David T. Koyzis é um cientista político canadense, autor do livro Visões e Ilusões Políticas, uma das melhores obras de teoria política sob uma perspectiva cristã. Procurado pela equipe do nosso blog, aceitou de bom grado responder 5 perguntas que foram elaboradas por nossos editores (Thiago Oliveira e Thomas Magnum), nos concedendo uma entrevista exclusiva e com excelentes respostas - que podem auxiliar aqueles que estão começando a se interessar pelo assunto e querem aprender mais a respeito de política.
Agradecemos ao Alison Aquino, do blog Pelo Calvinismo, que deu uma tremenda ajuda na tradução.
Entrevista
Electus (E): Parece
que chegamos na “era dos extremos”. Na política mundial, conservadores e
progressistas estão cada vez mais tendendo ao radicalismo em seus discursos. As
redes sociais parecem alimentar esse extremismo. O que o Senhor tem a dizer a
respeito? Acredita que esta “era” já chegou?
Koyzis (K): É verdade, muitos discursos políticos têm
soado extremos, um exemplo atual se vê na campanha eleitoral para a presidência
nos EUA . E, sim, mídias sociais, como o Facebook, incentivam este tipo de
coisa. Por outro lado, se formos um pouco mais longe, nos anos 1920 e 30, vemos
que foi uma época consideravelmente pior, com o comunismo, o fascismo e
nacional-socialismo (nazismo) no poder sobre um grande número de pessoas no
continente eurasiano. Graças a Deus, não temos, Hitler’s, Mussolini’s e Stalin’s,
no século 21. Hoje, as mais poderosas visões ideológicas são muito mais sutis,
fazendo sentir a sua presença através da mídia, educação e até mesmo nas
igrejas, que usam de sua influência para persuadir as pessoas a aceitarem suas interpretações
da realidade, inclusive na vida política.
E: O
Brasil ainda está engatinhando nas ideias conservadoras e liberais, pois, há
muito tempo, principalmente após o Regime Militar, os pensamentos marxistas
dominam a nossa política. De forma geral, e também entre os cristãos protestantes,
os brasileiros estão conhecendo autores conservadores como Roger Scruton,
Russell Kirk e Edmund Burke. Qual a sua avaliação de possíveis aproximações do
pensamento político cristão do conservadorismo - mais precisamente britânico?
K: Definitivamente, existem possibilidades
de ter alguma forma de aproximação, mas os cristãos fariam bem em ter cautela.
Muitos conservadores, como Aleksandr Solzhenitsyn, Russell Kirk e Pe Richard
John Neuhaus, eram de fato os cristãos sérios que, tanto quanto podemos dizer,
realmente acreditavam na verdade da fé. Mas outros conservadores abraçam o
cristianismo, não necessariamente porque é verdade, mas porque tem um certo
valor utilitário na defesa da moral pública.
Conservadorismo, no seu melhor, oferece
conselhos sábios em face das ideologias transformacionais que visam revolucionar a
sociedade, sob o pretexto de começar de novo ao longo de linhas mais
ostensivamente racionais. Escrevendo em 1790, Burke previu com surpreendente
clareza o futuro da Revolução Francesa e do seu resultado provável nas mãos de
um governante tirânico. Ele entendeu que, apesar das aparências superficiais, os franceses foram finalmente substituindo a monarquia absoluta com o
governo constitucional, havia um espírito destrutivo em geral que traria a
revolução para um fim nada bom. Ele estava certo, é claro, e é por isso que
continuo a ler os escritos de Burke hoje.
Por outro lado, conservadores (de carne e
osso) estão por todo o mapa político quando se trata de princípios políticos específicos.
Konstantin Pobedonostsev (1827-1907), tutor conservador para os dois últimos
czares russos, defendeu o absolutismo monárquico, enquanto os conservadores
norte-americanos dificilmente concordariam. Conservadores canadenses defendem
uma monarquia constitucional e um governo parlamentar, enquanto os
conservadores americanos defendem a separação dos poderes instituídos por seus
fundadores na década de 1780. Onde eles estão propensos a concordar é em
afirmar que o governo não pode fazer tudo. Mas isso não é suficiente para expor
uma visão de governança justa em uma sociedade complexa. Então, não, os
cristãos não podem se contentar em serem conservadores, mesmo quando podemos
vê-los como aliados em questões específicas.
E: As ideias políticas são
frutos de cosmovisões. Temos dentro de centros acadêmicos grande parte da
doutrinação em ideologias políticas que são frutos de uma cosmovisão. Que
conselho você dá aos jovens cristãos que tem estudado, principalmente na área
de humanas, e tem sido bombardeados por ideologias idolátricas nas
universidades?
K: Primeiramente, gostaria de dizer-lhes
para manter seus olhos em Jesus Cristo e na centralidade da cruz e da ressurreição.
É fácil se desviar no meio das diversas responsabilidades de uma vida agitada.
Isso não significa que devemos abandonar tais responsabilidades e nos dedicar
exclusivamente a uma vida de oração. Isso significa que nós vivemos nossas
diversas vocações (por exemplo, como maridos, esposas, cidadãos, funcionários,
alunos, professores e assim por diante) reconhecendo que a nossa lealdade final
é o Deus que criou, redimiu e nos capacitou a viver de acordo a sua palavra.
Que implicações isso tem para ideologias políticas?
Os seguidores de tais visões ideológicas estão usando uma cortina que lhes
permite ver somente algumas poucas coisas - e só a partir de um determinado
ponto de vista. Os liberais podem ver apenas a liberdade individual e tendem a
minimizar a importância de outros fatores legítimos. Conservadores veem
corretamente o lugar importante da tradição, mas têm dificuldade em formular
critérios que permitam avaliar o valor dessas tradições. Nacionalistas
compreendem a importância da solidariedade no seio de determinados grupos de
pessoas que partilham características e objetivos comuns, mas eles tendem a
tornar a nação em um ídolo.
Os alunos expostos a essas ideologias
precisam estar cientes de que as cosmovisões em que estão enraizados dão-lhes
uma imagem distorcida do mundo real, que é muito mais complexo do que eles são
levados a acreditar. Um marxista acredita que removendo as barreiras econômicas
simplesmente irá desbloquear as virtudes inatas dos seres humanos e levá-los a
uma sociedade sem classes, florescente, ignorando não só a realidade do pecado
- que não pode ser erradicada antes da segunda vinda de Cristo - mas também os
múltiplos fatores de motivação que condicionam a vida em uma sociedade real. A
economia não é tudo.
Por outro lado, uma cosmovisão bíblica tem
a vantagem decisiva de reconhecer que o nosso mundo pertence a Deus e encontra
o seu sentido último nele. Se somos cristãos, não temos que depositar a
esperança em um princípio de unidade dentro da criação, pois ela nunca será
encontrada. Em vez disso, nós reconhecemos a verdadeira diversidade da criação
de Deus cuja unidade vem dele somente.
E: A
católica Teologia da Libertação (TL) é conhecida por aliar o cristianismo aos
ideais marxistas. Mas também existe uma linha evangélica que se assemelha a
proposta da TL. Via de regra eles usam o termo missão integral, cunhado em
Lausanne, mas não condenam o marxismo tal como fez o relatório de Pattaya
(1980). Autores como Francis Schaeffer dizem que o marxismo é uma heresia
cristã por ter também uma base soteriológica. O Senhor comunga da mesma
opinião? E quais são os danos de sintetizar teologia com ideologia
política?
K: Sim, de fato o marxismo é uma heresia
cristã, mas não está sozinho nesta. Todas as visões ideológicas que
influenciaram o mundo moderno são - com efeito - heresias cristãs. Cada uma postula
uma narrativa redentora falsa, que começa com um problema central capaz de ser
resolvido apenas por algum tipo de redentor terreno. Para os marxistas, o
proletariado (ou seja, a classe operária industrial) é o messias que inaugura a
sociedade sem classes, uma forma secularizada do reino de Deus. Para os
nacionalistas, a redenção vem com a libertação da nação do domínio estrangeiro.
Para os liberais, a maximização da liberdade individual traz o reino. Na
verdade, neste momento, pode-se argumentar que a religião estabelecida em
grande parte do mundo de hoje é a religião dos direitos humanos, tais direitos são
atribuídos à auto-expansão dos desejos particulares, muitas vezes em detrimento
de outras considerações legítimas, incluindo o bem das comunidades maiores do
qual fazemos parte.
Sobre os perigos da "síntese entre teologia
e ideologia política", gostaria de expressá-lo da seguinte forma: O perigo
é de ter lealdades divididas. "Ninguém pode servir a dois senhores"
(Mateus 6:24). Se dissermos que servirmos a Deus, devemos servi-lo totalmente e
não manter qualquer coisa por trás dele. Devemos permitir que Ele transforme
os nossos desejos e aspirações, para que eles estejam em conformidade com a sua
vontade para nossas vidas. Se contentar com menos, é, na verdade, se contentar
com um outro evangelho.
E: A
teologia reformada contempla todos os campos da ação humana, como ensina a
soberania das esferas. Qual a importância de uma boa base teológica para ter
uma boa visão política cristã? Que autores recomendaria para os leitores que
estejam interessados em aprofundar sua visão política?
K: Temos que começar reconhecimento as palavras
do Catecismo de Heidelberg (1563), que diz que não pertencemos a nós mesmos,
mas pertencemos, corpo e alma, na vida e na morte, ao nosso fiel Salvador Jesus
Cristo. Nosso mundo pertence a Deus e não a nós. Nós não podemos fazer o que queremos
com o mundo de Deus, isso traz profundas implicações para a nossa forma de
fazer política. Se não formos capazes de reconhecer essa realidade, estamos
propensos a sermos vítimas de qualquer número de promessas ilusórias que nenhum
governo em qualquer lugar está em condições de cumprir.
Mas não é apenas uma questão de teologia
correta, isso poderia implicar que somos salvos pela teorização correta. Como
cristãos, somos moldados pelas práticas litúrgicas da Igreja, à qual somos
chamados como membros do corpo de Cristo. Devemos ler as Escrituras e, como
Lesslie Newbigin coloca, encontrar o nosso próprio lugar dentro da narrativa
redentora bíblica. Precisamos seguir nossos antepassados antigos na fé e orar
através do Saltério – numa base regular. (A leitura mensal do Salmo 88 pode imunizar as pessoas contra as tentações de um evangelho da falsa prosperidade!)
O evangelho deve residir em nossos corações e não apenas em nossas cabeças.
E quais os autores que eu recomendaria? Bem,
mais escritos de Abraham Kuyper estão sendo traduzidos do holandês para o
inglês a cada ano, e espero que um dia eles sejam traduzidos em Português
também. Estou satisfeito pela tremenda recepção que meu livro Visões e Ilusões
Politicas recebeu no Brasil. Para aqueles que sabem Inglês, eu recomendaria
qualquer coisa escrita por James W. Skillen, Paul Marshall, Jonathan Chaplin, e
as publicações on-line do Centro pela Justiça Pública e Cardus , que é do Canadá.
E, claro, eu ficaria feliz em oferecer meus próprios escritos (aqui) para qualquer
pessoa interessada.
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