Por Wayne Grudem
Introdução e definição
Quando Adão e Eva pecaram,
tornaram-se réus da punição eterna e da separação de Deus (Gênesis 2:17). Do
mesmo modo, hoje, quando os seres humanos pecam, eles se tornam sujeito à ira
de Deus e à punição eterna: “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23).
Isso significa que, uma vez que as pessoas pecam, a justiça de Deus requer
somente uma coisa — que elas sejam eternamente separadas de Deus, alienadas da
possibilidade de experimentar qualquer bem da parte dEle, e que elas existam
para sempre no inferno, recebendo eternamente apenas a Sua ira. De fato, isso
foi o que aconteceu aos anjos que pecaram e poderia ter acontecido exatamente
conosco também: “Pois Deus não poupou aos anjos que pecaram, mas os lançou no
inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o
juízo” (2 Pedro 2:4).
Mas, de fato, Adão e Eva
não morreram imediatamente (embora a sentença de morte começasse a ser aplicada
na vida deles no dia em que pecaram). A execução plena da sentença de morte foi
retardada por muitos anos. Além disso, milhões de seus descendentes até o dia
de hoje não morrem nem vão para o inferno tão logo pecam, mas continuam a viver
por muitos anos, desfrutando bênçãos incontáveis nesta vida. Como pode ser
isso? Como Deus pode continuar a conferir bênçãos a pecadores que merecem
somente a morte — não somente aos que finalmente serão salvos, mas também a
milhões que nunca serão salvos, cujos pecados nunca serão perdoados?
A respostas a essas
perguntas é que Deus concede-lhes graça comum. Podemos definir graça comum da
seguinte maneira: Graça comum é a graça de Deus pela qual Ele dá às pessoas
bênçãos inumeráveis que não são parte da salvação. A palavra comum aqui
significa algo que é dado a todos os homens e não é restrito aos crentes ou aos
eleitos somente.
Diferentemente da graça
comum, a graça de Deus que leva pessoas à salvação é muitas vezes chamada
“graça salvadora”. Naturalmente, quando falamos a respeito da “graça comum” e
da “graça salvadora”, não estamos sugerindo que há duas diferentes espécies de
graça no próprio Deus, mas apenas estamos dizendo que a graça de Deus se
manifesta no mundo de duas maneiras diferentes. A graça comum é diferente da
graça salvadora quanto aos resultados (ela não traz salvação), seus
destinatários (é dada aos crentes e descrentes igualmente) e sua fonte (ela não
flui diretamente da obra expiatória de Cristo, visto que a morte dEle não obtém
nenhuma medida de perdão para os descrentes e, portanto, nem os crentes nem os
descrentes fazem jus às suas bênçãos). Contudo, sobre o último ponto, deve ser
dito que a graça comum flui indiretamente da obra redentora de Cristo, porque o
fato de Deus não julgar o mundo assim que o pecado entrou nele talvez seja
apenas porque Ele planejou finalmente salvar alguns pecadores por meio da morte
de Seu Filho.
Exemplos de graça comum
Se olhamos para o mundo ao
nosso redor e o contrastamos com o fogo do inferno que ele merece, podemos ver
imediatamente a abundante evidência da graça comum de Deus em milhares de
exemplos na vida diária. Podemos distinguir diversas categorias específicas nas
quais essa graça comum pode ser vista.
1. A esfera física. Os
descrentes continuam a viver neste mundo somente por causa da graça comum de
Deus — cada vez que as pessoas respiram é pela graça, pois o salário do pecado
é a morte, não a vida. Além disso, a terra não produz somente espinhos e ervas
daninhas (Gênesis 3:18), nem permanece um deserto ressequido, mas a graça comum
de Deus provê comida e material para roupa e abrigo, muitas vezes em grande
abundância e diversidade. Jesus disse: “Amem os seus inimigos e orem por
aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que
está nos céus. Porque Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva
sobre justos e injustos” (Mateus 5:44,45). Aqui Jesus apela para a abundante
graça comum de Deus como encorajamento aos seus discípulos, para que eles
também concedam amor e orem para que os descrentes sejam abençoados (cf. Lucas
6:35,36). Semelhantemente, Paulo disse ao povo de Listra: “No passado [Deus]
permitiu que todas as nações seguissem os seus próprios caminhos. Contudo. Deus
não ficou sem testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chuva do céu e
colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com fartura e um coração
cheio de alegria” (Atos 14:16,17).
O Antigo Testamento também
fala da graça comum de Deus que vem aos descrentes tanto quanto aos crentes. Um
exemplo específico é o de Potifar, o capitão da guarda do Egito que comprou
José como escravo: “o Senhor abençoou a casa do egípcio por causa de José. A
bênção do Senhor estava sobre tudo o que Potifar possuía, tanto em casa como no
campo” (Gênesis 39:5). Davi fala de modo muito mais geral a respeito das
criaturas que o Senhor fez:
“O Senhor é bom para
todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. [...] Os olhos de todos
estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres a tua
mão e satisfazes os desejos de todos os seres vivos” (Salmos 145:9,15,16).
Estes versículos são outro
lembrete de que a bondade que é encontrada em toda a criação não acontece
automaticamente — ela se deve à bondade de Deus e Sua compaixão.
2. A esfera intelectual.
Satanás é “mentiroso e pai da mentira” e “não há verdade nele” (João 8:44),
porque lhe foi dado ter domínio sobre o mal e sobre a irracionalidade e
comprometimento com a falsidade que acompanha o mal radical. Mas os seres
humanos no mundo de hoje, mesmo os descrentes, não estão totalmente entregues à
mentira, irracionalidade e ignorância. Todas as pessoas são capazes de ter um
pouco de compreensão da verdade; de fato, algumas possuem grande inteligência e
entendimento. Isso também deve ser visto como resultado da graça comum de Deus.
João fala de Jesus como “a verdadeira luz, que ilumina todos os homens” (João
1:9), pois, em seu papel como criador e sustentador do universo (não
particularmente em seu papel como redentor), o Filho de Deus concede iluminação
e entendimento que vêm a todas as pessoas no mundo.
A graça comum de Deus na
esfera intelectual é vista no fato de que todas as pessoas têm certo
conhecimento de Deus: “porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como
Deus, nem lhe renderam graças” (Romanos 1:21). Isso significa que há um senso
da existência de Deus e muitas vezes a fome de conhecer Deus que Ele permite
que permaneça no coração das pessoas, embora isso resulte muitas vezes em
muitos religiões diferentes criadas pelos homens. Portanto, mesmo quando
falando a pessoas que sustentavam religiões falsas, Paulo pôde encontrar um
ponto de contato com respeito ao conhecimento da existência de Deus, exatamente
como fez quando falou aos filósofos atenienses: “Atenienses! Vejo que em todos
os aspectos vocês são muito religiosos [...] o que vocês adoram, apesar de não
conhecerem, eu lhes anuncio” (Atos 17:22,23).
A graça comum de Deus na
esfera intelectual também resulta na capacidade de captar a verdade e
distingui-la do erro e de experimentar crescimento em conhecimento que pode ser
usado na investigação do universo e na tarefa de dominar a terra. Isso
significa que toda ciência e tecnologia desenvolvida pelos não-cristãos é
resultado da graça comum, permitindo-lhes fazer descobertas e invenções
incríveis, para desenvolver os recursos do planeta na criação de muitos bens
materiais, para produção e distribuição desses recursos e para alcançar
habilidades na obra produtiva. Em sentido prático, isso significa que, cada vez
que entramos em uma mercearia, andamos em um automóvel ou entramos em uma casa,
devemos lembrar que estamos experimentando os resultados da abundante graça
comum de Deus derramada tão ricamente sobre toda a raça.
3. A esfera moral. Pela
graça comum Deus também refreia as pessoas de serem tão más quanto poderiam.
Novamente o reino demoníaco, totalmente dedicado ao mal e à destruição,
proporciona um contraste claro com a sociedade humana, na qual o mal é
claramente refreado. Se as pessoas persistem dura e repetidamente em seguir o
pecado durante o curso de sua vida, Deus finalmente as entregará ao maior de
todos os pecados (cf. Salmos 81:12; Romanos 1:24,26,28), mas no caso da maioria
dos seres humanos eles não caem nas profundezas às quais seus pecados
normalmente os levariam, porque Deus intervém e coloca freio na sua conduta. Um
refreamento muito eficaz é a força da consciência. Paulo diz: “De fato, quando
os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena,
tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as
exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a
sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os”
(Romanos 1:32). E em muitos outros casos, essa sensação interior da consciência
leva os indivíduos a estabelecer leis e costumes na sociedade que são, em
termos da conduta exterior que eles aprovam ou proíbem, totalmente iguais às
leis morais da Escritura. As pessoas muitas vezes estabelecem leis ou têm
costumes que respeitam a santidade do casamento e da família, protegem a vida
humana e proíbem o roubo e a falsidade no falar. Por causa disso, elas muitas
vezes seguem caminhos moralmente retos e exteriormente andam conforme os
padrões morais encontrados na Escritura. Embora a conduta moral delas não possa
ganhar méritos com Deus, visto que a Escritura claramente diz que “diante de
Deus ninguém é justificado pela Lei” (Gálatas 3:11) e “Todos se desviaram,
tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um
sequer” (Romanos 3:12), contudo, em algum sentido menor que ganhar a aprovação
ou o mérito eterno de Deus, os descrentes realmente fazem “o bem”. Jesus sugere
isso quando diz: “E que mérito terão, se fizerem o bem àqueles que são bons
para com vocês? Até os 'pecadores' agem assim” (Lucas 6:33).
4. A esfera da
criatividade. Deus distribuiu medidas significativas de capacidade em áreas
artísticas e musicais, assim como em outras esferas nas quais a criatividade e
a habilidade podem expressar-se, como praticar esportes, cozinhar, escrever, e
assim por diante. Além disso, Deus nos dá a capacidade de apreciar a beleza em
muitas áreas da vida. E nessa área, assim como na esfera física e intelectual,
as bênçãos da graça comum são às vezes derramadas sobre os descrentes até mais
abundantemente que sobre os crentes. Todavia, em todos os casos, ela é
resultado da graça de Deus.
5. A esfera da sociedade.
A graça de Deus também é evidente na existência de várias organizações e
estruturas na raça humana. Vemos isso primeiramente na família humana,
ressaltado pelo fato de que Adão e Eva permaneceram marido e mulher após a
queda e então tiveram filhos, homens e mulheres (Gênesis 5:4). Os filhos de
Adão e Eva casaram-se e formaram famílias para si mesmos (Gênesis 4:17,19,26).
A família humana permanece ainda hoje, não simplesmente como instituição para
os crentes, mas para todas as pessoas.
O governo humano é também
resultado da graça comum. Ele foi instituído no princípio por Deus após o
dilúvio (ver Gênesis 9:6) e, segundo Romanos 13 claramente afirma, foi
estabelecido por Deus: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais,
pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram
por ele estabelecidas”. Está claro que o governo é dom de Deus para a raça em
geral, pois Paulo diz que a autoridade “é serva de Deus para o seu bem” e que
ela é “serva de Deus, agente de justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos
13:4). Um dos principais meios que Deus usa para refrear o mal no mundo é o
governo humano. As leis humanas, as forças policiais e os sistemas judiciais
proporcionam poderosa repressão às más ações, e esses são freios necessários,
pois há muito mal no mundo que é irracional e pode ser restringido somente pela
força, já que ele não será impedido pela razão ou pela educação. Obviamente a
pecaminosidade das pessoas pode também afetar os governos em si mesmos, de
forma que o governo humano, igual a todas as outras bênçãos da graça comum que
Deus dá, pode ser usado tanto para o propósito do bem como do mal.
6. A esfera religiosa.
Mesmo na esfera da religião humana, a graça comum de Deus traz algumas bênçãos
para as pessoas incrédulas. Jesus nos diz: “Amem os seus inimigos e orem por
aqueles que os perseguem” (Mateus 5:44), e desde que não há qualquer restrição
no contexto para que se ore simplesmente pela salvação deles e como a ordem de
orar pelos que nos perseguem é combinada com a ordem de amá-los, parece
razoável concluir que Deus pretende responder a nossas orações pelos que nos
perseguem em muitas áreas de suas vidas. De fato, Paulo especificamente ordena
que oremos “pelos reis e por todos os que exercem autoridade” (1 Timóteo 2:2).
Quando procuramos o bem dos descrentes, isso é coerente com a própria prática
divina de conceder sol e chuva a “maus e bons” (Mateus 5:45) e também está de
acordo com a prática de Jesus durante o Seu ministério terreno, quando Ele
curou cada pessoa que lhe era trazida (Lucas 4:40). Não há indicação alguma de
que ele tenha exigido que todos cressem nele ou concordassem que ele era o
Messias antes de lhes conceder cura física.
Deus responde às orações
dos descrentes? Embora Deus não tenha prometido responder às orações dos
descrentes como prometeu responder às orações dos que vêm a Ele em nome de
Jesus, e embora Ele não tenha obrigação de responder às orações dos descrentes,
mesmo assim Deus pode por Sua graça comum ouvir e responder positivamente às orações
deles, demonstrando dessa forma Sua misericórdia e bondade de outro modo ainda
(cf. Salmos 145:9,15; Mateus 7:22; Lucas 6:35,36). Esse é provavelmente o
sentido de 1 Timóteo 4:10, que diz que Deus é o “Salvador de todos os homens,
especialmente dos que crêem”. Aqui “Salvador” não significa restritamente “quem
perdoa pecados e dá vida eterna”, porque tais coisas não são dadas aos que não
crêem. “Salvador” deve ter aqui um sentido mais geral — a saber, “quem resgata
da miséria, quem liberta”. Em caso de pobreza e miséria, Deus muitas vezes ouve
as orações dos descrentes e os livra graciosamente de seus problemas. Além
disso, mesmo os descrentes muitas vezes possuem um senso de gratidão para com
Deus pela bondade da criação, pela libertação em meio ao perigo e pelas bênçãos
da família, do lar, das amizades e do país.
7. A graça comum não salva
pessoas. A despeito de tudo isso, devemos perceber que a graça comum é
diferente da graça salvadora. A graça comum não muda o coração humano nem traz
pessoas ao genuíno arrependimento ou à fé — ela não pode salvar e não salva
pessoas (embora na esfera intelectual e moral ela possa preparar as pessoas
para torná-las mais dispostas a aceitar o evangelho). A graça comum refreia o
pecado, mas não muda a disposição fundamental de pecar nem purifica a natureza
humana decaída.
Devemos também reconhecer
que as ações que os descrentes realizam por causa da graça comum não merecem a
aprovação ou o favor de Deus. Essas ações não procedem da fé (“tudo o que não
provém da fé é pecado”, Romanos 14:23) nem são motivadas pelo amor a Deus
(Mateus 22:37), e sim pelo amor ao ego sob uma ou outra forma. Portanto, embora
possamos prontamente dizer que as obras dos descrentes que se conformam
externamente às leis de Deus são “boas” em algum sentido, contudo elas não são
boas em termos de merecer a aprovação de Deus nem de tornar Deus endividado
para com o pecador em sentido algum.
Finalmente, devemos
reconhecer que os descrentes muitas vezes recebem mais graça comum que os
crentes — eles podem ser mais habilidosos, trabalhar com mais esforço, ser mais
inteligentes, mais criativos ou ter mais dos benefícios materiais desta vida
para desfrutar. Isso não indica de forma alguma que eles são mais favorecidos
por Deus no sentido absoluto ou que eles vão ganhar qualquer coisa relativa à
salvação eterna, mas significa somente que Deus distribui as bênçãos da graça
comum de vários modos, muitas vezes concedendo bênçãos bastante significativas
a descrentes. Em tudo isso, obviamente, eles devem tomar consciência da bondade
de Deus (Ateus 14:17) e reconhecer que a vontade revelada de Deus é que essa
“bondade de Deus” finalmente os conduza “ao arrependimento” (Romanos 2:4).
Razões para a graça comum
Por que Deus concede graça
comum a pessoas imerecedoras que nunca virão à salvação? Podemos sugerir ao
menos quatro razões.
1. Para redimir os que
serão salvos. Pedro diz que o dia do juízo e da execução final de punição está
sendo retardado porque há ainda mais pessoas que serão salvas. “O Senhor não
demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Ao contrário, ele é
paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao
arrependimento.” (2 Pedro 3:9,10). De fato, essa razão foi verdadeira desde o
princípio da história humana, pois, se Deus quisesse salvar qualquer pessoa
entre todos que compõem a humanidade pecaminosa, Ele não poderia destruir todos
os pecadores imediatamente (nesse caso não sobraria ninguém da raça humana). Ao
contrário, Ele resolveu permitir que seres humanos pecaminosos vivessem algum
tempo de modo a ter uma oportunidade de arrependimento e também para que
pudessem gerar filhos, capacitando gerações subseqüentes a viver, a ouvir o
evangelho e se arrepender.
2. Para demonstrar a
bondade e a misericórdia de Deus. A bondade e a misericórdia de Deus não são
vistas somente na salvação dos crentes, mas também nas bênçãos que Deus dá aos
pecadores que não as merecem. Quando Deus “é bondoso para com os ingratos e
maus” (Lucas 6:35), essa bondade é revelada no universo, para a Sua glória.
Davi diz: “O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas
criaturas” (Salmos 145:9). Na história de Jesus conversando com o moço rico,
lemos: “Jesus olhou para ele e o amou” (Marcos 10:21), embora o homem fosse um
descrente que no mesmo instante afastou-se de Jesus porque possuía muitas
riquezas. Berkhof diz que Deus “derrama incontáveis bênçãos sobre todos os
homens e também indica claramente que elas são expressões de uma disposição
favorável de Deus que, contudo, fica muito aquém da volição positiva exercida
para lhes perdoar, suspender a sentença a eles imposta e assegurar-lhes a
salvação”.
Não é injusto Deus
retratar a execução da punição do pecado e dar temporariamente bênçãos aos
seres humanos, porque a punição não é esquecida, mas apenas retardada.
Retardando a punição, Deus mostra claramente que não tem prazer em executar o
juízo final, mas, ao contrário, Ele se deleita na salvação de homens e
mulheres. “Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que não tenho
prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus
caminhos e vivam” (Ezequiel 33:11). Deus “deseja que todos os homens sejam
salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4). Em tudo isso o
tempo de espera da punição dá uma evidência clara da misericórdia, bondade e
amor de Deus.
3. Para demonstrar a
justiça de Deus. Quando repetidamente Deus convida os pecadores a virem à fé e
repetidamente eles recusam os Seus convites, a justiça de Deus em condená-los é
vista muito mais claramente. Paulo adverte que quem persiste na incredulidade
está simplesmente acumulando a ira para si mesmo: “Contudo, por causa da
teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira contra si mesmo,
para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento” (Romanos
2:5). No dia do juízo todas as bocas serão silenciadas (Romanos 3:19), e
ninguém será capaz de contrapor que Deus foi injusto.
4. Para demonstrar a
glória de Deus. Finalmente, a glória de Deus é mostrada de muitas formas pelas
atividades dos seres humanos em todas as áreas nas quais a graça comum está em
operação. No desenvolvimento e no exercício do domínio sobre a terra, homens e
mulheres demonstram e refletem a sabedoria do seu Criador, comprovam as
qualidades dadas por Deus, as virtudes morais e a autoridade sobre o universo,
e coisas semelhantes. Embora todas essas atividades sejam contaminadas por
motivos pecaminosos, elas apesar disso refletem a excelência de nosso Criador
e, portanto, trazem a glória a Ele, não de forma plena e perfeita, mas ainda
assim significativa.
Nossa resposta à doutrina
da graça comum
Pensando sobre as várias
espécies de bondades vistas na vida dos descrentes por causa da graça comum que
Deus dá abundantemente, devemos ter em mente três pontos.
1. Graça comum não
significa que quem a recebe será salvo. Mesmo uma porção excepcional de graça
comum não significa que quem a recebe será salvo. Até as pessoas mais
habilidosas, mas inteligentes, mais ricas e poderosas no mundo ainda carecem do
evangelho de Jesus Cristo ou serão condenadas eternamente! Os nossos vizinhos
mais bondosos e de moral mais elevada ainda carecem do evangelho de Jesus
Cristo ou serão condenados eternamente! Exteriormente pode parecer que eles não
têm necessidade algumas, mas a Escritura ainda diz que os descrentes são
“inimigos de Deus” (Romanos 5:10; cf. Colossenses. 1:21; Tiago 4:4) e são
“contra” Cristo (Mateus 12:30). Eles são “inimigos da cruz de Cristo” e “só
pensam nas coisas terrenas” (Filipenses 3:18,19), sendo “por natureza
merecedores da ira” (Efésios 2:3).
2. Devemos ser cuidados em
não rejeitar as coisas boas que os descrentes fazem, considerando-as totalmente
más. Pela graça comum os descrentes fazem algumas coisas boas, e devemos ver a
mão de Deus nelas, sendo agradecidos por elas, como por exemplo nas amizades,
em cada ato de bondade, no que elas trazem de bênçãos para outras pessoas. Tudo
isso — embora o descrente não o saiba — procede em última análise de Deus, e
Deus merece a glória por tudo.
3. A doutrina da graça
comum deveria estimular nosso coração à gratidão muito maior a Deus. Quando
descemos uma rua e vemos casas, jardins e famílias vivendo em segurança, ou
quando negociamos no mercado e vemos os resultados abundantes do progresso tecnológico,
ou quando andamos pelos bosques e vemos a beleza da natureza, ou quando somos
protegidos pelas autoridades, ou quando somos educados no vasto conhecimento
humano, devemos perceber não somente que Deus, em Sua soberania, é o
responsável último por todas essas bênçãos, mas também que Deus as tem
concedido aos descrentes, embora eles não tenham absolutamente nenhum mérito
com relação a elas! Essas bênçãos no mundo não são apenas evidências do poder e
sabedoria de Deus, mas a manifestação contínua da Sua graça abundante. A
percepção deste fato deveria fazer nosso coração se encher de gratidão a Deus
em cada atividade de nossa vida.
***
Fonte: Teologia
Sistemática, Wayne Grudem, Editora Vida, págs. 297-304.
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