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25 de jan. de 2017

Aconselhamento cristão versus psicologia?

Por Wadislau Martins Gomes

Já passa do limite. Do jeito que a coisa vai, muitos psicólogos e conselheiros precisarão de ajuda para resolver problemas de ira e de maledicência. Digo isso entre jocoso e sério. A parte séria, pelo menos, merece uma resposta satisfatória. Mas como satisfazer ambos os lados? A única maneira que vejo, será por meio de romper a barreira e permitir uma boa conversa que provavelmente não convencerá quem não quiser entender, mas que esclarecerá qual seja o limite.

Primeiro, consideremos a relação entre a Bíblia e a psicologia. Explicando aos meus alunos, costumo perguntar: Entre a Bíblia e um livro de psicologia, qual você escolheria? A resposta dos cristãos, na maioria das vezes, é: A Bíblia, lógico! Por mais piedosas que pareçam, qualquer das escolhas é inadequada, Quem diz preferir a psicologia, terá exaltado o livro à altura da Bíblia; quem preferir a Bíblia terá rebaixado a Palavra de Deus à altura da psicologia. Isso é por que os dois são elementos de diferentes categorias. A psicologia é o estudo observacional do homem e a Bíblia é a revelação do criador sobre o conhecimento dele mesmo e da criatura, em uma relação essencial. A Bíblia foi dada ao homem para, entre outros usos decorrentes, ser o critério para interpretação da vontade de Deus, do homem e do mundo – incluindo o livro de psicologia. Não é fato que existem diversos tipos de aconselhamento (vocacional, profissional, legal, médico etc.)? Não existe a expressão aconselhamento psicológico? Poderíamos dizer aconselhamento, aconselhar ou psicologia psicológica? Isso mostra que são termos diferentes.

Segundo, consideremos as psicologias. Estranho o uso do plural? Mas é isso mesmo. Cada teoria de psicologia expõe e defende interpretação e processo diferentes e, à vezes, antagônicos. Ora, há uma razão para isso. Deixe-me ilustrar. Imagine uma estrada plana e reta em que, onde a vista alcança, você enxerga algo como uma metade de uma esfera. Um besouro? Uma quenga (meia casca de coco)? Um capacete de soldado? Aproximando-se o objeto, você advinha mais. Uma tartaruga? Um tatu galinha? De repente, você percebe: é um fusca! Bem próximo, a satisfação do conhecimento enche os olhos. Mais perto, um metro, é uma raridade, sem amassado e com a cor original. Quase junto, dois centímetros, e tudo que você vê, agora, é o brilho de um pedaço bem pequeno de cor e luz, impossível de descobrir a natureza. Se existisse elefante polido e pintado, poderia ser um deles. Imagine, então, que diferentes observadores estejam olhando para estradas diferentes, tentando elaborar teorias sobre a natureza de objetos parecidos que se movem na direção deles? Certamente teríamos tantas teorias quantos fossem os observadores. Assim, temos tantas psicologias quantos são os estudiosos dos movimentos internos e externos dos homens. Isso é mau? Não por isso. O Dr. J. Adams, pioneiro da reabilitação do aconselhamento bíblico disse, em What About Nouthetic Counseling (Grand Rapids: Baker, 1976, p. 31), que ele mesmo tirou proveito de estudos psicológicos sobre o sono, e que não vê com maus olhos a psicologia observacional (método científico honestamente aplicado). Ele rejeita, sim, o uso impróprio de abstrações das psicologias como métodos de redenção do ser humano.

Essa perspectiva nos leva a uma terceira consideração: o que é que a Bíblia diz sobre aconselhamento e psicologia? Em 1Coríntios 2.9-16, o apóstolo Paulo disse que nem olhos viram nem ouvidos ouviram, nem o coração humano pode entender o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Isso, ele disse sobre o conhecimento do homem pelo próprio homem, tanto do incrédulo quanto do crente, dando como referência o conhecimento do Criador. Os crentes, ele continua, recebem revelação do espírito que a tudo perscruta – as profundezas de Deus e do homem. O método desse conhecimento é, portanto, espiritual e não natural. Aqui, Paulo estabelece a distinção feita acima: o espiritual não é paralelo ao natural nem somente uma questão de divisão interna do homem. Na verdade, espiritual e natural são conceitos que pertencem a categorias diferentes. Além disso, o espiritual é uma totalidade abrangente que compreende e deveria reger o natural. Hoje, tal como os observadores das estradas, vemos algo com forma de homem, mas não entendemos sua natureza nem sua condição. Se o Espírito não no-lo revelar, concluiremos qualquer coisa.

O fato é que o Espírito nos revela, na Palavra, que o homem foi criado bom, que presentemente se encontra decaído por causa do pecado, e que ele é passível de redenção. Ocorre que o homem decaído não entende nem discerne as coisas espirituais. Paulo disse que o homem espiritual escrutina todas as coisas e ele mesmo não é escrutinado por ninguém; o homem natural, por sua vez, não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. A palavra grega traduzida como natural, nesse texto, é psuchikos (psíquico). Você vê outra interpretação senão que o aspecto interior do homem sem Deus, a psique, é o objeto de estudo das psicologias? Não estou esbordoando os psicólogos, mas apenas, dizendo que a consideração do homem somente sob o critério psicológico é considerá-lo fora de sua natureza, descartando sua condição e sem possibilidade de tratar seu verdadeiro problema. Tudo o que as psicologias podem fazer, é tentar adivinhar. Muitas vezes, o gênio que Deus concedeu a todos, crentes e incrédulos, não pode evitar o reconhecimento de coisas verdadeiras no homem e no mundo. Contudo, se falha em considerar a Deus e sua revelação quanto ao homem e ao mundo, ele fica como quem imagina diferentes coisas a diferentes distâncias.

Nem toda a sabedoria deste mundo poderá entender a totalidade do que Deus tem para os seus. Nenhuma psicologia poderá resgatar o homem de seu problema básico. Só Deus, em Cristo, é Redentor e Senhor da humanidade. É certo que, uma vez conhecido o fusca, alguém poderá lavá-lo, consertar suas partes e dirigi-lo, mas jamais poderá lhe conceder vida, mente, vontade e sentimentos. Lembre-se do que Paulo também disse: Ninguém, senão Deus, no Espírito, poderá assegurar a salvação; ninguém, senão Deus Trino poderá assegurar o anseio último da alma, isto é, um senso de dignidade, pertencimento, uma imaginação interpretativa acurada e criativa, nem uma operação interior e exterior que reflita a razão de sua própria criação. Fomos criados para habitar em Deus, para pensar seus pensamentos e para atuar em verdade e amor sobre as obras de Deus.

Você percebe, então, que não se trata de uma rivalidade entre aconselhamento bíblico e psicologia secular? Como Paulo disse em outro lugar, nossa luta não é contra o sangue e a carne (Efésios 6.12). Deverá haver uma psicologia bíblica – biblicamente teológica antropológica e soteriológica, – que não seja uma visão reduzida do homem de maneira secularmente antropológica, sociológica ou fisiológica. Antes ela deve vir de Deus, ser revelada na Bíblia e ser testemunhada ao coração pelo Espírito Santo. O aconselhamento cristão pretende ter essa noção, mas não está limitado ao homem interior ou exterior. Ele trabalha em todos os limites que Deus preparou e

...manifestou aos seus santos aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, isto é, Cristo em vós, a esperança da glória; o qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo... (Colossenses 1.26b-28).

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Via: Coram Deo

3 comentários:

Unknown disse...

Há coisas adequadas, mas poucas. No geral, talvez seja a maior bobagem que já li sobre o assunto. E olhe que sou presbiteriano como o autor. O fundamentalismo radical deste movimento é quase que uma expressão de ciúmes. Ora, não há por parte dos psicólogos, psicanalistas e terapeutas essa rixa toda. É verdade que há muita coisa anti-bíblica nesse campo. É fato que muitos teóricos são flagrante anti-cristãos, mas muitas críticas são verdadeiras. Ou não há absurdos no nosso meio e na nossa história? A teologia por acaso é única ou há teologias? Condenar à morte por afogamento cristãos por causa da forma do batismo, e, por afogamento é cruel. A polícia do costume de Genebra? Enfim, erros há em todos os lugares. Excetuando-se a Palavra de Deus, todo o resto é passível de crítica e correção.

Jônatas Abdias de Macedo disse...

Dr. Gomes é uma sumidade no assunto, mas ainda assim se diga escrever pastoralmente, desenhando conceitos complexos com linha simples e singelas.
O comentário anterior, infelizmente, só prova que pertencer à mesma estrutura denominacionalismo não é o equivalente à pertencer à mesma estrutura paradigmática. E assim, a verdade se esvai por entre os dedos, e tesouros valiosos são perdidos pelo meio do caminho...

Antonio T. Pereira disse...

O que o senhor acha de ter um diagnóstico, por mais de um médico, de TAB e ser orientado pelo seu pastor a parar com a medicação, e que o aconselhamento seria a melhor solução para o problema que eu estava enfrentando? A pessoa está fazendo um mestrado no Mack, e aí faz um relato do caso para seu professor sem sequer conversar de forma profunda, e já acham a solução para resolver o problema?! Dizer que não acredita no diagnóstico médico porque não há um exame de sangue capaz de dizer com certeza se a doença é real ou não. E o seu pastor dizer pra sua esposa, que é estudante de psicologia, que ela não pode, digamos, atuar com sua formação para o público cristão porque o cristão tem a figura do pastor? E vê uma adolescente padecer emocionalmente e ser proibida de procurar ajuda? Fora outras tantas coisas que ouvi, e não somente deste pastor, mas de outros. Uma igreja famosa dos EUA quase foi punida judicialmente por omissão em um caso clássico de como o fundamentalismo pode prejudicar alguém.

Eu posso condenar ou julgar todo o movimento de aconselhamento pelo que as pessoas próximas a mim entenderam? Não! Mas, há coisas extremamente complicadas - e em ambos os lados. Não sou tão estudioso do assunto, mas tento manter um equilíbrio. Entretanto, muitas vezes parece que, como disse o senhor, "tesouros são perdidos pelo meio do caminho" quando se esquecem de que "toda verdade é uma verdade de Deus" e da "graça comum" que faz com que ímpios produzam algo bom.

A IPB não é um corpo totalmente fechado onde todos entendem as mesmas coisas igualmente sobre tudo. Há símbolos de fé, e ali estão expressas nossas doutrinas centrais - se eu não entendi errado. Ora, se eu discordasse, por exemplo, da CFW, daí sim, sua fala teria sentido. Ou, eu só seria presbiteriano se aceitasse, como profissão de fé evangélica aquilo que o rev. Wadislau escreveu?

Se lhe ofendi, meu irmão, perdoe-me. Não é e nunca será meu objetivo macular a imagem de ninguém.

Um forte abraço, em Cristo.

Antonio T. Pereira.