Por Francis Schaeffer*
É preciso analisar a
palavra fé, admitindo que ela pode
significar duas coisas completamente opostas.
Imaginemo-nos subindo aos
Alpes, e que, ao atingir o topo escarpado da rocha, subitamente, um nevoeiro
baixasse sobre nossas cabeças, o guia se virasse para nós, dizendo que o gelo
está se formando e que não há esperança; antes de amanhecer, congelaríamos até
a morte lá mesmo na encosta da montanha. Simplesmente para manter-nos
aquecidos, o guia nos mantêm andando no nevoeiro denso cada vez mais além da
encosta, até que nenhum de nós tenha qualquer ideia de onde estamos. Depois de
uma hora aproximadamente, alguém diz ao guia: “Suponha que eu tropeçasse e
caísse em uma saliência, alguns metros abaixo do nevoeiro, o que aconteceria?”
O guia responderia que ele poderia sobreviver até a manhã seguinte e, assim,
escaparia com vida. Assim, sem absolutamente nenhum conhecimento ou qualquer
razão para sustentar sua ação, um dos membros do grupo acabaria pulando e cai
no nevoeiro. Esta seria uma espécie de fé, de salto de fé.
Suponha, porém, que depois
de termos explorado a encosta, no meio do nevoeiro, com o gelo acumulando-se na
rocha, tivéssemos passado e ouvido uma voz dizendo: “Vocês não podem ver-me,
mas eu sei exatamente onde vocês estão pelas suas vozes. Estou no outro pico.
Tenho vivido nestas montanhas homem e menino, há mais de 60 anos, e conheço
cada metro quadrado delas. Garanto que há uma saliência dez metros abaixo de
onde vocês estão. Se vocês pularem, poderão passar a noite ali, e eu os
apanharei pela manhã”.
Eu não saltaria de
imediato, mas faria perguntas a fim de tentar certificar-me de que o homem
soubesse do que estava falando e de que ele não fosse nenhum inimigo. Nos Alpes,
por exemplo, eu poderia perguntar pelo seu nome. Se o nome alegado fosse de uma
família da região das montanhas, isso seria um dado importante para mim. Nos
Alpes Suíços há certos nomes de família que caracterizam as famílias
montanhesas da região. Na minha situação desesperada, mesmo que o tempo
estivesse se esgotando, eu lhe faria todas as possíveis perguntas importantes e
suficientes, até ficar convencido de suas respostas, só então eu saltaria.
Isto é fé, mas obviamente
este conceito não tem nada a ver com aquele outro uso da palavra. O fato é que,
se chamamos de fé a algumas destas coisas, já não poderíamos chamar a outra
pelo mesmo nome. A fé do Cristianismo histórico não é sinônima de salto de fé
no sentido pós-kierkgaardiano, pelo simples fato de que ele não está em silêncio, e eu sou convidado a fazer perguntas
adequadas e suficientes, não apenas relativas a detalhes, mas também quanto à
existência do universo e a sua complexidade e quanto a existência do homem. Sou
convidado a fazer perguntas adequadas e suficientes e depois acreditar nele e
curvar-me metafisicamente diante dele, ao ter a certeza de que eu existo, porque
ele fez o homem, e curvar-me moralmente diante dele, como alguém que precisa desesperadamente
da sua providência, através da morte substitutiva, propiciatória de Cristo.
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*Apêndice do livro "O Deus que se Revela".