Por Gordon Clark
Pelo gracioso convite de vocês, estou aqui esta manhã para palestrar, como sugerido a mim, sobre o primeiro versículo do Evangelho de João, onde Cristo é chamado de o Logos. Eu publiquei um pequeno livro sobre The Johannine Logos [O Logos Joanino], e se algo nesta breve palestra vos interessar, vocês acharão uma exposição mais completa nesse livro.
Estatísticas podem não ser o tipo mais interessante de introdução, mas não enfada o cérebro nem prejudica o intelecto saber que o Evangelho de João usa o termo Logos quarenta vezes. O que é mais surpreendente, na verdade desconcertante, é que o termo grego logos pode ser traduzido por quarenta palavras diferentes em inglês. O grande léxico de Liddell e Scott tem mais de cinco colunas, cada uma com noventa linhas, com seus vários significados. A palavra word [palavra] dificilmente é a tradução correta. Liddell e Scott dizem explicitamente que logos “raramente significa uma única palavra” (página 1058, coluna 2).
A razão das nossas Bíblias traduzirem logos como word [palavra] é que Jerônimo, um monge do século V, traduziu-a incorretamente como verbum. A Vulgata de Jerônimo, como é chamada, tornou-se a Bíblia oficial da Igreja Católica Romana, e os textos que Jerônimo usou têm se tornado a base das versões liberais contemporâneas. O termo latim Verbum tornou-se Word [Palavra] em inglês, embora eu não saiba o motivo de não ter se tornado verb [verbo], como acontece numa nova versão católica francesa, La Bible de Jerusalem. De qualquer forma, Logos dificilmente significa uma única palavra. Mas ela tem quarenta ou mais significados.
Eu não listei todos os significados, nem lerei minha lista abreviada. Apenas veja-a daí dos seus bancos mesmo:
computação, cálculo, relatos, medidas, soma, total, estima, consideração, valor, reputação, relação, forma, relação, proporção, regra, pretexto, raciocínio, razão, caso (em direito), teoria, argumento, princípio, lei, tese, hipótese, fórmula, definição, debate, reflexão, narrativa, história, discurso, oração, frase, mensagem, tradição, diálogo, oráculo, provérbio, linguagem, sentença e a Sabedoria de Deus.
O interesse particular no Logos como usado no primeiro versículo de João deriva-se de seu pano de fundo filosófico. Heráclito, um filósofo grego de aproximadamente 500 a.C., usou o termo para designar a Suprema Inteligência que governa o universo. Nem Platão nem Aristóteles tinham uma doutrina do Logos, mas os estóicos, a mais vigorosa de todas as escolas de 300 a.C. a 200 a.C., adotaram a visão de Heráclito. Então Filo, um judeu contemporâneo de Cristo, usou a doutrina estóica do Logos para interpretar o Antigo Testamento. Alguns cristãos no terceiro século, e alguns outros no século XIX, pensavam que Filo tinha antecipado a doutrina da Trindade. Isso estava longe da intenção de Filo, embora ninguém possa negar que ele influenciou a igreja primitiva nessa direção.
Em adição aos estóicos gregos e ao judeu Filo, há outra fonte que parece ter influenciado João ainda mais diretamente. Numa data desconhecida, possivelmente no começo do segundo século, um autor desconhecido escreveu um tratado chamado Poimander. Esse se tornou o primeiro de uma série de dezoito que foram reunidos e publicados, talvez no quarto século, sob o nome Hermes Trismegistus. A obra completa era suposta ser uma revelação do deus egípcio Tehuti ou Thoth. Os tratados não são consistentes entre si, e um ou mais deles parece ser uma forma de Cristianismo. Agora, Poimander, pelo qual Reizenstein tentou explicar a doutrina da redenção de Paulo, traz uma semelhança impressionante, ou melhor, uma não-semelhança impressionante, com o Prólogo do Evangelho de João. Poimander diz que o Logos não era no princípio, o Logos não era Deus, nem todas as coisas foram feitas por ele e, portanto, as trevas não puderam compreendê-lo. O contraste é tão definido que dificilmente alguém pode se refrear de concluir que João escreveu seu Prólogo com o expresso propósito de refutar Poimander.
Isso pode parecer conflitar com uma data do segundo século para Poimander. Contudo, duas considerações preservam a possibilidade. Primeiro, os tratados foram escritos em diferentes épocas e reunidos mais tarde. Segundo, mesmo que Poimander não tenha sido escrito antes de 125 a.C., sua religião era mais antiga e poderia ter tido um efeito nocivo sobre a evangelização do primeiro século.
Hoje não estamos muito interessados na religião de Poimander, mas deveríamos estar interessados em Cristo como o Logos, a despeito do fato que mesmo os membros de igrejas conservadores reagem negativamente a isso.
Um relato da Pessoa de Cristo dificilmente poderia começar mais apropriadamente do que com João 1:1. Ecoando a Septuaginta, João usa Gênesis 1:1, “no princípio”. Não somente a divindade é afirmada nessas palavras, mas João repete a idéia no final do versículo: “O Logos era Deus”.
Os Testemunhas de Jeová tentam fugir da força desse versículo. Eles traduzem-no, ou melhor, corrompem a tradução, como “o logos era um deus”. Dessa forma eles adotam o politeísmo. E eles não conhecem as regras de Grego sobre o uso do artigo, e afirmam equivocadamente que não existe nenhum artigo indefinido no Grego. Mas continuemos. Se João começa com a primeira palavra do Antigo Testamento, a segunda palavra do Antigo Testamento aparece no terceiro versículo de João: O Logos criou todas as coisas.
Sem dúvida João não é o único apóstolo que nos diz isso. Em Efésios 3:9 Paulo diz que “Deus criou todas as coisas por meio de Jesus Cristo”. Então em Colossenses 1:16-17 Paulo diz que Cristo criou todas as coisas, e mais explicitamente que Cristo “organizou o universo”. Deveria ler lembrado que ta panta em grego, embora geralmente traduzido como “todas as coisas”, é a descrição regular do universo. Cristo, o Logos, a Divindade Inteligente, organizou o universo.
A doutrina da criação, afirmando que o universo não é um mecanismo eterno, mas uma construção teleológica de Inteligência, precisa de grande ênfase hoje, pois é amplamente negada nas escolas públicas. Equações diferenciais sem propósito têm substituído uma mente onipotente e onisciente. E essa teologia não afeta apenas a questão da física. Suas implicações são ainda mais facilmente vistas em seus efeitos sobre a moralidade, estendendo-se das pequenas às grandes cidades, cópias de Sodoma e Gomorra. Contudo, antes de entrarmos nessas questões derivadas, devemos continuar um pouco com a teologia básica. O motivo é que teologia é algo básico.
Associado com lógica, inteligência e mente está o conceito de sabedoria. Antes de se congratular em 1 Coríntios 2:16, onde Paulo diz que ele tinha a mente de Cristo, ele declarou que “Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus” (1 Coríntios 1:24). Judas 25 reconhece isso ao se referir a Jesus como o “único Deus sábio, Salvador nosso”. Salmo 104:24 conecta sabedoria com criação ao afirmar: “Ó SENHOR, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria”. O assunto é vasto. Uma palestra como essa pode dar apenas umas poucas indicações dele. Por exemplo, Efésios 3:10 fala da “multiforme sabedoria de Deus”. Essa sabedoria é Cristo, pois Paulo tinha acabado de dizer (Efésios 1:8) que na obra redentora de Cristo, Deus “abundou para conosco em toda a sabedoria e prudência”.
Os gnósticos fizeram da sabedoria ou Sophia o éon mais inferior na mente de Deus, e por seu pecado o mundo inferior veio à existência. O Novo Testamento menciona sophia ou sabedoria cinqüenta e uma vezes, mas essa não é a Sophia dos gnósticos. Tiago 1:5 nos admoesta que “se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus… e ser-lhe-á dada”. Oramos freqüentemente por saúde, e isso não é impróprio, mas com que freqüência oramos por conhecimento e sabedoria?
Cristo é a sabedoria de Deus. Todavia, Cristo é algo mais, algo mais básico e fundamental que a própria sabedoria. O Novo Testamento usa a palavra verdade 110 vezes, das quais 25 ocorrem no Evangelho de João. Os eruditos Existencialistas ou Neo-ortodoxos, tais como Barth e Brunner, e os totalmente não-eruditos Pentecostais, unem-se no compartilhamento de emoção e experiência extática. Mas em nenhum lugar Cristo diz, “Eu sou a emoção”. Muitos bons cristãos, na verdade todos os bons cristãos, dizem que Deus é amor; e ele realmente é. Mas se isso não fosse verdade, ele não seria amor. A verdade é básica! Ouçam ao que o apóstolo disse.
João 1:14: “A Palavra [Logos] era… cheia de graça e de verdade”. Três versículos abaixo, “a graça e a verdade vierem por Jesus Cristo”. O terceiro capítulo de João, cujo 16º versículo é tão bem conhecido, nos versículos 20-21 ensina que a moralidade depende da verdade. Em sua profunda conversa teológica com a mulher samaritana, que tinha tido cinco maridos e estava vivendo com um homem que não era o seu marido, Cristo insistiu que uma pessoa deve adorar a Deus em espírito e em verdade. Para alguns judeus crentes Jesus prometeu “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (8:32). Mais tarde no mesmo capítulo, negativamente, Jesus denuncia o diabo porque não há verdade nele (8:44). Os dois próximos versículos continuam a ênfase. Então há o bem-conhecido versículo: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida” (14:6); e alguém pode comentar que se não é verdade que Cristo é o caminho, não haveria nenhuma necessidade de falar dessa forma. O Espírito Santo, algumas vezes chamado o Espírito de Cristo, é três vezes chamado o Espírito de verdade (João 14:17, 15:26, e 16:13) em versículos que envolvem diretamente a doutrina da Trindade. Cristo também diz que ele mesmo é santificado por meio da verdade, assim como nós somos santificados por meio da verdade (17:17, 19). Se qualquer cristão deseja crescer em santidade, ele deve aprender mais a verdade. Os versículos citados são em sua maioria versículos de João que identificam Cristo como a Verdade. Qualquer um interessado pode pesquisar o restante dos 110 versículos no Novo Testamento e meditar sobre a verdade deles.
Ninguém deveria ficar surpreso que o Logos – a Lógica, a Razão, a Sabedoria, a Mensagem, a Linguagem, a Reflexão de Deus – é a verdade. O que é surpreendente e deprimente é o fato que as igrejas chamadas evangélicas têm eliminado quase totalmente o intelectualismo do seu pensamento. Se não se tornaram Pentecostais estáticos, falando algaravias carismáticas, e se não se tornaram Existencialistas, que acham pouca ou nenhuma verdade na Bíblia, eles repudiam a teologia em favor de uma mente confortavelmente branca. Permita-me perguntar-lhe: Quando você ouviu um sermão sobre a Trindade pela última vez? Lembro-me de uma vez em 1924 por Clarence Edward Macartney, e outra realmente excelente por um sacerdote católico-grego em 1979. Mas mesmo referências à Trindade, para não dizer sermões completos, têm sido poucas em número. Referências a Cristo são freqüentes, mas geralmente sem sentido. Muitas vezes evangelistas têm enfatizado “um relacionamento pessoal com Cristo”. Isso não faz nenhum sentido. Mesmo Satanás tem um relacionamento pessoal com Cristo. Ele odeia a Cristo; e odeia de uma forma muito pessoal. O que as pessoas precisam é de uma declaração do relacionamento pessoal apropriado com Cristo, e que depende de quem Cristo é. Alguém pode se simpatizar com pessoas humildes de baixo QI, que não podem entender. Mas não podemos senão censurar pessoas de alta inteligência que recusam entender.
Uns poucos parágrafos atrás fiz menção da moralidade. Deixe-me perguntar: Por que tantas mulheres assassinam seus próprios bebês, ou pelo menos pagam um assassino de aluguel para matar ou quase matar o filho e jogar seu corpo triturado numa lata de lixo? Por que a megera cruel mata o seu próprio filho? Poucas pessoas dão a resposta básica. Ela mata o seu filho porque rejeita a doutrina da Trindade. Os Dez Mandamentos proíbem o crime de assassinato. Mas porque alguém deveria prestar atenção aos Dez Mandamentos? A resposta a esse por que é encontrada na introdução: “Eu sou o Senhor teu Deus”. Se essa declaração não é verdade, então o aborto, o abuso infantil, tortura, uso de drogas, roubo e tudo o mais são questões de preferência pessoal apenas. A questão básica não é o que é certo ou errado, embora essa questão tenha um status derivado. Mas a questão básica é: O que é a verdade?
Por uns bons 1500 anos teólogos cristãos descreveram a natureza humana como intelectual e volitiva. Jonathan Edwards, por exemplo, escreveu “Deus dotou a alma com duas principais faculdades: a primeira, aquela pela qual somos capazes de percepção e especulação, ou pela qual discernimos e julgamos as coisas, é chamada de entendimento. A outra, aquela pela qual a alma é de certa forma inclinada com respeito às coisas que vê e considera; a faculdade pela qual a alma contempla as coisas… quer gostando, não gostando… aprovando ou rejeitando. Essa faculdade é chamada… inclinação,vontade… mente… frequentemente chamada coração.”
Os Luteranos também, pelo menos aqueles que, como o Sínodo de Missouri, têm preservado esta doutrina, prestam pouca ou nenhuma atenção às emoções. Mesmo neste século decadente seu notável teólogo, Pieper, em seu livro Christian Dogmatics (páginas 519), bem brevemente, mas duas vezes, declara a posição Luterana que a imagem de Deus no homem consiste de intelecto e vontade. Não há menção das emoções. Essa ênfase sobre a vontade quase desapareceu totalmente do que agora se passa como pregação cristã. O Freudianismo substituiu-a com as emoções. A maioria dos esquentadores-de-banco não percebe que essa ênfase é um desenvolvimento bem moderno. Se alguém voltar aos teólogos de Westminster, a Calvino, ou mesmo Aquino, e especialmente a Agostinho, descobrirá que a natureza humana é regularmente dividida em intelecto e vontade. O ponto é importante porque a fé em Cristo não é uma emoção, mas uma volição. Uma pessoa não sente por Cristo, mas decide-se por Cristo. A Escritura diz e Jesus mesmo disse: “Se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis” (Lucas 13:3). Observe mui cuidadosamente que arrependimento é uma mudança de mente. Sua raiz é a palavra noeo, “pensar”. O substantivo nous é o intelecto. E fé, pela qual uma pessoa é justificada, é uma crença, um assentimento voluntário a uma proposição entendida.
Pedindo o vosso perdão, e com uma pitada de modéstia, posso fazer a observação que a The Trinity Foundation completou a publicação do meu livro The Biblical Doctrine of Man.
Mas hoje, em contraste com o Cristianismo do passado, o emocionalismo Freudiano substituiu o intelectualismo, e a volição parece ter sido totalmente esquecida. Finney reduziu o evangelismo a uma lavagem cerebral psicológica. Um grupo evangelístico contemporâneo, mas não eclesiástico, se orgulha de poder converter quase qualquer pessoa em 20 minutos. Eles precisaram de 35 minutos na Inglaterra. Essa não era a atitude de Jonathan Edwards, de Whitefield, de Calvino, de Lutero, nem de Agostinho e Atanásio. Esses homens enfatizavam a verdade e urgiam que as pessoas cressem na verdade. Fé não é emoção. Fé é entendimento intelectual com assentimento volitivo.
Permita-me repetir e enfatizar que o Logos era cheio de graça e verdade. Ele disse, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Cristo foi santificado, e se somos também, somos santificados pela verdade.
Ó Deus da verdade, cuja Palavra viva
sustenta tudo o que respira,
olha para a tua criação, Senhor,
escravizada pelo pecado e morte.
Que o teu padrão seja estabelecido, Senhor, a fim de que nós
que alegamos um nascimento celestial,
possamos marchar contigo para destruir as mentiras
que atormentam a Terra que geme.
Então Deus da verdade, por quem anelamos,
tu que ouves nossa oração,
faça a tua batalha em nossos corações
E dizime a falsidade ali.
_______________________________
Nota: O dr. Gordon Clark deu essa palestra intitulada “O Logos” aos professores da Chattanooga Christian School, em Chattanooga, Tennessee, em 1984, o mesmo ano em que o seu livroThe Biblical Doctrine of Man foi publicado.
Fonte: http://www.trinityfoundation.org
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto