Por Leandro Lima
Dentro
da Trindade existe absoluta igualdade de essência, logo, não existe qualquer
grau de subordinação, nem mesmo de honra. O Pai não é maior em essência do que
o Filho e nem o Filho maior do que o Espírito Santo. O Pai não deve ser mais
adorado do que o Espírito, ou o Espírito mais do que o Filho. Entretanto, há
características próprias em cada uma das pessoas da Trindade, as quais não
encontramos nas demais. Estamos falando da Paternidade da Filiação e da
Processão.
A
paternidade é uma característica exclusiva do Pai. Nesse sentido não podemos
chamar o Logos de Pai e nem o Espírito de Pai. A paternidade do Pai é diferente
da que os homens concebem, por ser eterna. Não houve um tempo em que Deus não
fosse Pai. Desde toda a eternidade ele é o Pai do Filho. O Pai se difere do
Filho e do Espírito Santo por não ser gerado e nem proceder de ninguém, e por
ser o único que gera.
O
Filho possui a característica exclusiva de ser gerado. Somente o Filho é filho
do Pai. Não houve um tempo em que o Filho não existia (Mq 5.2), ele é
eternamente gerado da essência do Pai. A igreja tem historicamente afirmado que
a geração do Filho é desde toda a eternidade como um ato atemporal. Se o Pai
gerou o Filho em algum momento da história, então, isso significa que ele mudou
de essência e que o Filho não é eterno em essência. A geração do Filho não cria
uma nova essência na Trindade, pois é a mesma essência que é compartilhada
tanto pelo Pai quanto pelo Filho. A Geração é uma comunicação da essência do
Pai ao Filho, num ato atemporal, que faz com que tanto o Pai, quanto o Filho tenham
vida em si mesmos (Jo 5.26). Em geral, os argumentos mais usados para dizer que
Cristo não é eterno são os textos de Colossenses 1.15 e Apocalipse 3.14, que
falam respectivamente de Jesus como "primogênito" e o
"princípio" da criação de Deus. Dizem os unitários, especialmente as
Testemunhas de Jeová, que esses termos colocam Cristo como a primeira criatura
de Deus, não sendo portanto, eterna. Em Colossenses 1.15
"primogênito" da criação não pode se referir ao primeiro ser criado,
pois subentenderia que Cristo é o primeiro filho da própria Criação e isso não
faz sentido. A interpretação mais provável é que Cristo é o herdeiro de toda a
Criação de Deus. Do mesmo modo, em Apocalipse 3.14, falar de Cristo como o
primeiro por causa da palavra "princípio" não faz justiça ao uso
dessa palavra no próprio livro do Apocalipse, pois o próprio Deus é chamado de
princípio (Ap 1.8; 21.6; 22.13). Faz muito mais sentido pensar que o texto está
falando de Cristo como o mais proeminente de toda a criação, o principal, o mais
importante, o chefe (Ver Cl 1.18).
O
Pai gera o Filho, o Filho é eternamente "gerado" do Pai, e o Espírito
Santo "procede" eternamente do Pai e do Filho. Nas línguas grega e
hebraica as palavras "pneuma" e "ruach", que são traduzidas
como "espírito", derivam de raízes que significam "soprar,
respirar, vento". Daí a ideia do Espírito ser soprado por Deus (Jo 20.22).
A doutrina de que o Espírito "procede" do Pai e do Filho levou algum
tempo para ser formulada pela igreja, sendo que somente em 589 no Sínodo de
Toledo, foi formulada a seguinte declaração de fé: "Cremos no Espírito
Santo, que procede do Pai e do Filho". A base bíblica de que o Espírito
procede do Pai e do Filho é João 15.26 e os textos nos quais o Espírito é
chamado de Espírito de Cristo ou de Espírito do Filho (Rm 8.9; Gl 4.6; Fp 1.19;
1Pe 1.11).
A Trindade no Trabalho (econômica)
Uma
maneira interessante de ver a Trindade é entender a forma como a Trindade age,
não em relação a si mesma, mas em relação à criação. Quando falamos em
essência, vimos que, embora haja características próprias em cada pessoa da
Trindade, não existe qualquer grau de subordinação entre elas. Porém, quando
falamos em trabalho (economia) da Trindade, percebemos que há uma ordem como
Deus trabalha. Isso nos revela bastante do caráter Trinitário. Jesus fez
algumas declarações que, certamente, poderiam nos deixar confusos, se não
entendêssemos a diferença de Trindade em essência (ontológica) e Trindade
econômica. Já vimos que ele disse ser um com seu Pai, porém, em outros textos,
ele afirmou ser submisso ao Pai, como por exemplo, João 6.38: "Porque
desci do céu não para fazer a minha própria vontade; e, sim, a vontade daquele
que me enviou. E também noutra ocasião ele disse: "O Pai é maior do que
eu" (Jo 14.28). Já dissemos que de acordo com a Bíblia, há igualdade
absoluta entre as pessoas da Trindade, mas, então, por que Jesus disse que o
Pai era maior do que ele? Certamente porque se referia à sua encarnação e à
obra que precisava fazer. Ele foi submisso ao Pai nesse sentido e, portanto,
inferior em função, mas não em essência. Estamos agora, falando das obras que
se realizam, não dentro do ser divino, mas em relação à criação, providência e
redenção. Vemos nas Escrituras algumas obras sendo mais atribuídas a uma das
pessoas da Trindade do que a outra. Entretanto, devemos tomar o cuidado para
não exagerarmos nas distinções, pois de certa forma, a Trindade participa
conjuntamente de todas as obras externas.
Não
precisamos temer falar de uma subordinação econômica de Filho ao Pai, desde que
entendamos que não há nenhuma subordinação de essência. É por isso que Paulo
diz: "Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo o homem,
e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo" (1Co 11.3). No
contexto ele está tratando da diferença que existe entre o homem e a mulher, e
da subordinação que a mulher deve ao homem. Ele não está dizendo que a mulher é
inferior ao homem, mas que deve ser submissa e guardar as diferenças
proporcionais. Da mesma forma, o Pai é o cabeça de Cristo, mas isso não quer
dizer que ele é superior, pois a essência é a mesma. A questão está nas funções
que são diferentes.
Devemos
evitar a formulação simplista de que o Pai é o responsável pela Criação, o
Filho pela Redenção, e o Espírito pela Santificação, pois a Trindade participa
conjuntamente de tudo isso. A distinção que podemos fazer é a seguinte: Ao Pai
pertence mais o ato de planejar, ao Filho o de mediar, e ao Espírito o de agir.
Isso pode ser visto no relato da criação. No texto de Gênesis 1.1-3, as três
pessoas da Trindade estão agindo. O texto diz: "No princípio criou Deus os
céus e a terra" (Gn 1.1). Note que a criação é atribuída a Deus.
Entretanto, em seguida veja algumas manifestações diferentes desse Deus:
"A terra, porém, era sem forma e vazia, e o Espírito de Deus pairava sobre
as águas" (Gn 1.2). Aí está a Terceira Pessoa, o "Espírito de
Deus". A maioria dos comentaristas concorda que o Espírito Santo está numa
função de "energizar" a matéria, sendo, portanto, o ponto de contato entre
Deus e a matéria. Mas, e onde está o Filho? O Filho é a "palavra" de
Deus. Foi João quem chamou Jesus de o "verbo" de Deus (Jo 1.1). Ele é
a palavra proferida, o "haja luz", é o instrumento através do qual
todas as coisas foram criadas. A Bíblia afirma isso categoricamente:
"Pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as
visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados,
quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele" (Cl 1.16). Portanto,
podemos dizer que na obra da criação, o Pai fala, o Filho é a Palavra falada -
Mediador, e o Espírito Santo é o agente direto sobre a matéria. Em termos
semelhantes, a Trindade trabalha na Redenção, cada pessoa executando uma tarefa
particular. O Texto de 1Pedro 1.2 é claro nesse sentido, pois diz que os
crentes são: "Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação
do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo".
Aqui também o Pai é o idealizador da salvação, pois a ele pertence o ato de
escolher os que devem ser salvos. Nesse sentido, o Pai é o autor da eleição. O
Filho está novamente na função de Mediador, ele possibilita a obediência a Deus
através da aspersão do seu sangue. Já ao Espírito Santo é indicada a tarefa de
santificar, ou seja separar para si os eleitos. Então, o Pai elegeu, o Filho
salvou e o Espírito aplicou a salvação. Na verdade essa ordem de funções pode
ser vista por toda a Escritura: O Pai planejando a salvação (Jo 6.37-38) e
escolhendo os eleitos (Ef 1.3-4), o Filho executando o plano de Deus (Jo 17.4;
Ef 1.7), e o Espírito Santo confirmando essa obra sobre os crentes (Ef
1.13-14). De fato, como declara Lloyd-Jones, "essa é uma ideia atordoante,
ou seja, que estas três bem-aventuradas Pessoas, na bem-aventurada santíssima
Trindade, para minha salvação quiseram dividir assim o trabalho".
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Fonte: Pensamentos Reformados