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20 de jun. de 2016

Deve o pastor ser teólogo?

Por Samuel Alves

Pode parecer absurda minha pergunta, eu reconheço! Após ler alguns livros do Kevin J. Vanhoozer fiquei regozijado e ao mesmo tempo um senso de responsabilidade surgiu. Comecei a refletir sobre o papel do pastor - principalmente como um teólogo público. O pastor evangélico é um homem que transita em todas as esferas da sociedade e se expressa teologicamente, este homem de Deus dá respostas, expõe as Escrituras e transmite todo o conselho de Deus. Criou-se uma caricatura de que pastor é um ser alienado, alguém que não estuda, que sequer sabe se expressar verbalmente e que a religião desse pastor é apenas experiencial e sensitiva. É claro que não se deve generalizar, a grande questão é que a algumas igrejas compraram esta ideia, principalmente as igrejas neopentecostais[1]. Para os neopentecostais só interessa a experiência, é evidente o desprezo pela doutrina. Já cansei de ouvir frases do tipo: “A letra mata, doutrina esfria a fé, o mais importante é a unção e etc.”. Todo esse conceito envolvido em uma dose de pragmatismo leva muitos pastores a reverem seu papel como teólogo público e negociarem a fé, por este motivo muitos pastores parecem administradores e marqueteiros da fé. Neste tempo de onde o pastor é tido com uma pessoa irrelevante volto meu olhar para a Bíblia e vejo que Deus deu pastores a sua igreja (Efésios 4.11). Mas quem são estes homens que Deus deu a igreja e o que Deus espera deles? Esta é a pergunta que deve estar em nossa discussão, vivemos uma crise existencial e isto faz muitas vezes alguns líderes desprezarem seu chamado enquanto outros abusam de sua autoridade. O Vanhoozer[2] faz uma citação excelente sobre este homem que Deus deu a igreja:

Eis o paradoxo central: o pastor é uma figura pública que não deve fazer nada para o próprio benefício, que não deve falar com o objetivo de atrair atenção para si, mas para longe de si – ao contrário da maioria das celebridades contemporâneas. O pastor deve apresentar alegações de verdade com o objetivo de ganhar pessoas não para a sua maneira de pensar, mas para a maneira de pensar de Deus.


Este é um grande ponto para reflexão e recuperação, muitos pastores vocacionados estão sendo enviados para o seminário com uma visão distorcida do ministério. Um dos meus conflitos como seminarista muitas vezes foi tentar conciliar aquilo que aprendi a luz das Escrituras na igreja local. Em alguns momentos percebi que a doutrina era desprezada em detrimento de um pragmatismo anti-bíblico, convivi com frases do tipo: “os irmãos não tem maturidade para ouvir isso, eles vão perder a fé e etc.”. Este é grande desafio que o pastor como teólogo público enfrenta: como fazer que a dona de casa, o médico, o pedreiro, o auxiliar de escritório compreendam o evangelho? Simplesmente pregando e ensinado todo o conselho de Deus!

Esta é a ordenança, o pastor deve ser apto ao ensino (1 Timóteo 3.2), ensinar a Bíblia é crucial para o trabalho pastoral, precisamos entender que lideramos usando o exemplo de Cristo e Cristo ensinava com autoridade, em Cristo encontramos a essência do ministério pastoral, vemos na pessoa de Cristo ensino e compaixão pelas pessoas. Jeramie Rinne[3] faz a seguinte observação em seu livreto:

O que é mesmo um pastor? A palavra grega poimen, traduzida por “pastor”, significa “aquele que apascenta/pastoreia”.  Poimen pode referir-se a quem apascenta em sentido literal, como pastores encontrados em nos campos, no relato natalino de Lucas. Com muito mais frequência, porém, poimen se refere a Jesus, nosso bom pastor. [...] Assim, o pastor é quem apascenta, e pastorear significa cuidar do rebanho. Não surpreende que o vocábulo português “pastor” provenha da palavra latina “pastor”, que significa... apascentador!

Voltando nosso pensamento para o Texto de Efésios 4.11 podemos concluir que pastor e mestre andam juntos para descrever um só ofício e papel. Os pastores devem ser pastores-mestres e servirem a igreja de Cristo, assim como um médico cuida da saúde de pessoas o pastor cuida da alma das pessoas ao cumprirem seu chamado, em nenhum momento a Bíblia desassocia doutrina e piedade, ensino e prática. A doutrina correta anda junta com a prática e a compaixão (ortodoxia, ortopraxia e ortopatia).

É neste ponto que destaco o papel da doutrina na vida do teólogo público. A doutrina é uma ajuda indispensável na caminhada da igreja em busca de maturidade e crescimento espiritual. A teologia não é apenas uma teoria abstrata e irreconciliável com a vida piedosa, precisamos entender que a piedade vem justamente com a doutrina correta aplicada em nosso cotidiano. Precisamos ensinar a igreja de Cristo que a doutrina permeará nossas atitudes e decisões éticas. A ética que ensinamos é a ética do reino de Deus e isto fara diferença substancial na vida dos santos e sua vivencia em comunidade.

Uma crítica que muito se ouve é que muitos pastores não vivem o que pregam.  É um ponto para pensarmos e avaliarmos: o que os crentes pensam de nós? Precisamos pautar nosso ministério no “De acordo com as Escrituras”, é claro que muitas vezes seremos acusados injustamente, o ponto que destaco aqui é a atitude de Neemias e o Cyril Barber faz a seguinte exortação em seu livro:[4]

[...] quando os inimigos de Neemias atacaram a sua pessoa ele sentiu instintivamente que estava perdendo o pulso da situação. Sua resposta, portanto, foi negar a acusação, entregar toda questão ao Senhor, e depender do fortalecimento divino para continuar a obra. Ela não gastou tempo tentando justificar-se. Levando os seus problemas ao Senhor em oração, deixando tudo nas suas mãos, ele preservou sua estabilidade emocional. Assim, ele estava apto a continuar com a construção e deixar para o Senhor a defesa de sua pessoa. Se ele não tivesse feito assim, teria gasto o resto do dia preocupado com os seus problemas... até que estes vencessem.

Em meio as críticas e acusações injustas deveremos ter compromisso com Deus e sua Palavra. O foco aqui não é a opinião pública e sim agradar o Senhor e fazer sua vontade. Muitos jovens pastores convivem com este problema, agradar a opinião de alguns membros da igreja ou a Deus, e aqui, mais uma vez me abrigo nas palavras do Vanhoozer:[5]

A teologia é uma ciência no sentido de que diz respeito ao conhecimento de Deus, mas talvez “ciência” não seja o melhor rótulo para descrever esse conhecimento ou a razão pela qual a doutrina é importante para os discípulos. No reino secular, ciência significa o domínio de algum campo resumido em um sistema de conhecimento. Saber alguma coisa cientificamente é ser capaz de controla-la, usá-la em nosso proveito. Ninguém “domina” o projeto de viver de forma abençoada com os outros perante Deus.

Este pensamento reflete bem as polaridades que muitos pastores vivem. Uns negligenciam o ensino doutrinário, pregam um evangelho humanista, antropocêntrico e abusam de sua autoridade. Por outro lado, outros se dobram ao sistema e opinião pública em detrimento de uma falsa piedade, é neste conflito que se perde totalmente a visão do que é o verdadeiro chamado do pastor-teólogo. Não fomos chamados para controlar as pessoas, fomos chamados para apascentar e ensinar. Como cumpriremos esta tarefa? Ensinando todo o conselho de Deus! Respondendo à pergunta inicial “deve o pastor ser teólogo?” Sim, deve. Aliás, para pastorear a igreja do Senhor é obrigatório ensinar.
Soli Deo Gloria!



[1] O neopentecostalismo ou terceira onda do pentecostalismo é um movimento sectário dissidente do evangelicalismo, que congrega denominações oriundas do pentecostalismo clássico ou mesmo das igrejas cristãs tradicionais.

[2] VANHOOZER, Kevin J. O pastor como teólogo público: recuperando a visão perdida. São Paulo, Ed. Vida Nova. 2016. p. 34.

[3] RINNE, Jeramie. Presbíteros: Pastoreando o povo de Deus como Jesus; Tradução Rogério Portela. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 39.

[4] BARBER, Cyril J. Neemias e a dinâmica da liderança eficaz. São Paulo: Vida, 2003, p. 90.

[5] VANHOOZER, Kevin J. Encenando o drama da doutrina: teologia a serviço da igreja; Tradução de A.G de Medeiros. São Paulo: Edições Vida Nova. 2016. p. 21.

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