Por Morgana Mendonça dos Santos
"Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão
de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional".
Romanos 12.1.
No primeiro verso do capítulo 12 da
carta à igreja de Roma, o apóstolo Paulo nos mostra a forma do culto racional e
diário, assim como Moisés escreve o segundo mandamento (Ex 20.4-6; Dt 4.15-19)
como regulamento do mesmo. A Bíblia revela do começo ao fim como devemos adorar
a Deus e a forma como foi constituída essa adoração. O culto segundo as
Escrituras provém da prórpia Escritura. É a Palavra escrita que determina o
culto solene. Não parece ser tão óbvio assim, devido a real situação do culto
na maioria das igrejas. É tanto urgente como necessário oferecer o conceito de
culto para que o culto seja devidamente estabelecido. Culto poderia ser
definido como: ajuntamento solene com o propósito de glorificar a Deus de forma
reverente e com muito temor. O povo da aliança é convocado de forma santa a
cultuar a Deus de acordo com Hebreus 12.28-29, lembrando assim que Deus é fogo
consumidor:
"Pelo que, recebendo nós um reino
que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus
agradavelmente, com reverência e temor; pois o nosso Deus é um fogo
consumidor."
Tanto no Antigo como no Novo Testamento
a estrutura do culto é abastecida de temor ao Senhor. Perceba que Hebreus 12
tem ecos do Salmo 50.3-4, como exemplo disso temos o que aconteceu no Monte
Sinai. Deus exige um culto conforme Ele deseja e somente o aceita dessa forma.
A exigência divina deve ser percebida, Ele exige um culto santo, pois é fogo
consumidor. Nas palavras do Rev. Kenneth Wieske [1] sobre o caráter do culto solene:
Desde o Antigo Testamento já era
necessário obedecer e atender à santa convocação do Senhor. Quando Deus
convocava seu povo diante do Monte Sinai que fumegava, relampejava, trovejava e
via-se a presença dos anjos (At 7.53; Hb 2.2; Dt 33.2), quem ousaria dizer
“não, não posso ir ao culto, pois tenho outros compromissos? Acho que papai e
mamãe irão, mas eu tenho alguma coisa a comprar no shopping”. Que nada! Deus
estava convocando seu povo e ai daquele que não obedecesse ao seu chamado! Se
naquela época era impensável se desprezar a santa convocação, quanto mais hoje?.
Eis o que a Confissão de Fé de Westminster
(CFW) diz a respeito no capítulo XXI sobre o assunto do culto solene [2]:
A luz da natureza mostra que há um
Deus, que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e
que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de
todo o coração, de toda a alma e de todas as forças; mas, a forma aceitável de
adorar o verdadeiro Deus é instituída por Ele mesmo, e é tão limitada pela sua
própria vontade revelada, que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e
invenções dos homens, ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação
visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras.
O culto segundo as Escrituras deverá
ter características fundamentalmente bíblicas. Ele deve ser unicamente e
devidamente bíblico, evangélico, pactual, histórico, alegre, litúrgico e
reverente [3]. O culto bíblico que o Senhor instituiu tem implicações nos dez
mandamentos. Encontramos esses princípios nos primeiros mandamentos, onde Deus
estabelece quem deve ser adorado, como deve ser adorado e a reverência dessa
adoração. No primeiro mandamento (Ex 20.3; Dt 5.7) há uma ordem, "não terás outros deuses diante de mim",
aqui aprendemos a quem unicamente devemos adorar. No segundo mandamento (Ex 20.
4-6; Dt 5. 8-10) observamos a maneira que Ele instituiu essa adoração e nos
deixou avisados da forma que Ele mesmo abominaria se fizéssemos.
“Não farás para ti nenhum ídolo,
nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da
terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o
Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de
seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato
com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus mandamentos.”
Êxodo 20. 4-6.
No terceiro e quarto mandamento, de
forma contínua é pressuposto o dia e a reverência dessa adoração (Ex 20.7-11;
Dt 5.11-15). Nem as especulações humanas, nem muito menos a sinceridade de um
coração é suficiente para celebrar o Deus Triuno no culto solene. A exemplo
disso temos Caim (Gn 4.5), Nadabe e Abiú (Lv 10.1-2) e Uzá (2 Sm 6.6-7) que
tentaram da sua própria forma realizar um culto e/ou oferecer um serviço na
presença de Deus.
O culto deve ser bíblico pelo inequívoco fato de que Deus em Sua
palavra já ter regulado os elementos do culto e seus princípios que são segundo
a sua vontade (Dt 12.29-32). Deus revela em Sua sagrada Palavra tudo o que
precisamos para cultuá-lo com zelo pela sua glória e reverência pelo seu nome.
Desejo sincero não significa culto aceitável, cumprimento bíblico sim. Oferecer
um culto ao Senhor sem ser prescrito pela Sua palavra é uma profanação a sua
pessoa. Um culto à si mesmo é condenado pela própria Escritura (Cl 2.23). Não
há desculpa para se apartar da regra, a regra é clara. O que não é proferido
não pode ser oferecido. Segundo Daniel Hyde, em poucas palavras [4]: "Em tempos de analfabetismo bíblico,
precisamos de um culto cheio das Escrituras, com uma linguagem escriturística
em cada aspecto, das leituras responsivas e cânticos, às orações e leituras
bíblicas propriamente ditas." Importa que estejamos aptos para compreender
que o culto segundo as Escrituras precisa ser cheio das Escrituras.
O culto deve ser evangélico, isto é, alicerçado nas boas novas de
salvação em Cristo Jesus. O culto deve ser cristocêntrico, deve ter o evangelho
ressoando do começo ao fim. O culto deve ser evangélico devido à obediência
ativa e passiva de Cristo, Ele mudou tudo. Temos livre acesso a presença de
Deus, o evangelho - Cristo nos garantiu esse caminho novo à presença do Criador
(Ef 2.11-22; Hb 10.19-22). Temos um grande sacerdote sobre à casa de Deus, o
autor aos Hebreus afirma com clareza que através do sangue de Cristo podemos
confiantes nos aproximar humilhados além do véu. “Assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena
convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma
consciência culpada e os nossos corpos lavados com água pura.” Hebreus
10.22. Assim como Abel (Hb 11.4), podemos nos aproximar com plena convicção de
fé e um coração sincero, um culto superior, pois, é segundo as Escrituras. O culto
é evangélico porque o evangelho é o reflexo daquilo que é pregado, orado e
cantado. O povo do pacto é alimentado pelo evangelho e o Espírito Santo atrai
os incrédulos para ouvir as boas novas de salvação. A grande questão é que nos
nossos dias os cultos foram divididos por temas. E com isso há grandes
prejuízos. Me parece que o que temos hoje são fatias de um bolo que não poderia
ser ratificado. Culto de adoração, culto da consagração, culto evangelístico,
culto de oração e/ou doutrina. Acredito que o culto deverá conter esses
elementos, não há culto solene sem oração ou exposição da sã doutrina. Não
poderá haver culto sem o evangelho ou sem consagração. Todo culto deverá conter
elementos prescritos na Palavra, como disse Timothy Keller [5], em resumo:
se o culto de domingo visa em primeiro
lugar o evangelismo, aborrecerá os santos. Se visa principalmente a instrução,
confundirá os incrédulos. Mas se visa louvar o Deus que salva pela graça, isso
vai instruir os de dentro e desafiar os de fora. A boa adoração corporativa será
naturalmente evangelística.
Complemento dizendo que, todo esforço
não será útil para somente abastecer os santos ou atrair os incrédulos, o culto
deve ser bíblico e conter elementos que glorifiquem o Senhor, que é santo e
soberano sobre todos os corações.
O culto deve ser pactual, significa não ser tradicional ou
moderno. Essas formas culturais de culto não são apropriadas ao contexto
teológico segundo as Escrituras. Manter a distância das formas contextualizadas
de culto segundo as especulações humanas deve ser o dever do cristão. O
culto deve ser pactual pelo fato de ser baseado na aliança de Deus com o seu
povo. De acordo com a continuidade do Antigo e Novo Testamento, conforme
prescrito na lei. O culto deve ser pactual porque possui um caráter legal e
íntimo como um casamento, a comunidade dos eleitos com o Deus Triuno (Ef 5),
uma verdadeira aliança. Muitos podem objetar dizendo que precisamos de um culto
contemporâneo, com a intenção de atrair uma nova geração de crentes que vivem numa
outra forma cultural de adoração. Engano! Nosso culto deve ser guiado pelo
padrão das Escrituras, não é a cultura que dita a forma da santa convocação nem
os elementos oferecidos na adoração. Outros podem destoar do conceito de culto
pactual, devido não ser uma linguagem acessível. No entanto, como disseram os
reformadores devemos falar no vernáculo, ou seja, numa linguagem compreensível.
A ordem da pactualidade do culto solene não despreza uma linguagem acessível,
nem muito menos a suficiência do texto sagrado. A estrutura que predomina nas
Escrituras é o pacto, a Bíblia é um documento pactual, deve ser necessário essa
compreensão para não restar dúvidas sobre essa forma de culto. Há um diálogo
entre Deus e o Seu povo no culto, vejamos essa citação: "Deus nos diz: “Eu
serei o seu Deus” e nós respondemos: “Nós seremos o seu povo”. Deus nos chama à
adoração e respondemos em cântico. Deus nos fala a sua Lei, nós lhe respondemos
com a confissão dos nossos pecados. Ele nos absolve dos nossos pecados, nós
respondemos em oração. Ele nos fala pela Palavra e nos sacramentos, nós
respondemos com dádivas de gratidão e doxologia. Isto é o que realmente
significa dizer que o nosso culto é pactual." O culto é a renovação da
promessa pactual que Deus fez em Cristo conosco, esse pacto da graça é renovado
a cada semana na exposição da Palavra e nos Sacramentos.
O culto deve ser histórico porque é necessário que seja coerente
com a doutrina dos apóstolos, que tenha continuidade com a história da igreja e
que realce a maneira que os nossos antigos cristãos cultuaram solenemente o
Deus Triuno. Deve ser um culto histórico e unido a tão grande nuvem de
testemunhas (Hb 12.1). Quando nos reunimos no dia do Senhor, devemos ter em
mente que estamos de forma coerente afirmando aquilo os antigos cristãos também
afirmaram sobre a solenidade e simplicidade do culto. Seguindo o modelo básico
da igreja primitiva sobre o culto, conforme testemunho dos pais da igreja, dos
reformadores e seus escritos. Como afirma o Hyde [6]
em resumo, seguimos este modelo básico
da Igreja primitiva de culto, no qual a Palavra é lida e pregada, os
sacramentos são celebrados com ação de graças, orações de confissão,
intercessão, graças são dadas, e as ofertas do povo de Deus coletadas para o
ministério da misericórdia.
O culto deve ser alegre e reverente, e isso quer dizer cheio de temor ao
Senhor. Não espontâneo e sem entendimento. Aqui, chegamos num ponto
controverso. Quem disse que um culto recheado de risos, gritos e danças é um
culto alegre? Quem disse que um culto silencioso, harmonioso, sem expressões
extravagantes é um culto triste? A liquidez dos cultos perde completamente o
sentido de alegria sólida e perseverante. Segundo os Salmos, o culto é
extremamente alegre e reverente (Sl 100.1-3). Percebemos o salmista enfatizando
extrema alegria e temor. A questão é que a falta de percepção de quem nós somos
não permite-nos entender o que significa verdadeira alegria no culto ao Senhor.
Não seria a hora de entender o que de fato é, e o que não é alegria? Alegria
não quer dizer ter liberdade para fazer o que quiser, também não quer dizer
oferecer ao Senhor o seu culto do seu jeito conforme seu bem parecer. Um culto
alegre significa uma grande expectativa que Deus irá lançar sobre nós a Sua
graça quando diante dEle estivermos reverentes com tremor e temor (Sl 2.11). O
culto alegre é um deleite na bondade do Senhor e em resposta manifestamos nossa
gratidão diante do seu favor. A alegria é a condição de um coração que foi
profundamente convicto dos seus pecados diante de um Deus Santo que foi
compassivo e misericordioso. A alegria de um culto é a qualidade de um coração
que foi livre da condenação e aceito por um supremo e justo redentor. Alegria e
agitação não são sinônimos, emoções desenfreadas e extravagantes na verdade só
enfatizam falta de reverência e temor diante de Deus que é fogo consumidor. Nas
palavras do Robert Godfrey [8],
Devemos lembrar que reverência nem
sempre significa calma, e alegria nem sempre significa ruído. Alegria e
reverência são, antes de tudo, atitudes do coração para as quais procuramos
manifestações apropriadas no culto. A alegria pode ser intensa no canto de uma
canção muito tranquila. A reverência pode ser manifesta no cantar alto.
Devemos a exemplo dos santos no AT e NT
oferecer ao Senhor um culto alegre e reverente, “grandes coisas fez o Senhor
por nós e por isso estamos alegres” (Sl 126.3).
O culto deve ser litúrgico, organizado e estruturado. Isso não
quer dizer mecânico ou seco como se não houvesse vida. O culto deve ser
compreensível e simples, seguido conforme o rito (Lv 9.16 cf. Lv 10.1; Dt
12.29-32), isso não quer dizer cheio de rituais antropocêntricos. Liturgia ou
ordem de culto significa um serviço, Cristo e o Seu povo como num banquete
santo, uma atividade pactual. Nos é devido adorar ao Pai em espírito e em
verdade (João 4.24), todavia, existe uma estrutura para que essa adoração seja
oferecida. A necessidade da liturgia não é transformar o culto em ritos
idolátricos, a ausência da liturgia não quer dizer que o culto torna-se
dirigido pelo Espírito Santo. É necessário cautela, precisamos ser fiéis ao
padrão divino que está prescrito em Sua Palavra. Uma estrutura litúrgica
biblica de culto não será enfadonha ou cansativa, será sim, de grande
ensinamento e isso apontará a glória de Deus em Cristo. O centro da liturgia é
a Palavra de Deus lida e proclamada, como também os Sacramentos administrados
corretamente. A congregação entoa cânticos, faz orações e confissões, declara a
confissão de fé e ajunta ofertas para os necessitados finalizando com uma
benção desafiando os cristãos a seguirem firmes e com fé na proclamação do
evangelho. Os elementos do culto, conforme prescritos nas Escrituras, precisam
enfatizar e anunciar o Senhor Jesus Cristo e seu supremo e perfeito sacrifício.
A igreja precisa compreender que a cultura não tem autoridade sobre o culto ao
Senhor. O Culto conforme e como o Evangelho é contra e supra cultural. A
adoração deve ser segundo as Escrituras, o sermão expositivo deve ser
compreensível, os sacramentos devem ser administrados corretamente, as orações
e ações de graça no culto precisam ser rendidas segundo a vontade soberana e a renovação
pactual estabelecida. Combatemos o culto místico, louvores que exaltam o homem,
uma liturgia idólatra, confissões positivas, apelos compulsivos, orações que
obrigam Deus satisfazer desejos ególatras. Juntamente com as Escrituras
precisamos priorizar o culto solene abastecido de sermões expositivos,
liturgias confessionais, sacramentos biblicamente administrados e orações
humilhadas. Nas palavras de Calvino temos uma ótima advertência [9]:
Exortamos os homens a que não adorem a
Deus de modo frígido e descuidado, e enquanto apontamos o modo, não podemos
perder de vista o fim, nem omitir qualquer coisa que diga respeito àquilo que
apontamos. Proclamamos a glória de Deus em termos muito mais elevados do que
estávamos acostumados a proclamar antes, e com todo vigor trabalhamos para
tornar as perfeições nas quais a glória de Deus brilha mais e mais conhecidas.
Exaltamos tão eloquentemente quanto podemos seus benefícios a nós, ao tempo em
que conclamamos outros a reverenciar sua majestade, render a devida homenagem à
sua grandeza, sentir a devida gratidão por sua misericórdia, e nos unirmos em
seu louvor.
Portanto, concluo que devamos rejeitar
todo e qualquer culto a si próprio. O culto do ego, das habilidades, das
conveniências. Rejeitemos com força a hipocrisia dos fariseus e a religiosidade
dos líderes dos judeus. Rejeitemos toda influência cultural e que a cada semana
seja a nossa doxologia oferecer ao Senhor um culto segundo as Escrituras.
“Apliquem-se a fazer tudo o que eu
ordeno a vocês; não acrescentem nem tirem coisa alguma.” Deuteronômio 12. 32.
_____
NOTAS:
[1] Prefácio
do livro - Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[2]
Confissão de Fé de Westminster, capítulo XXI.1.
[3] Hyde,
Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[4] Hyde,
Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[5] Timothy
J. Keller, “Reformed Worship in the Global City,” in Worship by the Book, p.
219.
[6] Hyde,
Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[7] Hyde,
Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[8] W.
Robert Godfrey, Pleasing God in Our Worship (Wheaton, IL: Crossway Books,
1999), p. 24.
[9] João Calvino, The
Necessity of Reforming the Church (Audubon, NJ: Old Paths Publications, 1994),
p. 25–26.