este bendito maná do corpo de
Cristo jamais cessará. Os santos se alimentarão com infinito deleite e
satisfação da alma, em Cristo, para toda a eternidade. Os júbilos celestiais
cessariam se este maná cessasse.
O maná foi posto na arca
em um vaso de ouro, para que fosse preservado ali. Assim o bendito maná do
corpo de Cristo, sendo posto no vaso de ouro da natureza divina, é depositado
na arca celestial para os santos festejaram para sempre. Então, podemos dizer
que o bendito corpo de Cristo “é verdadeira comida”.
“Na plenitude do corpo de
Cristo, que desce da cruz, encontramos a pérola da salvação”.
***
Extraído da obra "A Ceia do Senhor", Editora Os Puritanos.
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