Por John Owen
A
nossa união com Cristo é tão real que, na visão de Deus, é como se nós
tivéssemos sofrido o que Cristo sofreu, sofrido para redimir a Igreja. Ele agiu
gloriosamente quando levou "... em seu corpo os nossos pecados sobre o
madeiro" e "... padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos
injustos, para levar-nos a Deus" (I Pedro 2:24; 3:18). O propósito do
nosso santo e justo Deus foi o de salvar a Igreja, mas o pecado dos Seus
remidos não podia ficar impune. Foi necessário, então, que a punição para
aquele pecado fosse transferida daqueles que a mereciam, mas não podiam
suportá-Ia para Aquele que não a merecia, porém poderia suportá-Ia. Este é o
fundamento da fé cristã e toda a revelação divina contida nas Escrituras. Vamos
examinar ainda mais um pouco essa verdade e considerar como ela está cheia da
glória de Cristo.
1.
Não é contrário à justiça divina que alguns sofram punição pelos pecados de
outros. Confirmarei esta afirmação, por hora, apenas ao dizer que Deus, que não
faz nada errado, sempre agiu assim. Quando Davi pecou, setenta mil homens foram
destruídos por um anjo, e então Davi disse ao Senhor: "Eis que eu sou o
que pequei, e eu o que iniquamente obrei; porém estas ovelhas o que fizeram?
Sejam pois a tua mão contra mim e contra a casa de meu pai" (2 Samuel
24:17). Quando o povo de Judá foi levado cativo, Deus o puniu pelos pecados de
seus antepassados, especialmente aqueles pecados cometidos nos dias de Manassés
(2 Reis 23:26-27). E, finalmente, ao destruir a nação judaica, Deus a puniu
pelo derramamento do sangue de todos os profetas desde o começo do mundo (Lucas
11:50-51).
2.
Há sempre uma ligação especial entre aqueles que pecam e aqueles que são
punidos. Por exemplo, há uma relação entre pais e filhos, entre reis e seus
súditos. Há também a ideia de compartilhar a punição. Foi dito aos filhos de
Israel: "E vossos filhos (como errantes) pastorearão neste deserto
quarenta anos, e levarão sobre si as vossas infidelidades, até que os vossos
cadáveres se consumam neste deserto" (Números 14:33). A punição devido
aos seus pecados foi transferida para os filhos, mas parte da sua própria
punição foi exatamente o conhecimento do que haveria de acontecer aos seus
filhos.
3.
Há uma união maior e um relacionamento mais íntimo entre Cristo e a Igreja do
que existem em qualquer outro vínculo no mundo. Isso pode ser visto de três
formas:
a.
Há um elo natural de ligação entre Cristo e Sua Igreja. Deus fez todas as
pessoas de um sangue (Atos 17:26). Cada um é irmão e vizinho do outro (Lucas
10:36). Essa mesma relação existe entre Cristo e a Igreja. "E visto
como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das
mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte,
isto é, o diabo" (Hebreus 2:14). Há, entretanto, em dois aspectos, uma
diferença entre a união de Cristo com a Igreja e a irmandade comum entre os
homens. Primeiro, Ele tomou a nossa natureza sobre Si por um ato voluntário de
Sua vontade, mas nós não tivemos escolha quanto ao nosso relacionamento um com
o outro pelo nascimento. Segundo, Ele entrou nessa união por apenas um
propósito, ou seja, que em nossa natureza Ele pudesse redimir a Igreja
"... para que, pela morte aniquilasse o que tinha o império da
morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por
toda a vida sujeitos à servidão" (Hebreus 2:14- 15).
b.
Há uma união moral e espiritual entre Cristo e a Igreja. Isto é como o
relacionamento existente entre a cabeça e os membros do corpo, ou entre a vinha
e seus ramos (Efésios 1:22-23; João 15:1-2). É também como o elo de ligação
entre maridos e esposas. "Vós, maridos, amai vossas mulheres, como
também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela"
(Efésios 5:25). Como Ele era o cabeça e marido da Igreja (que só poderia ser
salva e tornada santa pelo Seu sangue e Seus sofrimentos), foi apropriado,
então, que Ele assim sofresse, e era correto que os benefícios dos Seus
sofrimentos fossem legados àqueles pelos quais Ele sofreu.
Uma
objeção pode ser levantada em razão de que “... Cristo morreu por nós,
sendo nós ainda pecadores", ou seja, não havia união entre Ele e a
Igreja naquele tempo (Romanos 5:8). Diz-se que somos unidos a Cristo pela fé.
Portanto, antes da nossa regeneração não estávamos unidos a Ele. Como, então,
Ele poderia justamente sofrer a nosso favor? Respondo que era o propósito de
Deus, antes dos sofrimentos de Cristo, que a Igreja (composta dos eleitos)
pudesse ser a Sua esposa, para que Ele pudesse amá-Ia e sofrer por ela. Jacó
amou a Raquel antes que ela se tornasse a sua esposa. Ele "... serviu
por uma mulher, e por uma mulher guardou o gado" (Oseias 12:12).
Raquel é chamada a esposa de Jacó por causa do seu amor para com ela e porque
estava destinada a ser sua noiva antes que a tivesse desposado. Assim Deus, o
Pai, deu todos os eleitos para Cristo, confiando-os a Ele, para serem salvos e
santificados. Cristo mesmo diz ao Pai: "Manifestei o teu nome aos
homens que do mundo me deste: eram teus, e tu mos deste, e guardaram atua
palavra. Eu rogo por eles: não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste,
porque são teus" (João 17:6,9).
c.
A terceira maneira pela qual Cristo está unido à Sua Igreja é mediante a nova
aliança da qual Ele é a garantia e o penhor. "De tanto melhor concerto
Jesus foi feito fiador" (Hebreus 7:22). Aqui está o âmago do mistério
da forma sábia de Deus salvar a Igreja. A transferência dos pecados dos
pecadores para Cristo, que é de toda maneira inocente, puro e reto em Si mesmo,
é a vida e a alma de todo o ensinamento das Escrituras, O que Cristo fez por
nós O torna glorioso para nós!
Vamos
considerar a justiça de Deus ao perdoar os nossos pecados. Todos os eleitos de
Deus são pecadores. Como pode Deus ser justo, então, se Ele os deixa sem
punição, vendo que não poupou os anjos que pecaram, nem Adão quando ele pecou
no princípio? A resposta está na união entre Cristo e a Igreja. Desde que
Cristo representa a Igreja na presença de Deus, Deus justamente O pune por
todos os pecados dela para que todos os seus membros estejam libertos e
perdoados graciosamente. (Romanos 3:14-26). Na cruz, a santidade e justiça de
Deus encontraram-se com a Sua graça e perdão. Esta é a glória que dá prazer aos
corações e satisfaz as almas de todos os que creem. Quão maravilhoso é para
eles verem Deus Se regozijando na Sua justiça e, ao mesmo tempo, manifestando
misericórdia ao dar-lhes salvação eterna! No gozo desta gloriosa verdade,
deixem-me viver, e nesta fé deixem-me morrer.
Cristo
é glorioso, também, pela obediência à lei que Ele perfeitamente cumpriu. Era
absolutamente necessário que a lei fosse cumprida e isto nunca poderia ser
feito por nós. Através da união de Cristo com a Igreja, entretanto, a lei foi
cumprida por nós. "Porquanto, o que era impossível à lei, visto como
estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do
pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da lei se
cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o espírito"
(Romanos 8:3-4).
Um
entendimento pela fé desta glória de Cristo dispersará todos os temores e
removerá todas as dúvidas de nossas pobres almas tentadas. Tal conhecimento
será uma âncora que os firmará bem seguros em todas as tempestades e provações
da vida, como também na morte.
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Extraído
do livro A Glória de Cristo, John Owen, Editora PES, pp.40-44.