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29 de abr. de 2016

Indicação de Livros para Pastores



Alguns de nossos articulistas exercem o pastorado e tem contribuído para preservar e propagar a sã doutrina no âmbito da igreja local. Como muitos pastores e também candidatos ao pastorado leem o nosso blog, decidimos fazer uma pequena lista de indicações especialmente para aqueles que têm a honrosa e diligente vocação para cuidar do rebanho do SENHOR. Cada articulista indicou uma obra apenas, dando um total de cinco livros que como diz um outro pastor – Jonas Madureira – você não pode passar dessa vida para outra sem lê-los. Em cada endosso há o link para que você possa obter informações e também adquirir as obras. 

Vamos as indicações!



Paul Tripp é escritor profícuo, palestrante e principalmente pastor, e isso, o respalda para falar do assunto. Esse livro me surpreendeu! De forma prática e clara o autor trata de temas relevantes e reais da vida do pastor. Ele nos leva a fazer um autoexame constantemente de acordo com a progressão da leitura. O livro nos ajuda a olharmos pra nós mesmos, para o nosso coração a partir das Escrituras e identificarmos os nossos pecados. O mesmo nos confronta a todo instante, nos deixando desconfortáveis diante da exposição das nossas falhas e limitações. São momentos de autorreflexão que nos incentivam humildemente à mudanças. O mesmo trabalha temas diversos sobre a vida e ministério pastoral, sempre de forma expositiva; Ele Trata das nossas guerras, dos nossos medos e temores, de mentes brilhantes quanto à teologia, mas corações doentes, de uma identidade que precisa ser achada e tratada pelo espelho da Palavra, da Gloria própria que precisa ser eliminada, da pregação centrada em nós mesmo e de perigos diversos quê assolam o ministério pastoral. Esse livro me fez ver, a necessidade que temos de sermos pastoreados, como diz o autor: “que possamos desativar o nosso advogado interior, o eu, abrindo o coração para ser tratado”.



Gostaria de indicar este livro do John Sittema. Uma obra que aponta para os desafios que surgem no seio da igreja e como um presbítero deve agir. Esta valiosa literatura nos mostra a responsabilidade pastoral do presbítero e nos leva refletir sobre o resgate de uma liderança bíblica em nossas igrejas locais. 



Um livro importante que levanta uma reflexão e uma discussão salutar e profunda sobre o pastorado como um exercício de teologia pública não apenas numa visão reducionista do termo como restringindo-o a uma teologia cultural, mas, um exercício teológico de atuação pública na pregação, visitação, aconselhamento pastoral e demais atividades relacionadas ao ministério da Palavra; como atuante na esfera pública não num âmbito rasteiro, mas, amplo, largo, profundo e denso. O livro é uma leitura importante para pastores e seminaristas que desejam frutificar em seu serviço a Deus com uma teologia sólida e pastoral.


Fui presenteado com esse livro. Foi o primeiro que li após assumir o pastorado de uma igreja local. Partindo das orações de um ministro puritano (George Swinnock), o autor expõe os deveres e anseios pastorais para que redundem em maior glória a Deus. O livro ainda contém um sermão de Swinnock quando este se despediu de sua congregação. Em tempos de confusão sobre o que venha a ser um pastor fiel, este livro tenta resgatar as bases do pastorado, que são a fidelidade à Palavra e humildade. Como o velho puritano diz: “...o ministério pastoral não é uma escolha de carreira profissional. Ele é um chamado elevado e santo”.



Publicado pela Moody Publishers. Sabe-se que a Cultura Cristã publicará este livro ainda neste ano. Ele aborda questões já conhecidas como o chamado para o ministério e as diversas funções constituintes do múnus pastoral. Os capítulos de que mais gosto são: o de nº 6, em que os autores abordam a necessidade de o pastor continuar estudando; o de nº 10, sobre a responsabilidade pastoral na condução do culto solene; e o de nº 14, onde eles abordam, dentre outras coisas, o desencorajamento e as críticas enfrentados pelos ministros do evangelho. Certamente, quando for publicada em português, esta obra será de grande auxílio. Se você lê inglês, então leia-o.

27 de abr. de 2016

Auto-Louvor: A Desgraça da Adoração Contemporânea

Por Thiago Oliveira

Se pegarmos um dicionário e lermos o verbete “Louvor”, encontraremos o seguinte significado: “Ato de enaltecer alguém ou alguma coisa; elogio, apologia”. Pois bem, quando falamos em louvar a Deus, isso implica em enaltecermos ao Senhor, e essa prática pode ser individual ou congregacional. Hoje o louvor tornou-se sinônimo de música para a igreja contemporânea, todavia, louvar não se resume a cantar. Obviamente, os hinos ou cânticos espirituais podem ser usados com essa finalidade. Encontramos na Bíblia referências a música como parte integrante da liturgia. Paulo aos Efésios dá a seguinte instrução: Efésios 5:19 – “Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração.”

Só que os velhos hinos e os salmos vêm perdendo espaço para as músicas da indústria fonográfica gospel. A invasão de letras e melodias compostas por artistas desse segmento mercadológico começou timidamente nos anos 90, quando tais canções tinham um espaço no culto dividido com os louvores dos clássicos hinários. Aos poucos, o hinário foi ficando obsoleto e em muitas congregações só existem as músicas do gospel. Bem, não irei aqui fazer apologia ao HCC, a Harpa ou ao Cantor Cristão, etc., até porque alguns dos hinos antigos também apresentam equívocos teológicos e outros estão obsoletos em seus vocabulários e arranjos sonoros. Determinadas letras não são inteligíveis por ostentarem termos que em nosso cotidiano entraram em desuso. Sobre melodias, algumas vezes na adoração cantada, precisamos expressar alegria, e os ritmos de cânticos centenários já não conseguem expressar alegria, estão envelhecidos e descontextualizados. Já as músicas de hoje – no geral – apresentam outra espécie de problema: O grande problema é que o Gospel é um tipo de música feita com o intuito de vender. Enaltecer a Deus não é a primazia. Daí você me diz: “Estás julgando”. Ao que eu respondo: “Sim, estou”. O julgamento é uma análise, e para um bom discernimento é preciso estudar os frutos. Vamos lá. Reparem nas músicas cantadas no próximo culto e vejam quantas delas tem Deus como sendo o cerne das letras e quantas tem o homem no centro. Gostaria de listar alguns exemplos.
Uma das canções mais antropocêntricas que já ouvi (e o clipe ajuda bastante) é “Cheio do Espírito Santo”, gravada por Thalles. Eis um trecho:
Vou dizer, quem sou eu/Ahhhh/Cheio de graça/Cheio da bênção/Cheio do fogo/Cheio do manto/Fica a vontade, chega mais perto/Chega buscando/Chega dando glória, e dá lugar irmão.”

É perceptivo que o “eu” é o objeto de louvor. Outra música que vai na mesmíssima direção é “Nada pode calar um adorador” cantada por Eyshila. Observem o refrão:
Adorar é o que sei/Adorar é o que sou/Nada pode calar um adorador/Não existem prisões/Que contenham a voz de quem te adora, oh Senhor.”

Não estou fazendo uma refutação teológica dessa canção. Apenas atento para o fato de que elas não são litúrgicas. Até aceito alguém dizer que é um adorador e que ninguém cala um adorador, mas tal afirmação não coaduna com o louvor a Deus. Para não dizer que sou um crítico desonesto, usarei um exemplo positivo de uma música gospel (uma rara exceção) que glorifica ao Senhor e pode ser usada como adoração congregacional. Trata-se de ”Senhor e Rei”, do grupo Toque no Altar (apesar do grupo ter muitas músicas ruins):
Acima de Todos /acima de tudo/Está o Senhor entronizado/Os anjos e os homens/os céus e a terra/Montanhas e mares declaram quem tu és/Tu és Senhor e Rei/Governas sobre o universo/Justo e fiel/vestido de glória e poder/Coroado estás/Pra sempre reinarás.”

Nosso louvor deve ser para enaltecer a Deus tanto pelo que Ele faz, mas sobretudo pelo que Ele é. Não são apenas os atos do SENHOR que devem ser louvados, os Seus atributos também. É isso que vemos fazer Moisés (Êxodo 15) e Maria (Lucas 1) com seus cânticos. Da mesma forma os diversos Salmos, dentre eles os compostos pelos coraítas (por exemplo o Salmo 48). Não poderíamos aqui esquecer de um cântico da igreja primitiva que o apóstolo Paulo registra em sua epístola aos irmãos de Roma:

Romanos 11:36 – “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.”

Agora vejam o contraste entre o versículo acima e a letra “Conquistando o Impossível” gravada e cantada por Jamily:
Campeão, vencedor/Deus dá asas, faz teu voo/Campeão, vencedor/Essa fé que te faz imbatível/Te mostra o teu valor/Tantos recordes/Você pode quebrar/As barreiras/Você pode ultrapassar/E vencer.”

É uma canção extremamente humanista com um apelo motivacional que enfatiza tanto os atributos do ser humano que diz que a fé (não necessariamente salvífica) mostra o valor da pessoa e não o valor do Deus que “dá as asas” para que o homem possa “voar”. Na mesma “pegada” vem “Raridade”, interpretada por Anderson Freire:
”Você é precioso/ mais raro que o ouro puro de Ofir/ Se você desistiu, Deus não vai desistir/ Ele está aqui pra te levantar se o mundo te fizer cair.”

Este é apenas um trecho equivocado de tantas outras frases infelizes que existem nessa música. E ela é uma das mais estouradas no momento, cantada inclusive por descrentes. Além de exaltar a preciosidade (?) do ser humano – o que não é aceitável num louvor – inverte um versículo da Escritura. Vejamos o contexto em que é dito que o homem será raro como o ouro de Ofir:
“Eis que vem o dia do Senhor, horrendo, com furor e ira ardente, para pôr a terra em assolação, e dela destruir os pecadores. Porque as estrelas dos céus e as suas constelações não darão a sua luz; o sol se escurecerá ao nascer, e a lua não resplandecerá com a sua luz. E visitarei sobre o mundo a maldade, e sobre os ímpios a sua iniquidade; e farei cessar a arrogância dos atrevidos, e abaterei a soberba dos tiranos. Farei que o homem seja mais precioso do que o ouro puro, e mais raro do que o ouro fino de Ofir”. Isaías 13:9-12

Essa passagem fala de destruição. O Dia do SENHOR virá e os ímpios serão esmagados. Os ímpios são a grande maioria dos seres humanos, o remanescente fiel é um grupo pequeno se comparado ao dos réprobos. Por isso que o homem se tornará precioso como o ouro. Precioso, raro, aqui significa escasso. Isaías, falando da parte de Deus não louva o valor intrínseco do ser humano, ele traz uma mensagem de juízo para a humanidade caída e depravada.
A grande falha nos “louvores” atuais é tirar o foco da majestade e da grandeza do nosso Deus para dissertarem acerca dos dilemas humanos, das tribulações da vida ou até mesmo a exaltação do cristão como se ele por si só fosse o responsável por perseverar em meio as lutas e tentações. Por isso, quando você estiver no culto, quando começar o período de louvor faça a seguinte pergunta a si mesmo: Eu estou realmente louvando a Deus? Estou louvando ao cantar músicas que carregam uma carga dramática de dilema pessoal? Estou louvando a Deus quando a canção subverte uma passagem da Escritura (caso da música Raridade)? É hora de nos voltarmos para a adoração que tem o princípio joanino “Que Ele cresça e que eu diminua”.
Finalizo com um encorajamento aos músicos cristãos que amam ao SENHOR e a sua Palavra: Cantem as Escrituras. Componham hinos que exaltem os atributos maravilhosos do Criador. Formulem melodias que levem a reflexão e a contemplação. Evitem os jargões sentimentais e saibam que liberdade poética não existe quando temos um Cânon que subscreve a forma de prestarmos culto. Orem para que seus cânticos sejam de exaltação ao Deus triúno e busquem apresentar o evangelho da graça ao cantar dentro e fora da igreja. Que o bom Deus vos capacite e que com a sabedoria do céu, os auto-louvores sejam trocados por canções que engrandeçam e glorifiquem ao Rei dos reis.
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25 de abr. de 2016

A bênção de ter uma excelente esposa

Por Steven Lawson 

Poucas influências afetam o coração de um homem por Deus mais do que sua esposa, para melhor ou para pior. Ela incentivará sua devoção espiritual ao Senhor, ou ela vai impedi-la. Ela irá ampliar a sua paixão por Deus, ou ela irá jogar água fria sobre ela. Que tipo de mulher estimula o crescimento espiritual de seu marido? Provérbios 31: 10-31 fornece um perfil dessa mulher, que é digna de confiança do marido. Essa mulher é a personificação da verdadeira sabedoria de Deus, fazendo com que o marido possa confiar nela com plena confiança.

"Um excelente esposa quem pode encontrar? Ela é muito mais preciosa do que as joias "(v. 10). Como é difícil encontrar uma boa esposa. A palavra excelente (hayil) pode significar "força, capacidade, valor ou dignidade." Esta mulher exemplifica cada uma dessas qualidades, com grande competência, caráter nobre, e um forte compromisso para com Deus e sua família. Só o Senhor pode proporcionar uma tão excelente mulher: "Casa e riquezas são herdadas dos pais; mas a mulher prudente vem do Senhor" (Pv 19:14.). "Aquele que encontra uma esposa acha uma coisa boa e alcança o favor do Senhor" (18:22). Esta mulher virtuosa é um dom inestimável de Deus.

É de se admirar que "o coração do seu marido confia nela" (v. 11)? O marido tem confiança nela, porque "ela só lhe faz bem, e não mal, todos os dias da sua vida" (v. 12). Ela traz seus muitos pontos fortes para seu casamento, cada um especialmente adequado para complementar suas fragilidades. Seus presentes tornam-se imediatamente seus ganhos, e ela fornece tanto que leva o marido a confiar nela.

Seu Serviço

Em primeiro lugar, esta mulher extraordinária incansavelmente serve ao esposo. Não sentada de braços cruzados, ela ativamente "Busca lã e linho," em seguida, estende as "mãos dispostas" (v. 13) para girar fio e fazer o material. Ela é "como um navio mercante" (v. 14), procurando encontrar o melhor tecido, com o melhor preço, a fim de tomar as melhores roupas. Esta mulher altruísta "sobe enquanto ainda está escuro" (v. 15) para preparar a comida para sua família. Uma excelente gerente, ela supervisiona "suas criadas", como elas servem ao lado dela na casa.

Seu Sucesso

Em segundo lugar, esta mulher empreendedora exerce julgamento em suas muitas relações. Ela astuciosamente "considera um campo", então o compra. Lá, ela planta uma "vinha" (v. 16). Por sua (v. 17) “determinação "forte", ela ganha a renda disponível para sua família. Estes negócios são "rentáveis" (v. 18), fornecendo recursos adicionais para compartilhar com os outros. Ela trabalha bem de "noite" com a "roca" e o "fuso" (v. 19) para fazer roupas para sua família.

Seu Sacrifício

Em terceiro lugar, esta mulher diligente dá generosamente aos "pobres" e "necessitados" (v. 20). Conforme se aproxima o "inverno", ela também dá aos de sua família. Ela tem planejado com antecedência, fazer peças de vestuário "escarlate" (v. 21) para sua casa. Ela não poupa esforços ou custo em fornecer o melhor que pode. Depois de fornecer para outros, esta mulher trabalhadora faz "revestimentos de cama" e roupas "para si", com "linho fino e púrpura" (v. 22). Sua capacidade de dar roupas caras é uma clara evidência do favor de Deus sobre os seus trabalhos.

Sua Habilidade

Em quarto lugar, suas muitas virtudes reforçam a posição do marido nas "portas" (v. 23), onde os líderes da cidade se encontram. Com maior experiência e interesse, esta excelente esposa "faz", "vende" e "entrega" (v. 24) seus bens. Apesar de ser muito competente, ela não compete com a liderança de seu marido, mas a fortalece através de sua humilde submissão - e todos sabem disso.

Sua Força

Em quinto lugar, essa esposa estimada olha para o futuro com "força" interior e "dignidade" (v. 25). Embora ela anteveja muitos desafios, ela, no entanto, "sorri" (v. 25), com confiança positiva no cuidado providencial do Senhor. Ela está esperançosa de que a oferta do céu irá satisfazer sua família em necessidade. Como as pessoas procuram seu conselho, ela fala palavras de "sabedoria" e "bondade" (v. 26) a eles. Embora ocupada fora de casa, ela não de deixar de "sua casa" (v. 27).

Seu Domínio

Em sexto lugar, ela é uma mãe tão boa que seus filhos observam sua excelência, eles "a chamam bem-aventurada" (v. 28). O marido vê seus traços de caráter na criação dos filhos e "a elogia." Ele se gaba de que entre as mulheres, "[sua esposa] ultrapassa todas elas" (v. 29). A seus olhos, não há quem possa legitimamente reivindicar ser igual a ela.

Sua Espiritualidade

Em sétimo lugar, a verdadeira grandeza desta mulher está em sua devoção espiritual. Ela "teme o Senhor" (v. 30). "Charme" e "beleza" por si só são "enganosos" e "vãos". Sua verdadeira atração para ele é a sua reverência a Deus. Mesmo os líderes da cidade "elogiam-na" nas "portas" (v. 31), reconhecendo a integridade de sua vida. O marido dela a recompensa por sua fidelidade e diligencia. Ele é o mais abençoado dos homens.

É de se admirar que o marido confie nela? A realidade de Deus em sua vida torna-a digna de toda sua confiança. Por todas as estimativas, ela é "a coroa do seu marido" (12: 4). Só Deus pode proporcionar uma excelente companheira tal.

O Senhor deu-lhe uma excelente esposa? Você enxerga como ela é especificamente adequada para você? Você reconhece como ela aumentou a sua eficácia para o Senhor? Em seguida, dê graças a Deus por uma mulher em quem o seu coração confia.

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Fonte: Ligonier

Tradução: Pedro Paulo 

20 de abr. de 2016

Estamos na Última Hora: Cuidado com os Enganadores

Por Thiago Oliveira

Texto Base: 1 João 2:18-29

18. Filhinhos, esta é a última hora; e, assim como vocês ouviram que o anticristo está vindo, já agora muitos anticristos têm surgido. Por isso sabemos que esta é a última hora.

19. Eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos.

20. Mas vocês têm uma unção que procede do Santo, e todos vocês têm conhecimento.

21. Não lhes escrevo porque não conhecem a verdade, mas porque vocês a conhecem e porque nenhuma mentira procede da verdade.

22. Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo: aquele que nega o Pai e o Filho.

23. Todo o que nega o Filho também não tem o Pai; quem confessa publicamente o Filho tem também o Pai.

24. Quanto a vocês, cuidem para que aquilo que ouviram desde o princípio permaneça em vocês. Se o que ouviram desde o princípio permanecer em vocês, vocês também permanecerão no Filho e no Pai.

25. E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna.

26. Escrevo-lhes estas coisas a respeito daqueles que os querem enganar.

27. Quanto a vocês, a unção que receberam dele permanece em vocês, e não precisam que alguém os ensine; mas, como a unção dele recebida, que é verdadeira e não falsa, os ensina acerca de todas as coisas, permaneçam nele como ele os ensinou.

28. Filhinhos, agora permaneçam nele para que, quando ele se manifestar, tenhamos confiança e não sejamos envergonhados diante dele na sua vinda.

29. Se vocês sabem que ele é justo, saibam também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dele.

Introdução

Algo que não foi dito ainda durante estas exposições da primeira epístola de João é que o gnosticismo era uma heresia que vinha sido combatida pelos apóstolos e mestres da igreja primitiva. Os adeptos desta “religião de mistério” criam que através do conhecimento chegariam a Deus. Todavia era um conhecimento advindo não do estudo, mas sim de experiências místicas e imersões no campo do sobrenatural. Deixei para falar neste momento em que o apóstolo João trata dos falsos mestres. João não diz em seu texto que eles são gnósticos, mas é possível presumir isso ao olhar o contexto histórico que compreende o período em que a carta foi escrita.

Soma-se aos gnósticos os judeus que negavam a divindade de Jesus e que não o reconheciam como o Messias enviado por Deus. Estas eram as ameaças a sã doutrina, as duas correntes que mais traziam prejuízo a Igreja. Aqui veremos que a Igreja precisa se manter fiel no ensino da Escritura e se preparar para enfrentar os falsos mestres e os que têm o espírito do anticristo. Eles serão vencidos desde que os santos que integram o Corpo de Cristo retenham o conhecimento da verdade.

Vivendo na última hora (18-19)

Na linguagem do apóstolo, a igreja primitiva já estava vivendo a “última hora”, sendo assim, não seria exagero afirmar que vivemos no “último minuto”. Esta cronologia regressiva aponta para o momento culminante da história, o evento que encerrará o tempo presente e dará início a eternidade. Tudo que Deus revelou por meio de sua Palavra foi cumprido em Cristo. A esperança final e expectativa da Igreja é que se cumpra o retorno daquele que já veio e há de vir novamente, mas dessa vez virá entronizado e julgará os vivos e os mortos (At 10.42 e 2Tm 4.1). A segunda vinda de Cristo é o evento que deve ser aguardado por toda geração de cristãos. É salutar vivermos na perspectiva de sermos a geração que verá o “grande dia” chegar.

O anticristo é um termo presente apenas nos escritos joaninos, todavia, levando em consideração outras nomenclaturas, temos registros sobre ele em outras passagens da Escritura (Dn 11.36-37, MT 24.15 e 2Ts 2.3). Este representa não apenas um oponente do Senhor Jesus, mas alguém que deseja ocupar o seu lugar. Por isso, podemos presumir que sua oposição pode de início não ser aberta, e sim velada. O anticristo pode seduzir a muitos, pois ele tem o espírito do Enganador, e se colocar como alguém que está dando continuidade ao que Cristo iniciou. Ele será manifesto próximo ao retorno do Senhor, e terá obtido prestígio e veneração entre os que são do mundo. Será adorado como uma divindade e quando estiver estabelecido seu trono na terra, realizará uma ferrenha perseguição a Igreja, o que culminará em martírio dos crentes e apostasia, pois aqueles que são apenas cristãos nominais, diante da perseguição vão demonstrar sua verdadeira faceta de ímpios.

Só que antes que este anticristo final apareça, seu espírito já opera no mundo por meio de seus representantes infiltrados dentro da Igreja. João adverte que nas fileiras da própria Igreja encontramos alguns de seus algozes. Os falsos mestres e enganadores, os homens que desejam controlar o rebanho do Senhor por jactância e ambição estão entre estes anticristos. Estes vão se revelar com o tempo e voluntariamente abandonarão a Igreja para trilhar o que pensam ser seu próprio caminho, mas na verdade é o caminho de Satanás. João diz que mesmo eles tendo saídos do meio da congregação, nunca pertenceram a Jesus, de fato. Aqui fica um alerta: Ser membro de uma igreja não é sinal de pertencer a Cristo, muitos estão no lado oposto da batalha, são agentes do anticristo fingindo ser cristãos.

Unção e Conhecimento (20-23)

A Igreja é portadora da unção do Cristo. Ele é o ungido e foi ele quem nos ungiu com seu “óleo precioso da unção”. Este é um termo que é mal empregado em muitos arraiais evangélicos. Há quem fale em diversas “unções”. Lembro-me de uma música que falava assim “recebe a cura, recebe a unção. Unção de ousadia, unção de conquista, unção de multiplicação”. Isto é fruto de desconhecimento bíblico. A unção aqui é ter o Espírito Santo e com isso a clara distinção entre os que são separados por Cristo e os que são do mundo. Jesus foi ungido pelo Espírito Santo (At 10.38) e nos ungiu com o mesmo Espírito (At 1.8 e 2.4). Este Espírito é nosso selo, a marca que demonstra de quem somos propriedade (Ef 1.13).

Os mestres gnósticos afirmavam ter recebido uma unção especial, se achavam diferenciados. De acordo com a heresia da gnosis, existiam dois tipos de cristãos: os incipientes e os iluminados por um conhecimento que estava encoberto para os demais cristãos. Isso vai de encontro à ortodoxia bíblica. A única distinção visível nas Escrituras é entre crentes e incrédulos, eleitos e não eleitos, salvos e não salvos. Dentre os crentes não existe divisão. Todos estão sob a tutela do mesmo Espírito, n’Ele batizados na mesma fé (1Co 12:13 e Ef 4:4). Por isso, João afirma que o conhecimento da verdade está atrelado a verdadeira unção no Espírito, marca de todo o cristão. É o Espírito Santo quem livra o crente do engano, fazendo com que ele não abrace o conteúdo herético dos falsos mestres.

A heresia se manifesta na negação do senhorio de Jesus Cristo. Não existe nenhum caminho para se chegar a Deus que não seja Cristo, ele é a única via (Jo 14.6), o único mediador entre o Pai celeste e os homens (1Tm 2.5). Quando algum ensino se desvia do que diz o Evangelho em busca de outras alternativas de crescimento espiritual ou salvação, ele deve ser prontamente rejeitado pelos que têm o Espírito Santo. Como afirma o apóstolo, a mentira não procede da verdade, sendo assim, os que estão firmes nas verdades reveladas na Palavra de Deus, inspiradas pelo Espírito, não irão sucumbir aos falsos ensinamentos e não negarão o senhorio de Jesus.

Firmeza no que já se conhece (24-27)

Para que se permaneça unido com Deus, o cristão deve se apegar aquilo que já foi transmitido e que ele já conhece como sendo palavra divina. A inovação doutrinária é um câncer que tem matado a comunhão de muitas igrejas com o Senhor. O apóstolo João afirma que não devemos buscar novidades, mas sim ter um alicerce na pregação apostólica (o que foi ouvido desde o princípio), pois esta é o fundamento da Igreja, que tem em Cristo a sua pedra angular (Ef 2.20). Não é à toa quando se diz que a pregação expositiva é uma marca distintiva de uma igreja saudável. E quando a Igreja permanece firme na Palavra, ela tem a garantia que veio do próprio Senhor e que está presente na Escritura. Jesus prometeu vida eterna para os membros do seu Corpo.

Diante daquilo que já é conhecido e tendo a unção do Espírito, a igreja está apta para enxotar de seu meio os enganadores. Não é necessário que alguém traga ensinamento novo. O apóstolo Paulo adverte que qualquer outra revelação que não se enquadre com o conteúdo da pregação apostólica deve ser considerada maldita (Gl 1.8). Diante da ameaça dos que querem enganar a Igreja com palavras persuasivas que estão em desacordo com a Escritura, sejamos intransigentes, isto é, não toleremos os falsos ensinamentos fazendo concessões. Quando se trata de ortodoxia - o correto ensino doutrinário - não pode haver espaço para a flexibilidade. Para erva-daninha não se coloca remédio, se coloca veneno. Nesse caso, a Palavra da Verdade mata a erva-daninha chamada heresia.

Aptos para o dia do Juízo (28-29)

Finalizando o capítulo 2, João associa a firmeza doutrinária a aptidão para comparecer disnte do SENHOR no dia do juízo. Aqueles que titubearam na ortodoxia serão envergonhados perante aquele que é Justo. Justiça aqui é equivalente à retidão ou santidade.  Podemos afirmar que todo aquele que tem consciência de quem Deus é, irá procurar viver de modo que O agrade. Por isso, os que demonstram frutos de justiça, isto é, andam de maneira íntegra, seguindo retamente os preceitos do Senhor sem adulterá-los com falsos ensinamentos, dão prova de que são nascidos de Deus.

O cristão precisa ter confiança e não medo do juízo vindouro, pois, está seguro em Cristo. Este nos justificou para que andemos como Ele andou, fazendo a vontade do Pai e recebendo a dádiva da vida eterna quando Ele voltar.

Aplicações

1. Preciso viver na expectativa da volta de Cristo, ansiando estar com ele no Reino dos céus. Não há nenhum prazer neste mundo que se compare ao gozo de desfrutar das bênçãos celestiais no lugar que Jesus tem preparado para os seus.

2. Não posso dar ouvidos aos falsos ensinamentos, e devo confrontar todo e qualquer ensino com a Palavra da Verdade. Conhecimento de Deus e da palavra revelada é marca indelével de um cristão.

3. Não devo temer o dia do juízo, mas sim confiar de que meus passos andarão por caminhos retos, não por algo de bom que exista em mim, mas porque Aquele que me guia é a luz que me faz enxergar o chão em que piso e a cidade celestial que já desponta no horizonte.

Louvado seja Deus!  

18 de abr. de 2016

O Cristão e a Legítima Crítica ao Estado

Por Franklin Ferreira

Amados, insisto em que, como estrangeiros e peregrinos no mundo, vocês se abstenham dos desejos carnais que guerreiam contra a alma. Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção. Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema, seja aos governantes, como por ele enviados para punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem. Pois é da vontade de Deus que, praticando o bem, vocês silenciem a ignorância dos insensatos. Vivam como pessoas livres, mas não usem a liberdade como desculpa para fazer o mal; vivam como servos de Deus. Tratem a todos com o devido respeito: amem os irmãos, temam a Deus e honrem o rei.”

1 Pedro 2:11-17

Nesta passagem, Pedro está lidando com o governo ideal, como Paulo fez em Rm 13.1-7. Só que Pedro acrescenta um dado novo: o uso do vocábulo “rei”.

De acordo com a maioria dos comentaristas, 1Pedro foi escrita da cidade de Roma (“Babilônia”), capital do império. Para os cidadãos romanos a simples menção a um “rei” (Basileus) seria uma abominação. Júlio Cesar foi assassinado em março de 44 a.C. pelos senadores no fórum, não por ser “ditador” (título que não tinha as conotações negativas atuais, mas que seria um tipo de magistrado extraordinário, nomeado em circunstâncias de perigo extraordinário, com um mandato com duração de seis meses ou enquanto se mantivesse o estado de emergência), mas pela simples desconfiança dos senadores de que Júlio Cesar poderia se tornar um rei.


Para reforçar: romanos tinham horror à monarquia – o senado, que no período régio indicava os reis e limitava seu poder, decidiu abolir a monarquia, convertendo Roma em uma república, em 509 a.C. O uso do título “rei” foi oficialmente proibido em Roma. Nos documentos oficiais imperiais, os títulos empregados eram Cesar Augusto (Kaisar Sebastos ou Kaisar Augoustos), e Imperador (Autokratōr). E o título Imperador, usado na época do principado, pode ser traduzido como “comandante em chefe” do exército romano.


A pergunta é: se Pedro escreveu de Roma, por que ele usaria uma palavra tão provocadora, “rei”? Uma possibilidade é que o autor da carta teria em mente não o imperador, mas o rei ideal do Antigo Testamento, que andava “nos caminhos” de “Davi”. Deste modo o apóstolo aponta aos leitores o tipo de governante ideal, a partir das imagens positivas da realeza, como reveladas no Antigo Testamento. Assim, Pedro (como Paulo em Rm 13.1-7) não está oferecendo uma justificativa para cristãos serem submissos de forma acrítica às autoridades – suposição que contradiria sua corajosa resposta ao poder religioso aliado do poder político, que havia proibido a pregação do Evangelho: “Importa antes obedecer a Deus dos que aos homens” (At 5.29).


Assumindo que a carta foi escrita por Pedro, e ele foi martirizado em c. de 64 d.C., a data de composição da epístola seria em torno de 60 a 64. Esta passagem, então, não ofereceria justificativa para um cristão ser inquestionavelmente obediente a Nero, que já apresentava comportamento errático, e que perseguiu os cristãos que moravam na capital do império, em 64 d.C. Deste modo, o vocábulo “rei” teria sido empregado, justamente, em oposição à representação da figura do próprio imperador.


Portanto, Jacques Ellul destaca que este “seria um texto totalmente subversivo”, pois “visava somente ao poder político de Roma, e não ao Estado em si, já que [com a menção ao rei, o apóstolo] apoiaria um outro poder”, no caso sugerido acima, o rei ideal do Antigo Testamento. Portanto, esta passagem, longe de recomendar a passividade ou obediência irrestrita ao Estado, lembra que a postura dos cristãos da época era uma atitude em que “desprezavam ou recusavam-se a reconhecer o poder político”, embora não rejeitando-o totalmente, assim como “condenavam o poder romano” (Anarquia e cristianismo, p. 84-85). Como Wayne Grudem pontua: “Os cristãos têm obrigações com o estado, mas suas obrigações com Deus e com os irmãos são maiores” (Comentário Bíblico de 1Pedro, p. 124).


Por fim, Pedro enfatiza, concordando com Paulo, que o governo é enviado por Deus para “punir os praticantes do mal e honrar os que fazem o bem”. Aqui também o apóstolo trata da autoridade legítima e a define. Pois, de acordo com Grudem, “governos que deixam de punir malfeitores desobedecem ao propósito divino para sua existência” (Comentário Bíblico de 1Pedro, p. 121).

15 de abr. de 2016

Entrevista Exclusiva com Filipe Fontes



Esta é mais uma excelente entrevista que temos o privilégio de postar com exclusividade nosso blog. O entrevistado da vez é o Rev. Filipe Fontes, pastor presbiteriano e professor do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper - CPAJ. Nossa entrevista trata sobre o crescente interesse sobre cosmovisão reformada no Brasil e também sobre filosofia reformacional. A presente entrevista serve como uma excelente introdução aos assuntos acima citados. Thomas Magnum, nosso editor, foi o responsável por elaborar as perguntas e endereça-las ao Rev. Filipe Fontes

Ótima leitura e bom proveito.

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Professor, estamos experimentando um crescente interesse no Brasil pelo assunto de Cosmovisão. Há uma crescente publicação de livros relacionados ao assunto que abordam todo o espectro relacionado ao tema. Como você avalia essa massificação da informação? Por onde um estudante deveria começar suas leituras sobre o assunto. Que autores, livros, publicações?

Vejo com bons olhos o número crescente de publicações sobre cosmovisão no Brasil. O que temo é que a assimilação apressada e pouco refletida do conceito – algo que comumente acontece no Brasil – possa implicar a desconsideração de algumas questões importantes relacionadas a este conceito, tais como: sua tendência original à autonomia, e a consequente necessidade de redefinições para a sua apropriação pelo ambiente cristão. O conceito de cosmovisão nasceu e se desenvolveu em solo apóstata. Os pensadores cristãos se apropriaram dele de forma instrumental – em grande parte com o desejo de expressar o caráter de integralidade do cristianismo – e muitos deles, tais como James Sire, David Naugle e Ronald Nash, que se propuseram a estudar mais profundamente o conceito, se encarregaram de depura-lo de tendências ideológicas e de oferecer a ele um caráter cristão. Se ao nos apropriarmos deste conceito, o fizermos ancorados por uma teoria cristã de cosmovisão, então a sua popularização poderá ser muito benéfica para o cristianismo brasileiro. Se não tomarmos este cuidado, tal popularização poderá ser danosa, gerando, por exemplo, uma perspectiva epistemológica subjetivista.

Para a introdução à ideia de Cosmovisão Reformada, tenho recomendado, geralmente, o breve livro do Albert Wolters, A criação restaurada, publicado pela Editora Cultura Cristã. É um texto que une com eficiência, profundidade e simplicidade. Depois dele, recomendo a leitura de textos como Calvinismo, do Abraham Kuyper, e A visão Transformadora  de Brian Walsh e Richard Midlleton – ambos publicados pela mesma editora – além das obras de Francis Schaeffer, já presentes há mais tempo no Brasil. Para uma discussão mais conceitual, recomendo: Dando nome ao elefante, de James Sire, autor de outro clássico – O universo ao lado, e também Cosmovisões em conflito, de Ronald Nash. Estas duas obras foram publicadas em português pela editora Monergismo. É um bom começo!

A escola calvinista holandesa tem sido bem pontuada no Brasil com relação a estudos sobre cosmovisão reformada, há diferenças entre a abordagem de Kuyper e a abordagem clássica reformada em João Calvino por exemplo?

Gosto das palavras de Guilherme de Carvalho, quando ele diz que o que Kuyper fez foi refundar o calvinismo, “seguindo de perto os princípios reformados da soberania de Deus e da unidade entre natureza e graça, articulando-os, porém, a um contexto definitivamente moderno (ou até mesmo pós-moderno)” (Fé cristã e Cultura contemporânea, p.53). Essas palavras sintetizam bem o que penso sobre essa relação. Em termos gerais, não há diferença entre calvinismo e neocalvinismo. Este último foi um movimento originado na Holanda, no fim do século XX, sob a liderança maior de Abraham Kuyper, cujo fundamento foi a teologia calvinista. Como o calvinismo antigo, o neocalvinismo tinha como princípios fundamentais: a negação da existência de uma dualidade radical entre natureza e graça, e a afirmação da centralidade da soberania de Deus. Em termos específicos, porém, podemos admitir diferenças entre a abordagem de Kuyper e a abordagem de Calvino. O empreendimento de Kuyper consistiu em aplicar esses princípios a uma realidade moderna/pós-moderna, que resguarda enormes diferenças da Genebra do séc. XVI. Isto não poderia ser feito sem o desenvolvimento de caminhos característicos e particulares. Em síntese, o neocalvisimo é uma tentativa de contextualização, mas que mantém o compromisso com uma determinada tradição teológica. É a união dessas duas características – tradicionalidade e contemporaneidade, que me motiva a vê-lo como uma boa inspiração para o desafio que temos de aplicar do evangelho à integralidade da existência, em nossos dias.

Junto com o crescimento da discussão sobre cosmovisão cristã toma ares também a posição de muitos reformados a favor da Teonomia, qual é sua opinião sobre a questão?  A Teonomia seria a verdadeira alternativa para uma cosmovisão reformada calvinista? Visto que lida também com uma teologia pactual e enfatiza uma continuidade da cosmovisão hebraica, há uma continuidade ou uma descontinuidade em relação a leis da antiga aliança referentes a morte de homossexuais por exemplo? Há uma Teonomia no Novo Testamento?

Teonomia é uma postura ético-teológica que afirma a aplicabilidade atual da lei vetero-testamentária em todas as suas dimensões, incluindo a civil/judicial. Como você bem disse, o pressuposto comumente apresentado para sustentar esta afirmação é o da continuidade da antiga e da nova aliança. Minha opinião é que há um problema no pressuposto, e ele afeta a conclusão. Não se pode falar apenas em continuidade entre a aliança no AT e no NT; deve-se falar também em descontinuidade. E, dentre os aspectos de descontinuidade está a substituição do caráter regional pelo caráter universal do pacto. Isto tem implicações para a dimensão legal ou jurídica. Para mim, a teonomia se equivoca ao propor a aplicação universal de aspectos da lei cuja aplicabilidade é particular (regional) – relacionada à nação de Israel no período do AT. Acredito que a velha e didática distinção entre tipos de lei (civil, cerimonial, moral) e a diferente utilidade deles (didática, histórica, normativa), ainda é bastante útil na compreensão desta questão. Recomendo a leitura de dois textos do Presbítero Solano Portela sobre este assunto. A primeira é seu livro A lei de Deus hoje, publicado pela Editora Os Puritanos. A segunda é um breve post sobre teonomia, disponível neste endereço: http://tempora-mores.blogspot.com.br/2008/03/os-teonomistas-mordem-ou.html.Eu também acredito, como ele, que os teonomistas não mordem.

Diante do crescente interesse pela cosmovisão calvinista, muito se tem dito e publicado sobre o assunto. Temos uma explosão de blogs, sites, editoras e vlogs. Como de fato podemos empregar uma cosmovisão reformada na prática? Como empregar uma cosmovisão numa cultura como a nossa no Brasil? Há uma inércia por parte dos reformados em termos de uma teologia genuinamente calvinista empregada de forma a demonstrar nossa cosmovisão no mundo?

Dr. Mauro Meister, com quem trabalho, costuma dizer que existem perguntas de U$ 1.000.000,00. Essa é uma delas. Eu não tenho uma receita do tipo “10 passos sobre como se relacionar adequadamente com a cultura”. Propor algo parecido seria, inclusive, desconsiderar o objeto em questão. A cultura é o universo da criatividade. E criatividade é o ambiente da novidade. Por isso, creio que o melhor a fazer é fincar os pés em princípios, e depender da sabedoria de Deus para aplica-los às circunstancias particulares, novas, que se nos apresentam diariamente.

Talvez eu possa falar em condições para um relacionamento adequado com a cultura, à luz de uma perspectiva cristã. A primeira delas é um entendimento biblicamente orientado da própria relação cristão x cultura. Ninguém poderá relacionar-se adequadamente com a cultura se não tiver uma visão adequada a respeito de como deve ser essa relação. E essa visão implica a clareza da necessidade do envolvimento cultural, da impossibilidade de envolvimento irrefletido, da necessidade de ação transformadora, etc. A segunda condição é um relativo conhecimento das esferas culturais. O treino para lidar com determinadas manifestações culturais também é muito importante para a efetivação de uma relação adequada com elas. A importância desse treino é proporcional ao nível de envolvimento que um cristão tem com uma determinada área da vida cultural. O treino em linguagem musical, por exemplo, é desejável para qualquer cristão que deseja uma experiência estética mais rica. Para o cristão que deseja ser músico, produtor, ou crítico de arte, no entanto, ele é essencial. A terceira e última condição para um envolvimento adequado com a cultura é o critério. Todo exercício crítico demanda um critério. No caso do cristão, o critério é a vontade de Deus, revelada na Escritura Sagrada. O que precisa ficar claro é que relação com a Palavra de Deus necessária ao desenvolvimento da vida cristã não se resume a compreensão das proposições enunciadas pelo texto bíblico. Segundo a própria Bíblia, as coisas espirituais se discernem espiritualmente (I Coríntios 2.14). Tiago fala de um tipo de contato com a Bíblia que é absolutamente improdutivo, quando desacompanhado, dentre outras coisas, da obediência (Tiago 1.22). Textos bíblicos como esses mostram que, embora a relação adequada com a Bíblia inclua a compreensão de suas proposições e conceitos, ela extrapola esta compreensão. Trata-se de ser dominado pela Palavra de Deus em todas as dimensões da existência; ser empoderado desta Palavra, por meio da ação do Espírito Santo. Ser cheio do Espírito Santo é fundamental para uma relação correta do cristão com a vida cultural.

Ao estarmos num momento histórico em que a informação é difundida massivamente e a leitura de filósofos reformados tem sido de forma crescente uma realidade muito diferente que tínhamos no Brasil, como você vê esse crescimento do interesse pela filosofia reformada, mais especificamente da escola holandesa? Por onde um iniciante que está interessado no assunto poderia começar? Que livros e autores recomenda?

Vejo o crescimento de interesse na filosofia reformacional nos mesmos termos em que vejo o interesse pela literatura de cosmovisão; com bons olhos. Da mesma forma, contudo, sinto-me incomodado pela apropriação algumas vezes apressada desta filosofia, embora eu compreenda bem o significado existencial do primeiro contato com a proposta de Dooyeweerd. Lembro-me quando conheci a filosofia da ideia cosmonômica, através do Professor Fabiano de Almeida Oliveira. Eu comecei a andar pelas ruas da cidade qualificando as coisas de acordo com o seu núcleo de significado e imaginando as relações analógicas que elas poderiam ter entre si. A compreensão do caráter essencialmente religioso do pensamento teórico, a noção de motivo básico religioso, e da supra racionalidade da ação da Palavra de Deus, foi quase que um processo redentivo para alguém que, até então, nutria fortes tendências racionalistas. Somente com o tempo o caráter historicamente datado da filosofia reformacional foi ficando mais claro para mim. Isto não significa que deixei de considerar sua extrema utilidade na articulação filosófica da cosmovisão cristã. Mas apenas, que passei a vê-la como o próprio Dooyeweerd gostaria que ela fosse vista – como uma proposta teórica e não como uma filosofia perene. Somente depois de perceber melhor esta datação histórica, então, me abri com maior naturalidade para o enriquecimento através de outros ramos da tradição filosófica cristã. Acredito verdadeiramente que, conhecer a filosofia reformacional é muito importante para o efervescente cenário teológico acadêmico brasileiro. Mas tão importante quanto conhecê-la, é aprender a vê-la como parte da multiforme graça de Deus na esfera intelectual. Assumir esta posição para com toda e qualquer proposta teórica que apareça em nosso meio é fundamental para o amadurecimento de nossa intelectualidade e o aperfeiçoamento de nosso serviço a Deus nesta esfera. 

Quanto aos textos para a aproximação da filosofia reformacional, seguem algumas indicações. Quando Dooyeweerd foi publicado no Brasil em 2010, eu escrevi um breve texto que está disponível na internet (http://monergismo.com/filipe-fontes/consideracoes-sobre-a-filosofia-da-ideia-cosmonomica/) e pode ser útil como um alerta sobre o modo como se aproximar de Dooyeweerd. Na publicação de Dooyeweerd que eu tinha em mente na ocasião – No crepúsculo do pensamento – Guilherme de Carvalho escreveu uma introdução editorial que pode ser bastante útil para a compreensão da importância de Herman Dooyeweerd. Quatro anos antes dessa publicação, o Prof. Fabiano já havia publicado um artigo introdutório à filosofia da ideia cosmonômica na Revista Fides Reformata (http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XI__2006__2/Fabiano.pdf). Este artigo pode ser útil como uma síntese dos conceitos mais importantes da filosofia da ideia cosmonômica. Mais recentemente, a editora Cultura Cristã publicou Contornos da filosofia cristã, de L. Kalsbeek. É a primeira introdução à filosofia reformacional traduzida no Brasil. Acredito que esses textos podem ser úteis para a aproximação inicial da filosofia da ideia cosmonômica. Depois, Dooyeweerd já possui três obras traduzidas para o português: No crepúsculo do pensamento; As raízes da cultura ocidental; e Estado e Soberania. E além dele, outros pensadores da tradição reformacional que escrevem de forma mais aplicada, estão sendo traduzidos. Destaco Albert Wolters (A criação restaurada) e Willen Ouweneel (Coração e Alma) publicados pela editora Cultura Cristã, e, mais recentemente, Egbert Schurman (Fé, esperança e tecnologia), publicado pela editora Ultimato numa coleção sobre fé e ciência, em parceria com a ABC2 (Associação Brasileira de Cristãos na Ciência).