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29 de ago. de 2016

Pastores-políticos: pode isso, Perkins?

Por Vinícius Silva Pimentel

Nos últimos dias, surgiram nas redes sociais várias discussões entre cristãos sobre se seria lícito a um pastor cumular um ofício político, como o de vereador. Esses debates não focavam o aspecto da laicidade do Estadocomo por vezes se discute, sobretudo entre os progressistas, se deveria haver algum tipo de impedimento ao exercício de cargo político por pessoas professadamente religiosas. Em vez disso, a conversa girava em torno da ética vocacional cristã: se há várias situações em que se admitem ministros evangélicos bivocacionados (por exemplo, quando exercem o magistério), por que a vocação política seria uma exceção?

Acredito que podemos encontrar muita sabedoria para lidar com este assunto no livro A Treatise of the Vocations (“Um tratado das vocações”), do puritano William Perkins (1558–1602), que apresenta de forma sistematizada e pretensamente exaustiva uma “teologia prática” das vocações.

A obra se estrutura do seguinte modo: após definir “vocação” ou “chamado” (“é um certo tipo de vida, ordenado e imposto ao homem por Deus, para o bem comum”) e distinguir entre vocação geral e particular, Perkins discorre sobre como fazer uma boa escolha, uma boa entrada, um bom progresso e umbom término do chamado.

No capítulo sobre a “boa entrada no chamado”, Perkins responde se é lícito a alguém entrar em duas vocações ao mesmo tempo. Ele defende que essa dupla vocação é aceitável em alguns casos, mas não em outros.

É lícito exercer duas vocações em três circunstâncias:

1. Quando o próprio Deus determina a combinação de dois chamados. O exemplo mais óbvio é o de Melquisedeque, que foi designado rei e sacerdote.

2. Quando o duplo chamado não contraria as Escrituras e, ao mesmo tempo, serve ao bem comum em determinadas circunstâncias peculiares. Perkins usa os exemplos de Eli (sacerdote e juiz), Samuel (profeta e juiz) e Moisés (profeta e governante civil) e explica que, “naqueles períodos, ambos os ofícios estavam tão corrompidos que não se podiam achar homens comuns suficientes para exercer cada chamado separadamente”.

3. Quando dois chamados podem ser cumulados sem se atrapalharem mutuamente ou impedirem o bem comum. Aqui, Perkins está falando de vocações que são tipicamente cumuladas, como as de pai e de profissional, mas também de situações em que necessidades particulares exigem a dupla vocação, como quando o apóstolo Paulo fazia tendas em Corinto. Perkins diz que, em casos de similar necessidade, um ministro evangélico pode exercer outro chamado, desde que isso não seja um empecilho à sua vocação principal nem se torne numa afronta aos homens.

Em sentido contrário, a dupla vocação se torna ilícita também em três circunstâncias:

1. Quando Deus dissocia dois chamados por sua Palavra e mandamento.

2. Quando a prática de um chamado atrapalha a do outro.

3. Quando a combinação de dois chamados prejudica o bem comum.

Perkins usa então alguns exemplos em que a dupla vocação é inaceitável: o Senhor Jesus, sendo Mestre da igreja, se recusou a ser juiz num conflito entre dois irmãos pela herança; os apóstolos, em virtude dos deveres do seu chamado, se recusaram a exercer o ofício de diáconos. E conclui:

"A partir disso inferimos que nas cidades, corporações e sociedades, deve-se tomar cuidado (tanto quanto possível) para que os diversos ofícios e encargos, sendo em si mesmo pesados e de espécies distintas, não sejam postos sobre os ombros de um só homem. Pois a execução de todos eles causa distraçõese as distrações incapacitam até o mais apto homem de desincumbir-se de um ofício que seja".

O argumento geral de Perkins (com o qual concordamos) nos permite afirmar duas coisas. Por um lado, não é possível afirmar que a cumulação dos ofícios de ministro eclesiástico e magistrado civil seja sempre ilícita, já que eles não foram expressamente dissociados nas Escrituras. Todavia, por outro, é altamente recomendável que essas duas vocações permaneçam separadas; pois cada uma envolve grandes atribuições (são “em si mesmas pesadas”) e há pouca ou nenhuma sobreposição entre si (são “de espécies distintas).

Portanto, a partir da sabedoria bíblica exposta por William Perkins, a dupla vocação de ministro e magistrado somente seria possível em circunstâncias altamente peculiares, nas quais não houvesse número suficiente de homens aptos para que cada um dos ofícios fosse exercido por indivíduos diferentes. Fora dessa hipótese incomum, é mais provável que a cumulação desses chamados seja um obstáculo ao bem comum: sofrerá a igreja, sofrerá a sociedade.

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25 de ago. de 2016

Todos os cristãos precisam de Teologia

Por Morgana Mendonça dos Santos

É incrível, como existe no meio evangélico dos nossos dias, cristãos avessos ao labor teológico. Eis uma realidade que nem os reformadores gostariam de presenciar no nosso tempo. Nos últimos dias, percebi isso de forma mais aguda e acentuada. Há nos arraiais evangélicos pessoas que de tal forma rejeitam a teologia, não seria isso um grande contrassenso? Me parece que o discurso do amor é uma antítese ao labor teológico. 

Dificilmente um texto como esse resolveria a questão, dificilmente um sermão pregado no púlpito dia de domingo conseguiria destruir essa fortaleza que existe no coração de muitos. Acredito que, uma clareza de conceitos, processo de ensino e advertência sobre a importância da teologia, provocariam um passo no longo percurso da quebra de paradigmas. 

Não se deve negar que, durante muito tempo, a teologia esteve confinada num mundo acadêmico, toda a questão que envolve a teologia sempre distanciou o público leigo desse privilégio bíblico. Talvez sua linguagem técnica, sua rigorosidade científica, seu aspecto erudito, construíram muros ao invés de pontes para com o público cristão leigo. É possível que, certa "distinção clerical", tenha gerado ao longo do tempo um abismo entre a teologia e os iniciantes no caminho do saber bíblico. 

No entanto, a Escritura afirma e direciona o caminho do sacerdócio universal, não apenas a liderança eclesiástica deve vivenciar o labor teológico, mas, todo aquele que professa ser cristão (1Pd 2.9). Todos os cristãos, a Escritura afirma, devem crescer não apenas na graça, mas também no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2Pe 3.18). Retomemos o ensino bíblico do sacerdócio de todos os crentes! É verdade que entre abismos e muros, o trabalho de criar pontes será bem maior. Lembro-me, várias vezes, em aulas do seminário, dos professores repetirem: "somos chamados como construtores de pontes e não de muros". 

A ideia que Deus capacita apenas alguns e outros ficam somente como expectadores existe, e tem causado desperdício e desconforto na causa do Reino. Infelizmente, o que se dedica ao labor teológico é visto como orgulhoso, prepotente, sabedor da verdade e que de forma arrogante só sabe criticar ao invés daquele que mesmo sem saber muita coisa, consegue amar sem fazer acepções. Nunca deveria existir essa oposição da teologia e o amor, da teologia e a humildade, da teologia e a piedade. Na verdade, o verdadeiro propósito do conhecimento redundará em adoração através de uma vida piedosa, como testemunho. Esse é o fundamento da teologia, a glória de Deus e uma vida piedosa. 

Como um cristão pensa que se opor a teologia o faz mestre na piedade? A definição da teologia não deveria ser aquilo, que o cristão leigo ou não, deveria admitir buscar todos os dias? Conhecimento de Deus não deveria ser desejado? É importante perceber o fato de que hoje muitos dos que rejeitam essa vida acadêmica, são os mesmo que criticam quem assim o faz, negando por sua própria conduta seu discurso repetitivo e obsessivo por mais amor e menos intelecto. Devemos considerar do mesmo modo quem usa o academicismo como chicote e Bíblia como pedrada. De fato, muitos usam do "tulipar" ou "teologizar" para bater e pisar no corpo no qual Cristo é o cabeça, não sabendo realmente como usar esse labor para a glória de Deus. 

Há passagens bíblicas que mostram claramente a importância da teologia para todo o cristão e o quanto ela está a serviço do povo de Deus. Mais ainda: que existe benefício para todo o povo de Deus em todos os campos do labor teológico. 

Conforme a ordem dada ao sacerdócio real e a nação santa sobre o anúncio das grandezas de Deus (1Pd 2.9), esse é um ponto que se requer preparo no falar. Não deve ser negligenciado, pois as grandezas de Deus não podem ser anunciadas de qualquer forma. E, a parte da teologia que esmera-se nesse assunto, é a homilética, visto que, não somente prepara bem o pregador para o púlpito, mas, todo cristão para uma boa transmissão dessa verdade bíblica. 

A grande comissão nos ordena a fazer discípulos e a forma como devemos fazer é ensinando (Mt 28.19-20), a ordem deve ser obedecida. Devemos ensinar tudo aquilo que Cristo ordenou e isso requer conhecimento sobre Deus, seus mandamentos, sua lei. Como podemos fazer discípulos sem teologia? A teologia nos ajuda a romper com os métodos modernos, para crescer no conhecimento da teologia bíblica e exegética. 

Pedro, no capítulo 3, verso 15, da sua primeira carta, nos diz que devemos estar preparados para responder à todo aquele que nos inquirir a respeito da esperança que há em nós, a razão da nossa fé. Ou seja, é necessário que tenhamos conhecimento bíblico. Chamamos isso na teologia de apologética, isto é, um discurso de defesa da fé cristã bem embasado nas Escrituras. 

Há passagens na Bíblia de difícil interpretação, até o apóstolo Pedro concordou com isso (2Pd 3.16), inclusive, nesse mesmo verso, ele fala de homens que distorcem a Escritura para a sua própria destruição. Pedro traz-nos um alerta para que não sejamos enganados, de forma que não suceda perdermos nossa firmeza. A hermenêutica é o campo da teologia que se encarrega de examinar o sentido preciso de uma passagem bíblica. Como disse Pedro, todo cristão deve crescer na graça e no conhecimento de Cristo Jesus. 

Poderia continuar propondo pontos que, de forma clara, são necessários a todo cristão, de fato, todos nós precisamos da teologia. Aprimorar nosso conhecimento a respeito de Deus através da Sua Palavra. Devemos ser inclinados ao labor teológico, ortodoxia e ortopraxia não são opostas, na verdade, são inseparáveis. Sejamos construtores de uma teologia saudável, que seja uma ponte para nossos irmãos da igreja local. Todo cristão deve desejar conhecer a respeito da revelação especial, eis um exemplo claro do conselho de Paulo a Tito:

Você, porém, fale o que está de acordo com a sã doutrina. Em tudo seja você mesmo um exemplo para eles, fazendo boas obras. Em seu ensino, mostre integridade e seriedade; use linguagem sadia, contra a qual nada se possa dizer, para que aqueles que se opõem a você fiquem envergonhados por não poderem falar mal de nós.

Tito 2.1, 7-8.

24 de ago. de 2016

O que eu perco quando perco o culto?

Por Tim Challies

Você pode imaginar a sua vida sem culto? Você consegue imaginar a sua vida sem se reunir regularmente com o povo de Deus, para adorá-lo em conjunto? O culto corporativo é um dos grandes privilégios da vida cristã. E talvez ele seja um daqueles privilégios que, ao longo do tempo, tomemos como certo. Quando eu paro para pensar a respeito, não consigo imaginar a minha vida sem culto. Eu nem mesmo desejo pensar nisso. Mas eu acho que vale a pena considerar: O que eu perco quando eu perco o culto?

Vivemos numa cultura consumista onde temos a tendência de avaliar a vida através de meios muito egoístas. Fazemos isso com o culto. “Hoje o sermão não falou comigo. Eu simplesmente não consegui apreciar as canções que cantamos nesta manhã. A leitura da Escritura foi demasiado longa”. Quando falamos dessa maneira podemos estar dando provas de que estamos indo à igreja como consumidores, como pessoas que desejam ser servidas em vez de servir.

No entanto, o ponto primário e o propósito de cultuar a Deus é a sua glória, não a satisfação das nossas necessidades sentidas. Nós adoramos a Deus, a fim de glorificar a Deus. Deus é glorificado no nosso culto. Ele é honrado. Ele é magnificado à vista daqueles que se juntam a nós.

Dessa forma, o culto rompe completamente com a corrente do consumismo e exige que eu cultue por amor da sua glória. Tenho ouvido dizer que o culto “é a arte de perder o ego na adoração de outro”. E é exatamente este o caso. Eu esqueço de tudo sobre mim e dou toda honra e glória a Ele.

O que eu perco sem o culto? Eu perco a oportunidade de crescer através de ouvir um sermão e de experimentar alegria por meio do cântico de grandes hinos. Eu perco a oportunidade de me unir a outros cristãos em oração e para recitar grandes credos com eles. Mas, mais que isso, eu perco a oportunidade de glorificar a Deus. Se eu parar de cultuar, estarei negligenciando um meio através do qual eu posso glorificá-lo.

Você vê? O culto não é sobre você ou sobre mim. O culto é sobre Deus. E, realmente, isso muda tudo.

Quando vejo o culto como algo que, em última análise, existe para o meu bem e para a minha satisfação, fica fácil tirar um dia de folga e pensar que a minha presença não faz nenhuma diferença. Mas quando eu venho para glorificar a Deus, eu entendo que ninguém mais pode tomar o meu lugar. Deus espera o levantar das minhas mãos, o erguer do meu coração e o levantar da minha voz a Ele.

Quando vejo o culto como algo que é todo sobre mim, fica fácil pular de igreja em igreja e estar sempre à procura de algo que se ajuste melhor a mim. Mas quando eu vejo a igreja como algo que é verdadeiramente sobre Deus, me pego procurando por uma igreja mais pura e melhor em adorar do modo exato como a Bíblia ordena – Eu procuro por uma igreja através da qual eu possa glorificá-lo cada vez mais.

Sem dúvida, o culto é um privilégio. Mas também é uma exigência, uma responsabilidade. E a maior responsabilidade, bem como o maior privilégio no culto, é trazer glória a Deus.

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Fonte: What Would I Lose if I Lost Worship?

Tradução: Alan Rennê Alexandrino

22 de ago. de 2016

Ana Paula Valadão e a Egolatria de uma Igreja Enferma

Por Thiago Oliveira

“Queixo pra cima, Princesa! Rainha! Senão a coroa cai”. Essa é uma frase “mantrica” que se repete numa música* cantada por Ana Paula Valadão num evento da Igreja Batista da Lagoinha. Além da sofrível melodia, que parece canção de programa infantil, a letra é terrível. Num templo que foi pintado de preto e que teve o púlpito retirado, a celebração é do homem para o homem. A líder do grupo Diante do Trono, no meio da música manda um “celebre a sua identidade, mulher”. Como se essa bizarrice não bastasse, ainda há uma coreografia no qual uma senhora é coroada e dança com aquela típica coroa de debutante. Além de deturpar o evangelho, precisa ser tão brega assim?

A grotesca egolatria evangélica, recheada de eventos em que Deus é apenas subserviente, sendo invocado para atender os caprichos de “crentelhos mimados”, chega ao seu ápice quando ao invés de utilizar o momento do louvor para bendizer o nome do SENHOR, e enaltecer seus atributos, um grupo passa a exaltar qualidades humanas. Numa parte da canção, no qual insta as mulheres a se lembrarem do que são, há uma lista de qualidades, dentre elas: bonita, inteligente, sábia, paciente, humilde, submissa, mansa, obediente, respeitadora, encorajadora e etc...etc...etc. Também se exalta o fato da mulher orar e jejuar, redundando em mais um adjetivo elogioso, que seria “fervorosa”.

Não tive como não recordar a parábola que Jesus conta sobre a oração do fariseu e do publicano. O primeiro exalta a si mesmo por conta do cumprimento de atividades religiosas. O segundo apenas bate no peito clamando por misericórdia, reconhecendo sua pecaminosidade. Cristo nos diz que foi o publicano quem saiu justificado diante de Deus (Leia a parábola em Lucas 18. 9-14). No evangelho não existe espaço para autoglorificação. Nós devemos nos lembrar de que somos pó, que nossa vida é como um sopro e ai de nós se não fossem as misericórdias do SENHOR sobre quem somos. Sendo assim, que negócio é esse de “celebre quem você é”?

O que a Ana Paula Valadão promove vai de encontro com o padrão de humildade prescrito na Bíblia. Ora, para quê essa necessidade de autoafirmação? Pelo que dá a entender, a intenção é levantar a moral de mulheres que estão deprimidas, desiludidas da vida. Precisamos ter amor por tais e procurar ajuda-las a atravessar momentos de dificuldade - talvez um surto depressivo? Sim, devemos. Mas faremos isso apoiados na Palavra, buscando exaltar o nome do Senhor ao invés do nosso. Transformar uma pessoa depressiva numa narcisista não é a solução adequada, muito pelo contrário, só aumenta o prejuízo. Uma pessoa que precisa lutar contra a depressão deve se amar, mas o amor em primazia deve ser dado a Deus. Este é o primeiro grande mandamento. Ademais, amar-se não significa viver caçando elogios ou vangloriando-se pelas suas qualidades. Assim como a humildade - segundo a Bíblia - não significa negá-las. Então, o que vem a ser uma pessoa humilde? Tim Keller responde com a seguinte afirmação:

“A pessoa verdadeiramente humilde não é aquela que se odeia ou se ama, e sim a que tem a humildade do Evangelho. É uma pessoa que se esquece de si mesma e cujo ego é igual aos dedos dos pés. Eles simplesmente exercem sua função. Não imploram por atenção”.

Ao contrário do que muitos pensam, não tenho prazer em escrever esse tipo de texto. Mas mesmo não gostando, me sinto no dever de expor o falso evangelho, até porque ele resulta numa adoração a um deus falso. Sabe qual o nome disso? Idolatria! E a igreja evangélica, de modo geral, tem se especializado em idolatrar o ser humano. Isso é resultado de uma má compreensão da Escritura, que por sua vez, resulta em púlpitos adulterados, em que apesar de ter um pastor e uma Bíblia aberta, prega mensagens moralistas e de autoajuda, massageando o ego de uma geração acomodada e materialista. Quando a pregação expositiva e fiel da Escritura e a sã doutrina são deixadas de lado, a igreja – mesmo aparentando crescimento devido ao seu aumento numérico – está desfalecendo. Está gravemente enferma.

Mulheres e homens não devem colocar queixo pra cima. O mais propício é que ele fique baixo, encostado ao peito. E com a fronte e os joelhos prostrados, nossa oração deve ser a seguinte: “Senhor, diante de ti eu sei que nada sou, mas por Tua graça, livra-me de todo mal. Inclusive, livra-me de mim mesmo e dos maus desejos que afloram de minha natureza pecaminosa. Santifica-me na verdade. A Tua palavra é a verdade, e nela quero me aprofundar. Reina em mim, senhor Jesus. Amém”.

Não queiramos ser tidos por príncipes ou reis. Almejemos o status de servos bons e fiéis, pois, são estes que estarão na presença do verdadeiro Rei, desfrutando das benesses do seu reino. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre.
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*Veja, se estiver estômago forte: clique aqui

12 de ago. de 2016

O Contencioso


Por Morgana Mendonça

Porque o evangelho não é uma doutrina de língua, mas, de vida”. O grande reformador João Calvino (1509-1564), consegue em poucas palavras, nos ensinar algo de extrema importância. Ele nos ensina sobre uma vida piedosa que retrata o evangelho da graça de Deus. A vida do cristão precisa, não apenas por palavras, e sim, por conduta, expressar a sã doutrina.

Tem sido um grande desafio viver uma vida que glorifique a Cristo. A comunidade evangélica tem enfrentado situações desafiadoras em todas as áreas, seja com questões culturais, ideológicas e até mesmo com relacionamentos interpessoais. Cada dia mais os relacionamentos virtuais têm sido alvo de grandes controvérsias. Perceber o quanto estamos longe de uma saudável convivência com o corpo de Cristo nas redes sociais é importante para destacar um ponto chamado contenda. Outra questão é perceber que as "contendas" criam dimensões gigantescas e trazem, não somente divisão, como adeptos a cada dia. No meio reformado, essa tem sido uma triste realidade que destoa com aquilo proposto na Escritura. Amantes das controvérsias, em torno de temas teológicos, produziram muitos teólogos "fakes" e "super-crentões". A Escritura nos diz claramente:

O que ama a contenda ama a transgressão; o que faz alta a sua porta busca a ruína.

Provérbios 17.19

Contenda é pecado! Amar a contenda é pecado, pecado esse que mina o coração e reflete um comportamento desprezível. Esse verso nos diz que: quem ama a contenda, ama o pecado. A contenda é um pecado que se encarrega de trazer outros pecados, como a maledicência, a ira, a maldade e o orgulho. O próprio verso mencionando em provérbios fala do orgulho, "aquele que faz alta a sua porta facilita sua própria queda". Em nossos dias, esse amor à contenda é visto de várias formas nas redes sociais, em páginas ou em grupos. Uma vitrine de contendas, relacionamentos destruídos e muitos bloqueados. Cristãos contenciosos, não seria uma questão trágica em nosso meio? A ânsia da defesa pública e da exposição teológica reformada, para que "likes" alimentem um ego enfermo. Um desejo ardente para oferecer a última palavra baseado em todo arcabouço da filosofia ou teologia, não é menos importante do que manter um relacionamento saudável com um irmão, que, por um detalhe, pensa diferente de você. 

A falsa piedade tem convencido a muitos com uma retórica de amor e zelo pela verdade, e ódio contra o pecado. Como disse, certa vez, um pastor reformado sobre suas percepções a respeito desses debates teológicos de Facebook: "A contenda se reveste de falsa piedade, quando o que realmente está acontecendo é amor ao pecado que Deus odeia". A glória de Deus, o bem ao próximo, o verdadeiro zelo pela Escritura estão longe dos debates teológicos das redes sociais, são poucos os que proporcionam realmente santo temor e paz entre os envolvidos. 

De fato, é necessário um exame das nossas motivações teológicas, um sondar das nossas intenções. Devemos questionar o propósito de tantas leituras, labor teológico e filosófico, de tanto conhecimento bíblico com um objetivo de apenas satisfazer o ego, e que, por fim, carece bastante de motivações genuinamente piedosas. Muitos outros pastores têm se posicionado contra essa realidade, trazendo a reflexão necessária sobre este desserviço à fé reformada. 

Aqueles que confessam a fé cristã reformada devem, em todos os âmbitos, manifestar o senso profundo e inequívoco do Soli Deo Gloria. Não devemos ter prazer nas contendas, nem muito menos em disputas teológicas. E isso não quer dizer que devemos abandonar o labor teológico, nem um debate saudável. Que o fim de se envolver nesse embate seja a glória de Deus, negando qualquer outra motivação que traga algum prejuízo na comunhão com os irmãos. O próprio reformador João Calvino não amava a disputa, nem a controvérsia, nem o falar contencioso. O alvo de Calvino era defender a fé com zelo, por amor às ovelhas de Cristo, para a glória de Deus. 

A verdadeira sabedoria é humilde e o pai da contenda é o orgulho. Que a nossa oração seja: concede-nos, ó Pai, uma inteligência em sincera humildade e pronta humilhação. A mistura de conhecimento e insensatez é chamada pelos gregos de sofomania, ou seja, o hábito de querer parecer sábio. Lembremos-nos do livro de provérbios, que diz, "o temor a Deus é o princípio da sabedoria" (Pv 1.7). Deixo aqui, nas palavras do apóstolo, um grande conselho:

E rejeita as questões tolas e desassisadas, sabendo que geram contendas; e ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente; corrigindo com mansidão os que resistem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, e que se desprendam dos laços do Diabo (por quem haviam sido presos), para cumprirem a vontade de Deus.

2 Timóteo 2.23-26

10 de ago. de 2016

A Importância do Credo Niceno

Por Thiago Oliveira

Cremos em um só Deus, Pai Onipotente, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado pelo Pai, unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra; o qual, por nós homens e por nossa salvação, desceu, se encarnou e se fez homem, e sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir para julgar os vivos e os mortos; e no Espírito Santo. E a quantos dizem: “Ele era quando não era”, e “Antes de nascer, Ele não era”, ou que “foi feito do não existente”, bem como a quantos alegam ser o Filho de Deus “de outra substância ou essência”, ou “feito”, ou “mutável”, ou “alterável” a todos estes a igreja católica e apostólica anematiza. [1]

Quando finda a perseguição ao cristianismo e este passa a ter a simpatia do Império, surge uma controvérsia que abala a ortodoxia: o Arianismo. Esta doutrina herética, formulada por Ário, presbítero em Alexandria, negava que Cristo fosse eterno e dizia ainda que Deus e Jesus não tinham a mesma substância, ou seja, para Ário, Cristo não era divino. Em uma de suas cartas ao Bispo Eusébio da Nicomédia, Ário defende sua doutrina:

“Nós pensamos e afirmamos que o Filho não é ingênito, nem participa absolutamente do ingênito, nem derivou d’alguma substância, mas que por sua própria vontade e decisão existiu antes dos tempos e eras, inteiramente Deus, unigênito e imutável. Mas antes de ter sido gerado ou criado ou nomeado, ele não existia, pois ele não era ingênito”.

Nessa época, o imperador Constantino queria consolidar o seu império tendo o cristianismo, e não o paganismo, por base. Assim sendo, convocou os bispos do Império, aproximadamente 300, e os reuniu num concílio realizado na cidade de Nicéia, na Ásia Menor (325 d.C.). A controvérsia não tardou em ser resolvida, pois, os bispos do Ocidente, aceitavam a sentença de Tertuliano “Uma substância, três naturezas”, emitida um século antes.

O Arianismo foi condenado, e conforme escrito na declaração de fé, considerado anátema (i.e. maldito). É nítido que a consubstancialidade entre Deus e Jesus Cristo são asseguradas no credo niceno. Tanto Ário como Eusébio da Nicomédia, foram expulsos de suas cidades e excomungados por heresia. Mas a doutrina havia sido muito difundida entre os povos germânicos. Nas chamadas “Invasões Bárbaras”, Ostrogodos e Visigodos, por exemplo, já chegaram cristianizados a Roma, todavia, eram adeptos do arianismo.

O texto do Credo foi depois reformulado em dois concílios, Calcedônia (451 d.C.) e Espanha (589 d.C.). Assim ficou o seu texto:

Creio em um Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem; e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e foi sepultado; e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras; e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas. Creio na Igreja una, universal e apostólica, reconheço um só batismo para remissão dos pecados; e aguardo a ressurreição dos mortos e da vida do mundo vindouro.

Mesmo após a sua modificação, vemos que a crença na triunidade Divina permanece intacta, ressaltando que Cristo é não-criado, mas é verdadeiro Deus, criador de todas as demais coisas. Atualmente, algumas seitas que se denominam cristãs, negam que Jesus Cristo seja igual a Deus Pai. Tais seitas são chamadas de unitaristas, por negarem o conceito da Trindade. As Testemunhas de Jeová são as mais conhecidas. Outras, como o kardecismo dizem que Cristo é um ser evoluído e o mormonismo afirma que Cristo não é Deus, é uma criatura dele, irmão de Lúcifer e dos homens. Estas são formulações heréticas, e quem as professa não pode ser considerado cristão, pois, a Trindade é dogma central da fé cristã.

A Igreja Evangélica Voz da Verdade, fundada em Santo André - SP, ganhou fama em todo o Brasil, por causa do seu conjunto musical, bastante influente nas rádios evangélicas, isso nos anos de 1990. Logo, suas músicas começaram a ser cantadas em várias igrejas, até que suas ideias unicistas foram descobertas e denunciadas por diversos pastores e teólogos ortodoxos. Tal episódio nos serve de alerta. As heresias não morrem, elas se reinventam. Vestem uma roupa nova para atrair novos adeptos. A importância de conhecermos o Credo de Nicéia, a história da igreja em si, sobretudo a era patrística, é que nos auxiliará em defesa da sã doutrina contra os falsos ensinos.
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[1] Primeira formulação do Credo Niceno, citado em GONZALES, Justo. Uma História Ilustrada do Cristianismo, vol. 2, A era dos gigantes. São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 97.

8 de ago. de 2016

Religião, Cultura e Redenção

Por Herman Bavinck

Entre todos os povos do mundo, encontramos uma noção de pecado e miséria, e todos sentem a necessidade e a esperança de redenção. O otimismo é impotente para rejeitar o primeiro fato e reconciliar completamente os seres humanos consigo mesmos e com o mundo. O pessimismo, porém, nunca foi bem sucedido em desfazer o segundo fato e em erradicar  a esperança para o futuro do coração do humano. Além disso, vimos anteriormente que a expectativa de uma redenção vindoura está ligada, em muitas religiões, a uma pessoa vindoura e especificamente baseada no aparecimento de um rei. 

Aqui podemos acrescentar que a ideia de redenção está quase sempre associada à de reconciliação. Redenção, devemos dizer, é primariamente um conceito religioso e, portanto, ocorre em todas as religiões. Admito que os seres humanos têm à sua disposição muitos meios para se manterem na luta pela existência e para se protegerem contra a violência. Eles não estão sozinhos, mas vivem em comunidades. Eles têm mentes com as quais pensar, mãos com as quais trabalhar e podem, pelo trabalho e pelo esforço, conquistar, estabelecer e expandir um lugar para si mesmos no mundo. É digno de nota, porém, que todas essas ajudas e suportes não são suficientes para eles. Por mais que as pessoas se desenvolvam culturalmente, elas nunca ficam satisfeitas com isso e não alcançam a redenção pela qual pela qual estão ansiosas, pois ao mesmo tempo em que a cultura satisfaz suas necessidades, incentiva a ter orgulho no grande progresso que fizeram, por outro, elas lhes dá uma noção progressivamente mais clara do longo caminho que ainda precisam percorrer. Na medida em que as pessoas colocam o mundo sob seus pés, elas se sentem mais e mais dependentes daquelas forças celestiais contra as quais, com medida em que resolvem problemas, vêem os mistérios do mundo e da vida se multiplicarem e aumentarem em complexidade. 

Enquanto sonham com o progresso da civilização, ao mesmo tempo vêem abrir diante de si a instabilidade e a futilidade do mundo existente. A cultura tem grandes, até mesmo incalculáveis vantagens, mas também traz consigo seus próprios inconvenientes e perigos peculiares. Quanto mais abundantemente os benefícios da civilização escorrem por nosso caminho, mais vazia a vida se torna. É por isso que em adição à cultura, em toda parte, teve origem e alcançou maturidade sob a influência da religião. Se os males da humanidade foram causados pela cultura, certamente eles poderiam ser curados de nenhuma outra forma a não ser pela cultura. Mas os males que temos em mente são oriundos do coração humano, que sempre  permanece o mesmo, e a cultura somente os realça. Com toda a sua riqueza e poder, ele apenas mostra que o coração humano, no qual Deus colocou a eternidade (Ec 3.11), é tão grande que nem todo mundo pode satisfazê-lo. Os seres humanos estão em busca de uma redenção melhor do que aquela que a cultura pode lhes dar. Eles estão procurando felicidade duradoura, um bem eterno. Eles estão ansiosos por uma redenção que os salve física e também espiritualmente, para  o tempo e também para a eternidade, e isso somente a religião, e nada mais, pode lhes dar. Somente Deus pode lhes dar isso, não a ciência ou a arte, a civilização ou a cultura. Por essa razão, a redenção é um conceito religioso, é encontrada em todas as religiões  e é quase sempre associada à ideia de reconciliação, pois a redenção que os seres humanos procuram e precisam é uma redenção na qual são erguidos acima de todo o mundo e inseridos  em comunhão com Deus. 

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Fonte: Dogmática Reformada. Ed. Cultura Cristã, Volume 3, p.331-32.

5 de ago. de 2016

A Trindade em essência (ontológica) e a Trindade no trabalho (econômica)

Por Leandro Lima

Dentro da Trindade existe absoluta igualdade de essência, logo, não existe qualquer grau de subordinação, nem mesmo de honra. O Pai não é maior em essência do que o Filho e nem o Filho maior do que o Espírito Santo. O Pai não deve ser mais adorado do que o Espírito, ou o Espírito mais do que o Filho. Entretanto, há características próprias em cada uma das pessoas da Trindade, as quais não encontramos nas demais. Estamos falando da Paternidade da Filiação e da Processão.

A paternidade é uma característica exclusiva do Pai. Nesse sentido não podemos chamar o Logos de Pai e nem o Espírito de Pai. A paternidade do Pai é diferente da que os homens concebem, por ser eterna. Não houve um tempo em que Deus não fosse Pai. Desde toda a eternidade ele é o Pai do Filho. O Pai se difere do Filho e do Espírito Santo por não ser gerado e nem proceder de ninguém, e por ser o único que gera.

O Filho possui a característica exclusiva de ser gerado. Somente o Filho é filho do Pai. Não houve um tempo em que o Filho não existia (Mq 5.2), ele é eternamente gerado da essência do Pai. A igreja tem historicamente afirmado que a geração do Filho é desde toda a eternidade como um ato atemporal. Se o Pai gerou o Filho em algum momento da história, então, isso significa que ele mudou de essência e que o Filho não é eterno em essência. A geração do Filho não cria uma nova essência na Trindade, pois é a mesma essência que é compartilhada tanto pelo Pai quanto pelo Filho. A Geração é uma comunicação da essência do Pai ao Filho, num ato atemporal, que faz com que tanto o Pai, quanto o Filho tenham vida em si mesmos (Jo 5.26). Em geral, os argumentos mais usados para dizer que Cristo não é eterno são os textos de Colossenses 1.15 e Apocalipse 3.14, que falam respectivamente de Jesus como "primogênito" e o "princípio" da criação de Deus. Dizem os unitários, especialmente as Testemunhas de Jeová, que esses termos colocam Cristo como a primeira criatura de Deus, não sendo portanto, eterna. Em Colossenses 1.15 "primogênito" da criação não pode se referir ao primeiro ser criado, pois subentenderia que Cristo é o primeiro filho da própria Criação e isso não faz sentido. A interpretação mais provável é que Cristo é o herdeiro de toda a Criação de Deus. Do mesmo modo, em Apocalipse 3.14, falar de Cristo como o primeiro por causa da palavra "princípio" não faz justiça ao uso dessa palavra no próprio livro do Apocalipse, pois o próprio Deus é chamado de princípio (Ap 1.8; 21.6; 22.13). Faz muito mais sentido pensar que o texto está falando de Cristo como o mais proeminente de toda a criação, o principal, o mais importante, o chefe (Ver Cl 1.18).

O Pai gera o Filho, o Filho é eternamente "gerado" do Pai, e o Espírito Santo "procede" eternamente do Pai e do Filho. Nas línguas grega e hebraica as palavras "pneuma" e "ruach", que são traduzidas como "espírito", derivam de raízes que significam "soprar, respirar, vento". Daí a ideia do Espírito ser soprado por Deus (Jo 20.22). A doutrina de que o Espírito "procede" do Pai e do Filho levou algum tempo para ser formulada pela igreja, sendo que somente em 589 no Sínodo de Toledo, foi formulada a seguinte declaração de fé: "Cremos no Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho". A base bíblica de que o Espírito procede do Pai e do Filho é João 15.26 e os textos nos quais o Espírito é chamado de Espírito de Cristo ou de Espírito do Filho (Rm 8.9; Gl 4.6; Fp 1.19; 1Pe 1.11).

A Trindade no Trabalho (econômica)

Uma maneira interessante de ver a Trindade é entender a forma como a Trindade age, não em relação a si mesma, mas em relação à criação. Quando falamos em essência, vimos que, embora haja características próprias em cada pessoa da Trindade, não existe qualquer grau de subordinação entre elas. Porém, quando falamos em trabalho (economia) da Trindade, percebemos que há uma ordem como Deus trabalha. Isso nos revela bastante do caráter Trinitário. Jesus fez algumas declarações que, certamente, poderiam nos deixar confusos, se não entendêssemos a diferença de Trindade em essência (ontológica) e Trindade econômica. Já vimos que ele disse ser um com seu Pai, porém, em outros textos, ele afirmou ser submisso ao Pai, como por exemplo, João 6.38: "Porque desci do céu não para fazer a minha própria vontade; e, sim, a vontade daquele que me enviou. E também noutra ocasião ele disse: "O Pai é maior do que eu" (Jo 14.28). Já dissemos que de acordo com a Bíblia, há igualdade absoluta entre as pessoas da Trindade, mas, então, por que Jesus disse que o Pai era maior do que ele? Certamente porque se referia à sua encarnação e à obra que precisava fazer. Ele foi submisso ao Pai nesse sentido e, portanto, inferior em função, mas não em essência. Estamos agora, falando das obras que se realizam, não dentro do ser divino, mas em relação à criação, providência e redenção. Vemos nas Escrituras algumas obras sendo mais atribuídas a uma das pessoas da Trindade do que a outra. Entretanto, devemos tomar o cuidado para não exagerarmos nas distinções, pois de certa forma, a Trindade participa conjuntamente de todas as obras externas.

Não precisamos temer falar de uma subordinação econômica de Filho ao Pai, desde que entendamos que não há nenhuma subordinação de essência. É por isso que Paulo diz: "Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo o homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo" (1Co 11.3). No contexto ele está tratando da diferença que existe entre o homem e a mulher, e da subordinação que a mulher deve ao homem. Ele não está dizendo que a mulher é inferior ao homem, mas que deve ser submissa e guardar as diferenças proporcionais. Da mesma forma, o Pai é o cabeça de Cristo, mas isso não quer dizer que ele é superior, pois a essência é a mesma. A questão está nas funções que são diferentes.

Devemos evitar a formulação simplista de que o Pai é o responsável pela Criação, o Filho pela Redenção, e o Espírito pela Santificação, pois a Trindade participa conjuntamente de tudo isso. A distinção que podemos fazer é a seguinte: Ao Pai pertence mais o ato de planejar, ao Filho o de mediar, e ao Espírito o de agir. Isso pode ser visto no relato da criação. No texto de Gênesis 1.1-3, as três pessoas da Trindade estão agindo. O texto diz: "No princípio criou Deus os céus e a terra" (Gn 1.1). Note que a criação é atribuída a Deus. Entretanto, em seguida veja algumas manifestações diferentes desse Deus: "A terra, porém, era sem forma e vazia, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas" (Gn 1.2). Aí está a Terceira Pessoa, o "Espírito de Deus". A maioria dos comentaristas concorda que o Espírito Santo está numa função de "energizar" a matéria, sendo, portanto, o ponto de contato entre Deus e a matéria. Mas, e onde está o Filho? O Filho é a "palavra" de Deus. Foi João quem chamou Jesus de o "verbo" de Deus (Jo 1.1). Ele é a palavra proferida, o "haja luz", é o instrumento através do qual todas as coisas foram criadas. A Bíblia afirma isso categoricamente: "Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele" (Cl 1.16). Portanto, podemos dizer que na obra da criação, o Pai fala, o Filho é a Palavra falada - Mediador, e o Espírito Santo é o agente direto sobre a matéria. Em termos semelhantes, a Trindade trabalha na Redenção, cada pessoa executando uma tarefa particular. O Texto de 1Pedro 1.2 é claro nesse sentido, pois diz que os crentes são: "Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo". Aqui também o Pai é o idealizador da salvação, pois a ele pertence o ato de escolher os que devem ser salvos. Nesse sentido, o Pai é o autor da eleição. O Filho está novamente na função de Mediador, ele possibilita a obediência a Deus através da aspersão do seu sangue. Já ao Espírito Santo é indicada a tarefa de santificar, ou seja separar para si os eleitos. Então, o Pai elegeu, o Filho salvou e o Espírito aplicou a salvação. Na verdade essa ordem de funções pode ser vista por toda a Escritura: O Pai planejando a salvação (Jo 6.37-38) e escolhendo os eleitos (Ef 1.3-4), o Filho executando o plano de Deus (Jo 17.4; Ef 1.7), e o Espírito Santo confirmando essa obra sobre os crentes (Ef 1.13-14). De fato, como declara Lloyd-Jones, "essa é uma ideia atordoante, ou seja, que estas três bem-aventuradas Pessoas, na bem-aventurada santíssima Trindade, para minha salvação quiseram dividir assim o trabalho".

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3 de ago. de 2016

Stranger Things e a Amizade Cristã

Por Pedro Pamplona

Se existe um valor nítido e marcante na série Stranger Things, esse é a amizade. E uma bela amizade, daquelas bonitas de acompanhar. Daquelas que faz você lembrar dos seus amigos e das coisas que já passaram juntos. Daquelas que nos faz lembrar que a amizade é um dos grandes presentes que Deus nos deu, principalmente (não somente) as amizades cristãs. Fora ser amigo de Deus, poderíamos tranquilamente cantar que "não existe nada melhor do que ter amigos de Deus".

Falando nesse tipo de amizade, creio que alguns conceitos errados podem surgir de vez em quando. O primeiro deles é achar que o fato de termos a Jesus substitui nossas amizades terrenas. O segundo é achar que o cristianismo é contra a ideia de termos melhores amigos (isso não seria exclusivismo?). Nenhuma das duas é verdadeira. Eu poderia citar alguns textos bíblicos, mas para isso aqui não virar um textão ainda maior fiquemos apenas com Jesus. Ele tem um relacionamento perfeito entre o Pai e o Espírito na Trindade e mesmo assim teve amigos na terra. Em segundo lugar, Jesus teve amigos mais próximos, como os 12 apóstolos, e dentro desses teve ainda aqueles melhores amigos, João, Pedro e Tiago. Problema resolvido.

Agora vamos pensar em três características fundamentais de uma amizade cristã. Meu objetivo é diferenciar essa amizade das outras e mostrar porque nossos melhores amigos (não os únicos) devem ser companheiros da fé. Stranger Things nos ajudará com as ilustrações.

1. A amizade cristã é construída em torno de Cristo: Isso significa que nossas amizades tem um propósito especial. Assim como o grupo de amigos em Stranger Things se reúne para salvar o quinto amigo desaparecido, nós temos um propósito em comum. Exaltar a Cristo. Esse é um elemento que não está presente em outros tipos de amizade. John Piper falou sobre isso de uma maneira excepcional: "Cristo sempre pretendeu que o seu relacionamento com Ele fosse o pulsar da sua amizade com outros".[1]

2. A amizade cristã tem um código: Nossa amizade é dirigida por um código de honra. Todas as amizades são, ou de forma implícita ou explícita. Alguns amigos deixam claro as regras de convivência, o que acho muito bacana. Nosso grupo de amigos de Stranger Things também faz isso. Durante uma briga esse código é citado. Aquele que começou a briga deveria estender a mão e se desculpar primeiro. E o mais interessante, aquele que desobedecesse o código seria afastado do grupo. Nós temos um código de honra chamado Bíblia. E é esse código que permite a amizade ser construída para exaltar a Cristo. Portanto, se o código leva a amizade até o seu propósito supremo, temos que concluir que ele é mais importante do que os participantes da amizade. A amizade cristã não pode existir fora do código. E esse é o principal erro que cometemos.

3. A amizade cristã custa caro: Não estamos fazendo amigos apenas em busca de prazer e satisfação própria. Aqueles amigos de Stranger Things colocaram a vida em risco pela amizade. Cristo fez ainda mais quando entregou a si mesmo para a morte pela vida dos seus amigos. Jen Thorn escreveu um pequeno texto sobre os custos da verdadeira amizade[2]. Ele enumerou 6: custará sua conveniência pessoal, seu tempo, sua intimidade, seu conforto, suas orações e seu amor. Tudo isso deverá ser derramado em sacrifício na vida dos seus verdadeiros amigos. Parece lindo na teoria, mas poucos estarão dispostos a gastar tudo isso com você. Identifique-os e retribua.

A imagem que ilustra o post, com os três amigos num único abraço, não foi usada por acaso. A amizade trina e eterna entre o Pai, Filho e Espírito Santo é o grande padrão para nossas amizades. Estude sobre isso!

"Para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós..." (Jo 17:21)

Quero encerrar dizendo que Cristo morreu para reunir um povo, sua igreja. E é nesse povo que encontraremos esse tipo de amizade. O melhor lugar para encontrar e cultivar suas melhores amizades é na sua igreja local. Não existe elo de amizade mais forte do que entre dois ou mais eleitos do Senhor, pois são unidos pelo agir soberano, salvífico e cristológico de Deus através do seu Espírito.

Aos meus grandes amigos.

Soli Deo Gloria!

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