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13 de jan. de 2017

O Cristão e a fruição do Belo

Por Thiago Oliveira

No finzinho de 2016, a cantora Clarice Falcão lançou o clipe da música “Eu Escolhi Você”. Tratava-se de um vídeo-close nos órgãos genitais de homens e mulheres, portando neles alguns adereços baratos. O clipe foi removido do You Tube por conta da nudez explícita, e causou certo burburinho. Clarice, que até compõe com boa dose de perspicácia, disse (via rede social) que se não fosse para causar, seria melhor não lançar nada. Mas daí surge a indagação: A arte do artista se resume em “causar”? E que tipo de “causar” seria esse? Para lançar algo que “causa” não se leva em conta o belo? Pois, o tipo de arte que se advoga em nosso meio, onde a estética é trocada por panfletagem é, como diria Rookmaaker, a prostituição do conteúdo artístico. Até sei que mesmo a nudez foi retratada por pintores e escultores ao longo dos séculos, todavia, eles tinham preocupação estética e não limitavam a beleza da obra pelo retrato das genitálias. Por influência do pensamento platônico, era a beleza do corpo humano reverenciada pela contemplação e não para o desfrute (O que não significa que eu concorde com a nudez artisticamente retratada).

A forma como a nudez é explorada em nosso meio é apenas a banalização do corpo humano que instiga — previsivelmente — a luxúria das pessoas que consomem determinados produtos, não por apreciação da estética e do conteúdo, mas porque querem ver peitos, bundas e órgãos sexuais. Por que vocês acham que quando há nudez em algum filme, divulga-se que o ator/atriz ficaram nus, esquecendo–se do personagem? Seja a empresa que está por trás de arrecadação de dinheiro, seja o artista que deseja “causar” para ter muitos views e ser assunto do dia: É prostituição da arte. O resultado disso não é a fruição do belo, mas sim carne oferecida perante o altar da lascívia. O clipe da Clarisse Falcão é feio por objetivar o corpo humano, que focado nos órgãos genitais não capta o semblante, coisificando as pessoas, reduzindo-as a sua genitália, como disse o filósofo britânico Roger Scruton: “Luxúria traz a feiura, a feiura da relação humana onde a pessoa trata a outra como um objeto indispensável. Para alcançar a fonte de beleza devemos abandonar a luxúria”[1].

Mas como alcançar a beleza? Como podemos fruir de seus encantos sem profaná-la? Aqui se faz necessário a cosmovisão cristã. A beleza emana do Divino e por isso transcende a subjetividade estética. É um valor tal como a verdade, por isso é importante e não deve ser minimizada. Infelizmente o pós-modernismo faz troça do belo e propaga feiura, fazendo com que qualquer manifestação criativa, propagandista e “autêntica” seja chamada de arte e seja exposta em galerias do mundo todo. Desse jeito, se qualquer porcaria é tida por arte, nada é arte. É assim que matamos os verdadeiros talentos de nossa geração, que vão se misturar a uma classe de artistas que se tornou uma geleia geral, pois, sem distinção, o efêmero engole o que é artístico. Assim sendo, temos um problema que vai além do material, pois “através da beleza somos trazidos a presença do sagrado”[2]. O teólogo Francis Schaeffer já dizia que como cristãos, temos que nos apropriar da arte para glorificarmos a Deus. Ele afirma que “Uma obra de arte pode ser, em si, uma doxologia”[3].

Uma obra de arte glorifica a Deus por se tratar de uma manifestação da imago Dei. A arte manifesta a criatividade do homem, que tem capacidade criativa por ter sido feito a imagem e semelhança de Deus, que assim o criou de maneira secular. A diferença é que o homem cria uma obra mimética através da imaginação e do que visualiza, enquanto que a criação Divina não cria a representatividade do ente, mas o ente em si. Sobre isso, Kuyper discorre que “em todas as artes encontramos uma imitação da habilidade criadora de Deus”. [4]

Sendo o impulso artístico algo intrínseco as criaturas divinas portadoras de sua imagem, a beleza não é mero detalhe. “Não satisfeita com a beleza da natureza, a arte busca por uma beleza mais sublime, mais rica, uma beleza que há de vir somente com o reino da glória, mas que já no presente nos oferece lampejos proféticos”[5]. Para sermos consistentes com a cosmovisão cristã, não podemos subjetivar o belo e deixa-lo apenas no campo do gosto pessoal. Se Deus é o criador da beleza, ela possui princípios objetivos. Esse é um axioma que o mundo despreza, principalmente a nossa classe de artistas que quase sempre vivem numa vida de degradação moral em nome de uma liberdade boêmia. Mas, o mais incrível é que até mesmo estes sujeitos podem reproduzir algo que expresse beleza. Isso se deve ao que Kuyper e os neocalvinistas chamam de graça comum, o que em suma seria um recurso Divino que atenua os efeitos noéticos do pecado. É por isso que mesmo não estando mais no Éden, o homem encontra coisas absurdamente lindas neste mundo caído. E o senso de beleza que os homens carregam é — em certa medida — nostálgico, pois remete a beleza do paraíso quando não havia sido maculada pelo pecado.

À Guisa de conclusão, o cristão deve fruir do belo e se portar criticamente com relação a arte. Schaeffer estabelece um critério de avaliação partindo de um quadrinômio interessante para julgarmos uma obra: 1) Excelência técnica, um padrão de julgamento que independe de concordância com a mensagem do artista. 2) Validade, que seria o julgamento acerca da honestidade do artista com sua cosmovisão. 3) Conteúdo, que seria a manifestação da cosmovisão do artista. 4) Integração entre o conteúdo e veículo, que trata da adequação do meio utilizado pelo artista para comunicar sua mensagem ao mundo.[6] Acredito que estes quatro pilares são suficientemente adequados para que possamos consumir o grande leque de produções artísticas e assim glorificar a Deus mediante a contemplação do que é bonito, pois, tudo que emana formosura, é um vislumbre de Sua excelsa glória.

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[1] Excerto do documentário produzido pela BBC Why Beauty Matters (Por que a beleza importa?), disponível em https://www.youtube.com/watch?v=bHw4MMEnmpc.
[2] Ibdem.
[3] A Arte e a Bíblia. Voçosa-MG. Ultimato, 2010, p.19.
[4] Sabedoria e Prodígios: Graça Comum na Ciência e na Arte. Brasília-DF, Monergismo 2016, kindleversion posição 2188.
[5] Ibdem, posição 2217.

[6] A Arte e a Bíblia. Voçosa-MG. Ultimato, 2010, p.53.

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