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7 de set. de 2016

Resenha do Livro A Imaginação Totalitária

Por Thomas Magnum

"Apenas humanos. E que por serem humanos precisam constantemente lembrar que a servidão do totalitarismo tem origem antes de tudo na força dessa tentação interior". (pg. 292)

Com essa frase genial, Francisco Razzo finaliza seu  livro - A ImaginaçãoTotalitária | Os Perigos da Política Como Esperança. Publicado em Junho desse ano pela editora Record. Gostaria de dizer algumas coisas sobre o livro escrito pelo professor e filósofo Francisco Razzo. 

Confesso que esse livro foi um dos que mais queria ler das publicações sobre política e filosofia política lançados esse ano no Brasil. E também confesso que o livro superou minhas expectativas desde a arte da capa que é cheia de significado condizente com o tema proposto, enchendo a imagem com a palavra "totalitária" dando uma elegante ideia do que é de fato o totalitarismo - um preenchimento quase "onipresente" ontologicamente falando - de forma elegante, criativa e imageticamente agradável. 

O livro possui algumas peculiaridades que gostaria de frisar, embora não fale de tantas quanto gostaria, por conta do espaço aqui. A primeira delas é o agradável diálogo que Razzo faz com Crime e Castigo, de Doistoiévski, especificamente com o personagem Raskólnikov que com sua mente evidentemente saturada de imaginação totalitária reduzia a realidade da vida a seu mundo de resoluções absurdas e estranhamente - podemos assim dizer - até insanas. 

O livro possui uma densidade interessante. Razzo trata do assunto a partir dele mesmo, da experiência que transborda para a vida do outro e segue um curso lógico de gradação ideológica dominadora e redutora da realidade. O homem redutível descrito por Razzo expressa isso de forma fantástica. 

O argumento inicial do autor sobre o homem redutível e o homem irredutível, mostrando que na adoção de ideias totalitárias o homem é reduzido a uma fragmentação da realidade e se autolimita num universo de esperança política redentiva, é de grande importância para um entendimento do que o autor está desenvolvendo: a imaginação totalitária é reducionista. O autor demonstra isso com um exemplo pessoal que vivenciou, sobre um casal de amigos que na adolescência tiveram um relacionamento e a garota engravidou e o conselho então que ele (o autor) deu ao amigo que seria pai em meio ao conflito da questão é que a garota abortasse a criança. Razzo vai mostrar isso de forma muito elegante e interessante, no maturar do seu argumento, de que o totalitarismo se inicia na mente do indivíduo. E no caso aqui citado, o sujeito totalitário foi ele mesmo, quando aconselha o aborto, reduzindo o feto a ser menos que um ser, e também sem importância ontológica para o tamanho do drama vivido pelo casal de amigos. A mente totalitária, mostra o autor, é reducionista, enquanto o homem irredutível tem uma gama maior de questões a considerar como importância para realidade. 

A segunda parte do livro que trata propriamente de uma filosofia totalitária, abrange de forma maravilhosa os alicerces e fundamentações da questão, o autor com muita propriedade e elegância na escrita, consegue manter o leitor fixado no que desenvolve. 

Algo que me chamou atenção na abordagem é que o livro é composto por três grandes partes que são subdivididas em si mesmas. No entanto, o argumento central está na segunda parte. Razzo simplesmente destrói a ideia de esperança política, apresentando o ceticismo político e a pluralidade como fatores importantes em sua análise. Como grandes filósofos que locavam seu principal argumento para o centro do livro, Razzo fez isso com muita competência e primor. 

O livro objetiva tratar da imagética totalitária e suas consequências em menores e maiores graus. A proposta do autor é palmilhar com os leitores os meandros e pântanos da imaginação politizante que visa reduzir o ser humano a meras questões políticas, denegrindo ou diminuindo o que é o humano em função do político. A exemplo disso é reduzir questões biológicas, psicológicas ou religiosas a mera idealização política como uma expressão de expiação universal através da ideologia.

Interessante notar que a obra tem algumas questões estéticas que chamam atenção por sua condução da questão que está em pauta no livro. O livro é divido em três capítulos que se estruturam em subcapítulos dentro dessas partes maiores, mostrando a progressividade no raciocínio do autor e o agravamento do argumento, mas, que mantém a unidade do que está sendo defendido em cada abordagem em seus pontos subsequentes. Isso produz um efeito de capilarização do pensamento de Razzo na evolução do tema central do livro. 

Cada parte e subpartes vai se desenvolvendo dentro de uma estrutura concêntrica do que o autor começa chamando de homem redutível e homem irredutível. A amostra da imaginação totalitária como uma ideologização de um aspecto da realidade promovendo assim um reducionismo do humano e suas múltiplas relações com o mundo em sua volta, é uma polarização decrescente na ideia do que é o homem promovendo um desenlace com a maior compreensão da realidade. 

É necessário dizer que o livro é de vital relevância para o estudo da filosofia política por uma ótima conservadora/liberal e não somente isso, o livro clareia a questão da mentalidade totalitária, apontando fatores presentes em uma evolução que vai do singular ao plural - sociologicamente falando. A questão gira em torno de uma sólida antropologia filosófica apresentada por Razzo, demonstrando a experiência do autor com o tema que propõe e a impressão que se tem na leitura do livro é que além de uma vasta e sólida pesquisa acadêmica sobre o tema, o autor aprofunda questões existenciais tratando então antropologicamente, sociologicamente e psicologicamente ao que se refere ao pensamento totalitário.

Razzo trabalha com uma abordagem filosófica no que se refere a verdade objetiva na política de forma cética. Tratando inicialmente da verdade objetiva e da verdade subjetiva como parâmetro de analise para um discurso político totalitário. Discorrendo sobre o pluralismo objetivo contra um monismo de verdades intransigentes. Razzo então prepara o leitor com essa abordagem mais geral sobre a verdade, e a relativização política desta (no que se refere a filosofia política) em relação a dogmatização de uma verdade politizante que totalitarize o discurso reduzindo-o a um universo de realidade restrita. Com isso o autor dá prosseguimento ao argumento do capítulo anterior sobre a redutibilidade do pensamento totalitário. A ideia é que o correto posicionamento contra a totalitarização do pensamento está na pluralidade de considerações de verdades subjetivas. Dado esse pano de fundo, Razzo leva o leitor a um afunilamento da questão. Isso ocorre na segunda parte do capítulo dois quando trata das raízes filosóficas da imaginação totalitária. 

Minha impressão quanto leitor é que o livro se parece com um redemoinho, essa imagem ficou em minha mente. Pelo motivo de a primeira parte e a última convergirem para a segunda que seria o centro da questão filosófica. O livro possui uma dinâmica crescente e convergente ao centro do argumento do capítulo dois. O livro transita sobre antropologia filosófica, filosofia política e psicologia ao versar sobre a mentalidade totalitária. Imaginação totalitária é o centro da questão e Razzo mostra que isso não é exclusivo do pensamento de esquerda, mas, na verdade, quanto humanos, todos nós podemos alimentar imaginações totalitárias. 

Um livro que sem dúvida chegou em tempo bom para o público leitor brasileiro, e que ainda será lembrado como clássico da filosofia política no Brasil.Várias frases do autor marcam, como cravos bem fixados, sua abordagem nos capítulos do livro. Assim, finalizo com uma das frases que mais gostei: 

"Para a imaginação totalitária, essa seria a verdadeira vocação da política: salvar a todos e aniquilar a quem atrapalha". (pg. 202) 

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