Por Thiago Oliveira
No finzinho de 2016, a cantora
Clarice Falcão lançou o clipe da música “Eu Escolhi Você”. Tratava-se de um
vídeo-close nos órgãos genitais de homens e mulheres, portando neles alguns
adereços baratos. O clipe foi removido do You Tube por conta da nudez explícita,
e causou certo burburinho. Clarice, que até compõe com boa dose de perspicácia,
disse (via rede social) que se não fosse para causar, seria melhor não lançar
nada. Mas daí surge a indagação: A arte do artista se resume em “causar”? E que
tipo de “causar” seria esse? Para lançar algo que “causa” não se leva em conta
o belo? Pois, o tipo de arte que se advoga em nosso meio, onde a estética é
trocada por panfletagem é, como diria Rookmaaker, a prostituição do conteúdo
artístico. Até sei que mesmo a nudez foi retratada por pintores e escultores ao
longo dos séculos, todavia, eles tinham preocupação estética e não limitavam a
beleza da obra pelo retrato das genitálias. Por influência do pensamento
platônico, era a beleza do corpo humano reverenciada pela contemplação e não
para o desfrute (O que não significa que eu concorde com a nudez artisticamente
retratada).
A forma como a nudez é explorada
em nosso meio é apenas a banalização do corpo humano que
instiga — previsivelmente — a luxúria das pessoas que consomem determinados
produtos, não por apreciação da estética e do conteúdo, mas porque querem ver
peitos, bundas e órgãos sexuais. Por que vocês acham que quando há nudez em
algum filme, divulga-se que o ator/atriz ficaram nus, esquecendo–se do personagem?
Seja a empresa que está por trás de arrecadação de dinheiro, seja o artista que
deseja “causar” para ter muitos views e ser assunto do dia: É prostituição da
arte. O resultado disso não é a fruição do belo, mas sim carne oferecida
perante o altar da lascívia. O clipe da Clarisse Falcão é feio por objetivar o
corpo humano, que focado nos órgãos genitais não capta o semblante,
coisificando as pessoas, reduzindo-as a sua genitália, como disse o filósofo
britânico Roger Scruton: “Luxúria traz a feiura, a feiura da relação humana
onde a pessoa trata a outra como um objeto indispensável. Para alcançar a fonte
de beleza devemos abandonar a luxúria”[1].
Mas como alcançar a beleza? Como
podemos fruir de seus encantos sem profaná-la? Aqui se faz necessário a cosmovisão
cristã. A beleza emana do Divino e por isso transcende a subjetividade
estética. É um valor tal como a verdade, por isso é importante e não deve ser
minimizada. Infelizmente o pós-modernismo faz troça do belo e propaga feiura,
fazendo com que qualquer manifestação criativa, propagandista e “autêntica”
seja chamada de arte e seja exposta em galerias do mundo todo. Desse jeito, se
qualquer porcaria é tida por arte, nada é arte. É assim que matamos os
verdadeiros talentos de nossa geração, que vão se misturar a uma classe de
artistas que se tornou uma geleia geral, pois, sem distinção, o efêmero engole
o que é artístico. Assim sendo, temos um problema que vai além do material,
pois “através da beleza somos trazidos a presença do sagrado”[2]. O teólogo Francis
Schaeffer já dizia que como cristãos, temos que nos apropriar da arte para
glorificarmos a Deus. Ele afirma que “Uma obra de arte pode ser, em si, uma
doxologia”[3].
Uma obra de arte glorifica a Deus
por se tratar de uma manifestação da imago Dei. A arte manifesta a criatividade
do homem, que tem capacidade criativa por ter sido feito a imagem e semelhança
de Deus, que assim o criou de maneira secular. A diferença é que o homem cria
uma obra mimética através da imaginação e do que visualiza, enquanto que a
criação Divina não cria a representatividade do ente, mas o ente em si. Sobre
isso, Kuyper discorre que “em todas as artes encontramos uma imitação da
habilidade criadora de Deus”. [4]
Sendo o impulso artístico algo
intrínseco as criaturas divinas portadoras de sua imagem, a beleza não é mero
detalhe. “Não satisfeita com a beleza da natureza, a arte busca por uma beleza
mais sublime, mais rica, uma beleza que há de vir somente com o reino da
glória, mas que já no presente nos oferece lampejos proféticos”[5]. Para sermos
consistentes com a cosmovisão cristã, não podemos subjetivar o belo e deixa-lo
apenas no campo do gosto pessoal. Se Deus é o criador da beleza, ela possui
princípios objetivos. Esse é um axioma que o mundo despreza, principalmente a
nossa classe de artistas que quase sempre vivem numa vida de degradação moral
em nome de uma liberdade boêmia. Mas, o mais incrível é que até mesmo estes
sujeitos podem reproduzir algo que expresse beleza. Isso se deve ao que Kuyper
e os neocalvinistas chamam de graça comum, o que em suma seria um recurso
Divino que atenua os efeitos noéticos do pecado. É por isso que mesmo não
estando mais no Éden, o homem encontra coisas absurdamente lindas neste mundo
caído. E o senso de beleza que os homens carregam é — em certa
medida — nostálgico, pois remete a beleza do paraíso quando não havia sido
maculada pelo pecado.
À Guisa de conclusão, o cristão
deve fruir do belo e se portar criticamente com relação a arte. Schaeffer
estabelece um critério de avaliação partindo de um quadrinômio interessante
para julgarmos uma obra: 1) Excelência técnica, um padrão de julgamento que
independe de concordância com a mensagem do artista. 2) Validade, que seria o
julgamento acerca da honestidade do artista com sua cosmovisão. 3) Conteúdo,
que seria a manifestação da cosmovisão do artista. 4) Integração entre o
conteúdo e veículo, que trata da adequação do meio utilizado pelo artista para
comunicar sua mensagem ao mundo.[6] Acredito que estes quatro pilares são
suficientemente adequados para que possamos consumir o grande leque de
produções artísticas e assim glorificar a Deus mediante a contemplação do que é
bonito, pois, tudo que emana formosura, é um vislumbre de Sua excelsa glória.
***
[1] Excerto do documentário
produzido pela BBC Why Beauty Matters (Por que a beleza importa?), disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=bHw4MMEnmpc.
[2] Ibdem.
[3] A Arte e a Bíblia. Voçosa-MG.
Ultimato, 2010, p.19.
[4] Sabedoria e Prodígios: Graça
Comum na Ciência e na Arte. Brasília-DF, Monergismo 2016, kindleversion posição
2188.
[5] Ibdem, posição 2217.
[6] A Arte e a Bíblia. Voçosa-MG.
Ultimato, 2010, p.53.