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26 de fev. de 2016

Aliança da Redenção

Por Michael Horton

Quase todas as alianças bíblicas são pactos históricos feitos por Deus com suas criaturas. A aliança da redenção, porém, é um pacto eterno entre as pessoas da Trindade. O Pai elege um povo no Filho, como seu mediador, que será levado à fé salvadora por meio do Espírito. Assim, a aliança feita pela Trindade na eternidade já leva em conta a queda da raça humana. Escolhidos dentre a massa condenada da humanidade, os eleitos não são melhores ou mais bem qualificados que o restante. Deus simplesmente escolheu, de acordo com a sua própria liberdade, demonstrar a sua justiça e a sua misericórdia, e a aliança da redenção é o ato de abertura desse drama da redenção.

Já podemos ver como uma estrutura pactual desafia a ideia de um déspota solitário. O Pai elege um povo no Filho por meio do Espírito. Nossa salvação, portanto, surge primeiro pela solidariedade das pessoas da divindade. A alegria de dar e receber, experimentadas pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo derrama-se, por assim dizer, sobre o relacionamento Criador-criatura. Na aliança da redenção, o amor do Pai e do Espírito pelo Filho é demonstrado na dádiva de um povo que o terá como sua cabeça viva. Ao mesmo tempo, o amor do Filho pelo Pai e pelo Espírito é demonstrado pelo seu compromisso de redimir essa família a um grande custo pessoal.

É por isso que não devemos procurar o decreto secreto de Deus na predestinação ou tentar encontrar evidência dela em nós mesmos, mas, como insistia Calvino, ver Cristo como o “espelho” de nossa eleição. A predestinação de Deus nos é escondida, mas Cristo não é. O desvendar do mistério oculto em eras passadas, a pessoa e a obra de Cristo, torna-se o único testemunho confiável da nossa eleição. Aqueles que confiam em Cristo pertencem a Cristo e são eleitos em Cristo.

Até aqui ofereci algumas definições, mas ainda não apresentei qualquer defesa bíblica. Essa aliança da redenção é produzida por especulação teológica ou por cuidadosa interpretação bíblica?

Em resposta a essa pergunta, devemos observar primeiro que alguns teólogos reformados contemporâneos sugerem que a Escritura é silenciosa sobre essa aliança eterna. Contudo, esse mesmos escritores afirmam a doutrina reformada tradicional da eleição: Deus escolheu muitos da raça condenada de Adão para estarem em Cristo, à parte de qualquer coisa pertencente ou prevista naqueles que foram escolhidos e de acordo somente com a livre graça de Deus. Se nos ativermos simultaneamente à doutrina da Trindade e da eleição incondicional, não fica claro que objeção poderia ser feita, a princípio, para descrever esse decreto divino em termos do conceito de uma aliança eterna entre as pessoas da Divindade. Segundo, não contamos apenas com argumentos a partir do silêncio. No ministério de Cristo, por exemplo, o Filho é representado (especialmente no quarto Evangelho) como tendo recebido do Pai um povo (Jo. 6:39; 10:29; 17:2,4-10; Ef. 1:4-12; Hb. 2:13 citando Is. 8:18), que é chamado e guardado pelo Espírito Santo para a consumação da nova criação (Rm. 8:29,30; Ef. 1:11-13; Tt.3:5; 1 Pe. 1:5). Na verdade, afirmar a aliança da redenção é algo mais que afirmar que a auto-entraga do Filho e a obra regeneradora do Espírito foram a execução do plano eterno do Pai. Não somente fomos escolhidos em Cristo “antes da fundação do mundo” (Ef. 1:4), mas também o próprio Cristo é referido como “o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap. 13:8).

A aliança da redenção destaca a soberania e a liberdade de Deus na graça eletiva, como também o caráter trinitariano e especificamente cristocêntrico desse propósito divino. Tudo acontece “em Cristo”; assim a ênfase na teologia da aliança sobre o tema de “Cristo, o mediador”. Mesmo antes da criação e da queda, os eleitos estavam “em Cristo” em termos do propósito divino para a História, ainda que não na História em si. Longe de ser resultado de especulação abstrata, esse conceito da aliança da redenção é um ensinamento revelado da Escritura e a melhor defesa contra essa especulação. Sempre que a soberania de Deus na predestinação for fortemente defendida fora de um arcabouço de aliança, a revelação concreta de nossa eleição em Cristo, de acordo com a promessa do evangelho, cede a debates teóricos que nos levam a especulações sem fim sobre os conselhos escondidos de Deus.

Apesar desse consenso passado, teólogos reformados em nossos dias não estão unanimemente persuadidos que o decreto eterno pode ser formalizado como uma aliança com base na exegese. Por exemplo, O. Palmer Robertson reconhece o decreto eterno:

Mas afirmar o papel da redenção nos conselhos eternos não é o mesmo que propor a existência de uma aliança pré-criação entre Pai e Filho. Um sentido de artificialidade tempera o esforço de estruturar em termos pactuais os mistérios dos conselhos eternos de Deus. A Escritura simplesmente não diz muito sobre o formato pré-criação dos decretos de Deus. Falar concretamente sobre uma “aliança” intertrinitariana [sic] com termos e condições entre Pai e Filho, mutuamente aprovados antes da fundação do mundo, é estender os limites da evidência das Escrituras além do que é próprio [1].

Além do mais, como uma “disposição soberana” poderia ser verdadeira no caso da Trindade?

Aqui vemos novamente os perigos inerentes a uma definição estreita demais de aliança. Nas passagens citadas acima, parece claro que as pessoas da Trindade estavam envolvidas numa disposição “pré-temporal” de alguma espécie: a eleição de um povo dado ao Filho como mediador a ser preservado pelo Espírito. Nessas passagens, especialmente no Evangelho de João, Jesus fala repetidas vezes de “aqueles que tu me deste” (17:6,9,11,12). A própria noção de mediação soteriológica requer alguma espécie de concordância de juramento. Na verdade, é exatamente essa aliança trinitariana que é capaz de contrabalancear uma tendência hipercalvinista de soteriologia unitariana em que “Deus” (isto é, o Pai) soberanamente decreta a salvação e reprovação sem ser pela operação do Filho e do Espírito. Uma soteriologia trinitariana emerge necessariamente dessa ênfase. “Assim como a bênção de Deus existe na relação livre das três Pessoas do Ser adorável, do mesmo modo, o homem encontrará bênção no relacionamento pactual com Deus”, escreve Vos [2].

Parte da dificuldade para os intérpretes é que essas passagens não identificam especificamente o decreto como uma aliança. No entanto, como já vimos, a aliança davídica só foi reconhecida como tal pelos profetas muito mais tarde (Sl. 89 e 132). Apesar de sua acusação de que essa doutrina de aliança é especulativa, o próprio Robertson introduz alianças antes jamais ouvidas. Além das alianças com Noé, Abraão, Moisés e Davi, ele acrescenta “uma aliança de começo” (com Adão pós-lapsariano) e uma “aliança de consumação” (Cristo) , nenhuma das quais é identificada especificamente como aliança na Escritura. Certamente a Escritura não reconhece o tipo de tratado de suserano-vassalo entre as Pessoas da Trindade. Afinal, cada pessoa é igualmente divina: não há senhores e servos no relacionamento trinitariano eterno. Além do mais, não existe uma estrutura formal de tratado nessa aliança da Escritura – nenhum prólogo histórico, nem estipulações, nada de sanções, e assim por diante. Já vimos, porém, que nem todas as alianças bíblicas se encaixam no estilo de suserania. Só uma definição exageradamente restrita de aliança poderia justificar a ideia de que a aliança da redenção é especulativa e não bíblica.

Portanto, a aliança da redenção é tão claramente revelada na Escritura quanto a Trindade e o decreto eterno de eleger, redimir, chamar, justificar, santificar e glorificar um povo para o Filho. Ao mesmo tempo, esse propósito eterno teria permanecido escondido de nós se não tivesse sido realizado em nosso tempo e espaço. É aí que se dá maior atenção bíblica. Enquanto a aliança da redenção é eterna e tem como participantes as pessoas da Divindade, as alianças da criação e da graça se desenrolam na história humana e tem como parceiros o Criador e criatura.

Uma das declarações mais sucintas desse esquema das duas alianças históricas se encontra no capítulo sete da Confissão de Fé de Westminster:

A distância entre Deus e a criatura é tão grande que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele, como bem-aventurança e recompensa, senão por voluntária condescendência da parte de Deus, a qual agradou a ele expressar por meio de um pacto. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob condição de perfeita e pessoal obediência. Tendo-se o homem tornando, pela sua queda, incapaz de ter vida por meio desse pacto, o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto, geralmente chamado de pacto da graça; nesse pacto da graça ele livremente oferece aos pecadores a vida e a salvação por meio de Jesus Cristo, exigindo deles a fé nele, para que sejam salvos, e prometendo o seu Santo Espírito a todos os que estão ordenados para a vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.
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[1] Robertson, Christ of the Covenants, 54
[2] Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation, 245

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Trecho do livro O Deus da Promessa - Introdução à Teologia da Aliança. Ed. Cultura Cristã

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