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29 de jun. de 2016

O Espírito Santo e as Missões

Por Ronaldo Lidório

Neste artigo pensaremos juntos sobre a relação do Espírito Santo com a obra missionária, a clara ligação entre Sua manifestação em Atos 2 e Atos 13 e a promoção da evangelização aos de perto e aos de longe.

Se olharmos o panorama mundial da Igreja evangélica perceberemos que o crescimento evangélico foi 1.5 % maior que o Islã na ultima década. O Evangelho já alcançou 22.000 povos nestes últimos 2 milênios. Temos a Bíblia traduzida hoje em 2.212 idiomas. As grandes nações que resistiam o Evangelho estão sendo fortemente atingidas pela Palavra, como é o caso da Índia e China, que em breve deverão hospedar a maior Igreja nacional sobre a terra. Um movimento missionário apoiado pela Dawn Ministry plantou mais de 10.000 igrejas-lares no Norte da Índia na última década, em uma das áreas tradicionalmente mais fechadas para a evangelização. No Brasil menos evangelizado como o sertão nordestino, o norte ribeirinho e indígena, e o sul católico e espírita, vemos grandes mudanças na última década, com nascimento de novas igrejas, crescimento da liderança local e um contínuo despertar pela evangelização. No Brasil urbano a Igreja cresceu 267% nos últimos 10 anos. Apesar dos diversos problemas relativos ao crescimento e algumas questões de sincretismo que são preocupantes no panorama geral, vemos que o Evangelho tem entrado nos condomínios de luxo de São Paulo e nos vilarejos mais distantes do sertão, colocando a Palavra frente a frente com aquele que jamais a ouvira antes. Há um forte e crescente processo de evangelização no Brasil.

Duas perguntas poderiam surgir perante este quadro: qual a relação entre a expansão do Evangelho e a pessoa do Espírito Santo? E quais os critérios para uma Igreja, cheia do Espírito, envolver-se com a expansão do Evangelho do Reino?

Em uma macro-visão creio que esta relação poderia ser observada em três áreas distintas, porém, inter-relacionadas: a essência da pessoa do Espírito e Sua função na Igreja de Cristo; a essência da pessoa do Espírito e Sua função na conversão dos perdidos; e por fim a clara ligação entre os avivamentos históricos e o avanço missionário.

A essência da pessoa do Espírito e sua função na Igreja de Cristo

Em Lucas 24 Jesus promete enviar-nos um consolador, que é o Espírito Santo, e que viria sobre a Igreja em Atos 2 de forma mais permanente. Ali a Igreja seria revestida de poder. O termo grego utilizado para 'consolador' é 'parakletos' e literalmente significa 'estar ao lado'. É um termo composto por duas partículas: a preposição 'para' - ao lado de - e 'kletos' do verbo 'kaleo' que significa chamar. Portanto vemos aqui a pessoa do Espírito, cumprimento da promessa, habitando a Igreja, estando ao seu lado para o propósito de Deus.

Segundo John Knox a essência da função do Espírito Santo é estar ao lado da Igreja de Cristo, fazê-la possuir a Face de Cristo e espalhar o Nome de Cristo. Nesta percepção, O Espírito Santo trabalha para fazer a Igreja mais parecida com seu Senhor e fazer o nome do Senhor da Igreja conhecido na terra.

A essência da pessoa do Espírito e sua função na conversão dos perdidos

Cremos que é o Espírito Santo quem convence o homem do seu pecado.

O homem natural sabe que é pecador porém apenas com a intervenção do Espírito ele passa a se sentir perdido. Há uma clara, e funcional, diferença entre sentir-se pecador e sentir-se perdido. Nem todo homem convicto de seu pecado possui consciência de que está perdido, portanto, necessitado de redenção. Se o Espírito Santo não convencer o homem do pecado e do juízo, nossa exposição da verdade de Cristo não passará de mera apologia humana.

A Igreja plantada mais rapidamente em todo o Novo Testamento foi plantada por Paulo em Tessalônica. Ali o apóstolo pregava a Palavra aos sábados nas sinagogas e durante a semana na praça e o fez durante 3 semanas, nascendo ali uma Igreja. Em 1º Tess. 1:5 Paulo nos diz que o nosso evangelho não chegou até vos tão somente em palavra (logia, palavra humana) mas sobretudo em poder (dinamis, poder de Deus), no Espírito Santo e em plena convicção (pleroforia, convicção de que lidamos com a verdade).

O Espírito Santo é destacado aqui como um dos três elementos que propiciou o plantio da igreja em Tessalônica. Sua função na conversão dos perdidos, em conduzir o homem à convicção de que é pecador e está perdido, sem Deus, em despertar neste homem a sede pelo Evangelho e atraí-lo a Jesus é clara. Sem a ação do Espírito Santo a evangelização não passaria de apologia humana, de explicações espirituais, de palavras lançadas ao vento, sem público, sem conversões, sem transformação.

Os avivamentos históricos e os movimentos missionários

Se observarmos os ciclos de avivamentos perceberemos que a proclamação da Palavra torna-se uma consequência natural desta ação do Espírito. Vejamos.

Fruto de um avivamento, a partir de 1730 John Wesley durante 50 anos pregou cerca de 3 sermões por dia, a maior parte ao ar livre, tendo percorrido 175.000 km a cavalo pregando 40.000 sermões ao longo de sua vida.

Fruto de um avivamento, em 1727 a Igreja moraviana passa a enviar missionários para todo o mundo conhecido da época, chegando ao longo de 100 anos enviar mais de 3.600 missionários para diversos países.

Fruto de um avivamento, em 1784, após ler a biografia do missionário David Brainard, o estudante Wiliam Carey foi chamado por Deus para alcançar os Indianos. Após uma vida de trabalho conseguiu traduzir a Palavra de Deus para mais de 20 línguas locais e sua influência permanece ainda hoje.

Fruto de um avivamento, em 1806, Adoniram Judson tem uma forte experiência com Deus e se propõe a servir a Cristo, indo depois para a Birmânia, onde é encarcerado e perseguido durante décadas, mas deixa aquele país com 300 igrejas plantadas e mais de 70 pastores. Hoje, Myamar, a antiga Birmânia, possui mais de 2 milhões de cristãos.

Fruto de um avivamento, em 1882 Moody pregou na Universidade de Cambridge e 7 homens se dispuseram ao Senhor para a obra missionária e impactaram o mundo da época. Foram chamados "os 7 de Cambridge", que incluía Charles Studd (sua biografia publicada no Brasil chama-se "O homem que obedecia"). Foi para a África, percorreu 17 países e pregou a mais de meio milhão de pessoas. Fundou A Missão de Evangelização Mundial (WEC International) que conta hoje com mais de 2.000 missionários no mundo.

Fruto de um avivamento, em 1855 Deus falou ao coração de um jovem franzino e não muito saudável para se dispor ao trabalho transcultural em um país idólatra e selvagem. Vários irmãos de sua igreja tentavam dissuadi-lo dizendo: "para que ir tão longe se aqui na América do Norte há tanto o que fazer?" Ele preferiu ouvir a Deus e foi. Seu nome é Simonton (1833-1867) que veio ao nosso país e fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil.

Fruto de um avivamento, em 1950, no Wheaton College cerca de 500 jovens foram chamados para a obra missionária ao redor do mundo. E obedeceram. Dentre eles estava Jim Elliot que foi morto tentando alcançar a tribo Auca na Amazônia em 1956. A partir de seu martírio houve um grande avanço missionário em todo o mundo indígena, sobretudo no Equador. Outro que ali também se dispôes para a obra missionária foi o Dr Russel Shedd que é tremendamente usado por Deus em nosso país até o dia de hoje.

Tendo em mente, nesta macroestrutura, os três níveis de relação entre o Espírito Santo e as Missões, podemos observar alguns valores bíblicos sobre este tema, revelados em Atos 2, durante o Pentecoste.

O Pentecoste e as Missões

O Espírito Santo é a pessoa central no capítulo 2 de Atos e Lucas é justamente o autor sinóptico que mais fala sobre Ele utilizando expressões como "ungido" pelo Espírito, ou "poder" do Espírito ou ainda "dirigido" pelo Espírito (Lc 3:21; 4:1, 14, 18) demonstrado que na teologia Lucana o Espírito Santo era realmente o 'Parakletos' que viria.

O Pentecoste, dentre todas as festas judaicas, era, segundo Julius, o evento mais frequentado e acontecia sob clima de reencontros já que judeus que moravam em terras distantes empreendiam nesta época do ano longas jornadas para ali estar no quinquagésimo dia após a páscoa.

Chegamos ao momento do Pentecoste. Fenômenos estranhos aos de fora e incomuns à Igreja aconteceram neste momento e a Palavra os resume falando sobre um som como "vento impetuoso" (no grego 'echos', usado para o estrondo do mar); "línguas como de fogo" que pousavam sobre cada um, "ficaram cheios do Espírito Santo" e começaram a falar "em outras línguas". Lucas fecha a descrição do cenário com a expressão no verso 4: "segundo o Espírito lhes concedia".

Outras línguas. O texto no versículo 4 utiliza o termos eterais glossais para afirmar que eles falaram em outras glosse, línguas, expressão usada para línguas humanas, idiomas. Mas, a fim de não deixar dúvidas, no versículo 8, o texto nos diz que cada um ouviu em sua "própria língua" usando aqui o termo dialekto que se refere aos dialetos ali presentes. As línguas faladas, e ouvidas, portanto eram línguas humanas e não línguas angelicais, neste texto em particular, no Pentecoste. Mas onde ocorreu o milagre? Naquele que falou ou nos ouvidos dos que ouviram? É possivel que tenha sido nos ouvidos dos que ouviram pois a mensagem, pregada, foi compreendida idia dialekto - no próprio dialeto de cada um. O certo, porém, é que Deus atuou sobrenaturalmente a fim de que a mensagem do Cristo vivo fosse compreendida, clara e nitidamente, por todos os ouvintes.

Em meio a este momento atordoante (vento, fogo, som, línguas) o improvável acontece. Aquilo que seria apenas uma festa espiritual interna para 120 pessoas chega até as ruas. O caráter missiológico do evangelho é exposto. O Senhor com certeza já queria demonstrar desde os primeiros minutos da chegada definitiva do Espírito sobre a Igreja que este poder ? dinamis de Deus - não havia sido derramado apenas para um culto cristão restrito, a alegria íntima dos salvos ou confirmação da fé dos mártires.

O plano de Deus incluía o mundo de perto e de longe em todas as gerações vindouras e nada melhor do que aquele momento do Pentecoste quando 14 nações, ali presentes e, no meio desta balbúrdia da manifestação de Deus, cada uma - miraculosamente - passou a ouvir o Evangelho em sua própria língua.

Era o Espírito Santo mostrando já na sua chegada para o que viria: conduzir a Igreja a fazer Cristo conhecido na terra. Em um só momento Deus fez cumprir não apenas o "recebereis poder" mas também o "sereis minhas testemunhas". A Igreja revestida nasceu com uma missão: testemunhar de Jesus.

Daí muitos se convertem e a Igreja passa de 120 crentes para 3.000, e depois 5.000. Não sabemos o resultado daqueles representantes de 14 povos voltando para suas terras com o Evangelho vivo e claro, em sua própria língua, mas podemos imaginar o quanto o Evangelho se espalhou pelo mundo a partir deste episódio. Certamente o primeiro grande movimento de impacto transcultural da Igreja revestida.

No verso 37 lemos que, após o sermão de Pedro, em que anuncia Cristo, "ouvindo eles estas coisas, compugiu-se-lhes o coração" e o termo usado aqui para compungir vem de katanusso, usado para uma "forte ferroada" ou ainda uma dor profunda que faz a alma chorar". A Palavra afirma que "naquele dia foram acrescentadas quase três mil almas". O Espírito Santo usando o cenário do Pentecoste para alcançar homens de perto e de longe.

Podemos retirar daqui algumas conclusões bem claras. Uma delas é que a presença do Espírito Santo leva a mensagem para as ruas, para fora do salão e alcança apenas pelos quais o sangue de Cristo foi derramado. Desta forma é questionável a maturidade espiritual de qualquer comunidade cristã que se contente tão somente em contemplar a presença do Senhor. A presença do Espírito, de forma genuína, incomoda a Igreja a sair de seus templos e bancos. A Não se contentar tão somente com uma experiência cúltica aos domingos. A procurar, com testemunho Santo e uso da Palavra de Deus, fazer Cristo conhecido aos que estão ao seu redor.

Havia naquele lugar, ouvindo a Palavra de Deus através de uma Igreja revestida de Poder pelo Espírito Santo, homens de várias nações distantes, judaizantes, além de judeus de perto, que moravam do outro lado da rua. De terras distantes, o texto, Atos 2: 9 a 11, registra que havia "nós, partos, medos, e elamitas; e os que habitamos a Mesopotâmia, a Judéia e a Capadócia, o Ponto e a Ásia, a Frígia e a Panfília, o Egito e as partes da Líbia próximas a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes-ouvímo-los em nossas línguas, falar das grandezas de Deus". Uma Igreja revestida do Espírito deve abrir seus olhos também para os que estão longe, além-barreiras, além-fronteiras, nos lugares improváveis, onde Cristo gostaria que fôssemos.

Que efeitos objetivos na construção do caráter da Igreja produziu a presença marcante e transformadora do Espírito?

A ação do Espirito Santo não produz uma Igreja enclausurada

Esta Igreja cheia do Espírito Santo passa a crescer onde está e em Atos 8 o Senhor a dispersa por todos os cantos da terra. E diz a Palavra que, "os que eram dispersos iam por toda parte pregando a Palavra". Vicedon nos ensina que uma Igreja cheia do Espírito é uma igreja missionária, proclamadora do Evangelho, conduzida para as ruas.

A ação do Espírito Santo não produz uma Igreja segmentada

Após a ação do Espírito sobre os 120, depois 3.000, depois 5.000, não houve segmentação, divisão, grupinhos na comunidade. Certamente eles eram diferentes. Alguns preferiam adorar a Deus no templo, outros de casa em casa. Alguns mais formais, judeus e judaizantes, outros bem informais, gentios. Alguns haviam caminhado com Jesus. Outros não o conheceram tão de perto. Mas esta Igreja possuía um só coração e alma, como resultado direto do Espírito Santo. Competições, segmentações, grupinhos, portanto, são uma clara demonstração de carnalidade e necessidade de busca de quebrantamento e entrega a ação do Espírito na vida da Igreja.

A ação do Espírito Santo não produz uma Igreja autocentrada

Certamente uma Igreja que havia experimentado o poder de Deus, de forma tão próxima e visível, seria impactada pelo sobrenatural. Porém, quando a ação sobrenatural é conduzida pelo Espírito Santo a única pessoa que se destaca é Jesus, a única pessoa exaltada é Jesus, a única que aparece com louvores é Jesus. Esta Igreja que experimentou o Espírito no Pentecoste passa, de forma paradoxal, a falar menos de sua própria experiência e mais da pessoa de Cristo. O egocentrismo eclesiástico não é compatível com as marcas do Espírito.

Creio, assim, que nossa herança provinda do Pentecoste precisa nos levar a sermos uma Igreja nas ruas (não enclausurada), uma Igreja Cristocêntrica com amor e tolerância entre os irmãos (não segmentada ou partidária), uma Igreja cuja bandeira é Cristo, não ela mesma (não egocêntrica), e por fim uma Igreja proclamadora, que fala de Cristo perto e longe. Que as marcas do Pentecostes continuem a se manifestar entre nós.

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Fonte: guiame.com.br

27 de jun. de 2016

Amor Seguro Amor (1 Jo 4.7-21)

Por Thiago Oliveira

Texto Base: 1 João 4.7-21

7. Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. 8. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. 9. Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. 10. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. 11. Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros. 12. Ninguém jamais viu a Deus; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós. 13. Sabemos que permanecemos nele, e ele em nós, porque ele nos deu do seu Espírito. 14. E vimos e testemunhamos que o Pai enviou seu Filho para ser o Salvador do mundo. 15. Se alguém confessa publicamente que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele em Deus. 16. Assim conhecemos o amor que Deus tem por nós e confiamos nesse amor. Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele. 17. Dessa forma o amor está aperfeiçoado entre nós, para que no dia do juízo tenhamos confiança, porque neste mundo somos como ele. 18. No amor não há medo; pelo contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor. 19. Nós amamos porque ele nos amou primeiro. 20. Se alguém afirmar: "Eu amo a Deus", mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. 21. Ele nos deu este mandamento: Quem ama a Deus, ame também seu irmão.

Introdução

Hoje concluiremos o 4º capítulo da primeira carta joanina. Veremos que o apóstolo retoma a pauta do amor ao próximo. “A Primeira Epístola de João é, predominantemente, um livro sobre o amor. Nessa epístola, o verbo amar aparece 28 vezes e seu substantivo correspondente, amor, é usado 18 vezes” (Simon Kistemaker). Aqui ele fundamenta o amor no atributo divino e conclama a sua igreja a servir a Deus amando as pessoas. No mundo em que vivemos, de tamanho egoísmo e hostilidade, resultado no pecado, os cristãos têm a responsabilidade de fazer diferente e exalar o perfume do amor pelos quatro cantos da terra.

Que o Espírito Santo nos faça compreender isso e nos mover na direção de ações concretas que resultem no amar prático.

O Fundamento do Amor (7-10)

O apóstolo conclama os seus leitores e diz que deve existir um amor fraternal entre eles. E a razão disso é que o amor é um atributo divino, faz parte do que Deus é. Deus tem outros atributos, sem os quais ele deixaria de ser Deus. Por exemplo: santidade, justiça, onisciência, onipresença, etc. Mas dentre todos, João escolhe falar sobre o amor para fundamentar o mandamento que temos recebido de Deus, que é amar ao próximo. Se amar é algo que está presente no nosso Senhor, também deve existir em nós. Por isso que se diz que quem não ama não conhece à Deus. Não se trata aqui do conhecimento intelectual. A palavra tem enfoque relacional e sintetiza uma verdade absoluta. Daí, se até então não havia ficado entendido, agora não resta a menor dúvida do porque que o amor é assunto central da vida cristã. Amar nos dá credencial de pertencimento, sendo assim, pode-se afirmar que apenas os que amam, de fato, os seus semelhantes, tem comunhão com o Pai. Isso parece refutar os gnósticos que apontavam para uma experiência de “iluminação” com o objetivo de conhecer a Deus.

Apelando para a obra de Cristo, nosso redentor, João exemplifica o amor através do ato vicário que Jesus realizou. Como disse Agostinho: “A cruz foi o púlpito onde Deus pregou o amor”. Esse ato foi um ato de amor. Os homens, por se rebelarem em pecado, apenas merecem a ira de Deus. Como registrado na carta aos efésios, éramos merecedores da ira (Ef 2.3). Sujeitos destinados ao inferno, pois, Deus odeia o pecado e também quem o pratica. Precisamos ser claros: Deus odeia o pecado e o pecador, contrariando uma famosa frase de efeito que circula entre as igrejas. Se formos para as Escrituras veremos que Deus abomina os pecadores (vide Salmo 5. 5, 11.5). Essa ira é santa, pois santidade e justiça também são atributos divinos. Por amar a santidade e a justiça, Deus odeia os que praticam o inverso e sua ira está fundamentada em seus atributos.

Mas então, se Deus abomina o pecado e odeia os que o praticam, onde o amor se enquadraria? Para respondermos isso é necessário olhar para cruz. Em Cristo vemos o amor, pois, ele resgatou parte dessa massa pecadora ao morrer no lugar deles. Esse amor é gracioso: “Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos” (Efésios 2.4,5). Se temos vida, temos por meio de Cristo, devemos isso a ele, louvado seja o cordeiro de Deus que nos vivificou!

O termo propiciação não está nesse texto à toa. Ele significa “desvio da ira”. Toda ira, santa e justa, do Pai recaiu sobre o Filho ao invés de ter caído sobre nós. É como se Cristo fosse um para-raio que atrai para si a carga energética e mortal do relâmpago. Ele foi castigado em nosso lugar, como diz o profeta Isaías no capítulo 53 de seu livro. Jesus é aquele homem de dores transpassado, moído no lugar daqueles que por seu sangue foram comprados. Nós não o amávamos, mesmo assim ele nos amou e nos salvou. É graça, maravilhosa graça que não somos capazes de mensurar o seu tamanho. Ela extrapola toda e qualquer noção de espaço que temos. Em Cristo, fomos e somos assombrosamente amados pelo Pai!

O Desdobramento do Amor (11-16)

É por ter o fundamento do amor de Deus em nossas vidas, que devemos amar as pessoas. João atenta para o fato da proximidade com que temos das pessoas em nossa volta. Podemos vê-las, tocá-las, senti-las. Deus, por mais que se relacione conosco de uma maneira real, é um relacionamento que não podemos ver a olho nu, muito menos sentir de maneira tangível. Deus é imanente, mas é ao mesmo tempo transcendente, ficando muito além da nossa total compreensão. Nessa proximidade com os nossos semelhantes, somos aperfeiçoados pelo próprio Senhor que em nós atua por meio do seu Santo Espírito. Da mesma forma que o Pai demonstrou seu amor de maneira visível, ao enviar seu Filho ao mundo, sendo o próprio Deus encarnado, nosso amor também precisa ter esse viés “encarnacional”, ou seja, deve se concretizar nas nossas relações para com nossos semelhantes.

O Espírito Santo é um presente que nos foi dado e é Ele quem nos conduz em amor e nos dá a segurança da salvação. É nesse relacionamento íntimo com o Espírito que sabemos que pertencemos a Deus. Também é Ele quem nos dá a compreensão da graciosa obra salvífica, da relação do Pai com o Filho, que arquitetaram o plano para redimir os que amaram desde a eternidade (Ef 1.3-6). O mesmo Espírito nos direciona a confessarmos a Cristo como sendo nosso salvador.

Tal condução é uma benção. Ela nos dá confiança de que graças à atuação poderosa do Espírito Santo através de nós, perseveraremos até ouvirmos a chamada celestial. Temos que se confiantes no amor de Deus para conosco e lembrarmos, como povo dEle, que Deus é amor! Esses são os desdobramentos de quem tem Cristo por fundamento.

A Plenitude do Amor (17-21)

O amor aperfeiçoado é o amor pleno. Todos que foram comprados por Cristo e receberam dele o Espírito Santo caminham neste pleno amor e por isso não temerão o juízo vindouro. Não devemos temer castigo algum, pois, o que Jesus conquistou por nós foi o perdão dos pecados e a garantia de que habitaremos na presença do Deus que é santo, e para isso ele tem nos santificado. Devemos ter a noção de que estamos seguros não pela forma que o amamos, mas por causa de como Cristo nos amou. Ele nos amou primeiro, sendo o nosso amar, um ato secundário e em resposta a sua atuação em nossas vidas. Por isso um velho hino cristão diz: “Que segurança, sou de Jesus, e já desfruto o gozo da luz, sou por Jesus herdeiro de Deus, ele nos leva a glória dos céus”. O músico e poeta brasileiro Stenio Marcius descreve na canção “O Sonho” a confiança inabalável que o crente deve possuir:

Sonhei que eu tinha morrido, não lembro direito do quê. Me vi frente a um alto e belo portão com uma placa escrito "Céu". Bati com um certo receio, um anjo saiu pra atender. Me disse "Pois não?”, eu falei "Quero entrar, pois aí é o meu lugar". O anjo me disse: "Curioso, eu não acho seu nome em nossos registros". Eu disse: "Procure num livro antigo, escrito antes que houvesse mundo, e ali achará com a letra do Rei meu nome em tinta vermelha". Alguém entregou para o anjo registros que eu reconheci. Compêndio de todas as leis que eu quebrei e os pecados que cometi. O anjo olhava os registros visivelmente assutado, e me perguntou: "Foi assim que viveu?" Eu então respondi que sim. "Então como é que você tem coragem de vir nessa porta bater?". Eu disse: "Olhe bem no final dessa lista, você reconhece esta letra?"E o anjo sorrindo me disse "É verdade, o Rei escreveu PERDOADO". E ao som dessa bela palavra aquele portão se abriu. Então eu entrava cantando um hino. Que pena que o sonho acabou! Ficaram comigo aquelas palavras. Primeiro eu quero ver meu Salvador”.

Agora o capítulo termina com uma ressalva que fará os hipócritas temerem: Quem diz amar a Deus e odeia seu irmão, é mentiroso. Ora, o mentiroso não é amado, pois o provérbio diz que: “O Senhor odeia os lábios mentirosos (Pv 1. 22)”. Assim, na nossa confiança no amor que recebemos, temos que cumprir o mandamento de amamos uns aos outros.

Aplicação

- Reconheço que recebi amor do Senhor sem que tenha merecido, e por isso devo amar o meu semelhante de maneira graciosa?

- Tenho procurado imitar a Cristo, amando de maneira concreta, colocando-me no lugar do outro para compartilhar de suas alegrias e dores?

- Estou seguro de que Deus me ama em Cristo e que seu amor me conduz em segurança para o céu?

24 de jun. de 2016

O que Calvino realmente disse sobre o Quarto Mandamento?

Por Dr. Francis Nigel Lee

João Calvino de Genebra (1509-1564) desferiu o golpe de morte para os dias de festa dos romanistas e deu grande ímpeto ao Decálogo e à observância do domingo. Muito uso tem sido feito pelos antinomistas anabatistas a respeito das cuidadosas afirmações de Calvino em suas Institutas de 1536 de que “foi bom deixar de lado o dia guardado pelos judeus” – mas pouco uso tem sido feito das afirmações igualmente cuidadosas que aparecem duas linhas depois na mesma sentença, de que “foi necessário estabelecer em seu lugar outro dia”.[i] Antinomistas têm enfatizado a afirmação verdadeira de Calvino contra os romanistas de que guardadores ferrenhos do domingo “insultam os judeus pela mudança do dia, e ainda atribuem a ele a mesma santidade” – mas ignoram sua afirmação, igualmente verdadeira (aparentemente contra os antinomistas!) que aparece seis linhas depois: “Tenhamos o cuidado, entretanto, de observar a doutrina geral... diligentemente comparecendo às nossas assembleias religiosas”.[ii]

Anti-calvinistas desprezadores da lei não falharam em apreender a opinião correta do genebrino quando disse que “o sábado tenha sido revogado” – mas falharam em apreender com igual correção a opinião apresentada na seção seguinte, de que “algumas mentes levianas se agitam demais hoje em dia por causa do domingo. Queixam-se de que o povo cristão continua preso a um tipo de judaísmo, visto que ainda retém alguma observância de dias. A isso respondo que sem judaísmo observamos o domingo”.[iii] Essas “mentes levianas” não se furtam de citar fortes afirmações de Calvino de que “Cristo é o verdadeiro cumprimento do sábado” e que ele “não está contente com um dia, mas exige o curso inteiro de nossa vida” etc. – mas se furtam de afirmações igualmente fortes de que Deuteronômio 5 é “igualmente aplicável a nós como aos judeus” e que nos tempos apostólicos “os primeiros cristãos substituíram o sábado por aquilo que nós chamamos de Dia do Senhor”![iv]

Contudo, talvez ainda mais importante do que suas visões nas Institutas de 1536 – escritas em seus tenros 26 anos de idade – são as afirmações posteriores de Calvino sobre a questão do sábado, sobre as quais os antinomistas mantêm o mais profundo silêncio. Em seu sermão em Deuteronômio 5, ele escreveu sobre “quando as janelas das nossas lojas estão fechadas no dia do Senhor, quando não andamos segundo a ordem comum e o costume dos homens”. Ele pergunta: “Se empregamos o Dia do Senhor para nos distrair, para nos exercitar, para ir a jogos e passatempos, Deus está sendo nisto honrado? Não é isto uma zombaria? Não é uma profanação de seu nome?”[v]

Em 1550, de acordo com Beza, seu biógrafo, Calvino determinou “que não deveria haver qualquer outro dia de festa, exceto um em sete, que nós chamamos de Dia do Senhor”[vi]; e no ano de 1554, ele escreveu em seu Comentário de Gênesis (2.1-3) que Deus “primeiro descansou, então abençoou este descanso que em todas as eras deveria ser sagrado entre os homens”. “Deus”, continuou Calvino, “consagrou cada um dos sétimos dias de descanso” e que, “sendo ele [o shabbath] ordenado aos homens desde o princípio, para que o empreguem na adoração a Deus, é certo que deve continuar até ao fim do mundo”. Além disso, conclui, “deve-se notar que essa instituição tem sido dada não a um único século ou povo, mas a toda a raça humana”.[vii]

Um ano antes de sua morte em 1564, Calvino claramente afirmou com respeito a Êxodo 20, em sua obra Harmonia do Pentateuco, que “temos a mesma necessidade de um dia de descanso que os antigos”; e acrescentou: “não é crível que a observância do dia de descanso tenha sido omitida quando Deus revelou o rito de sacrifício aos santos Pais, mas aquilo que na depravação da natureza humana estava completamente extinta entre as nações pagãs, e quase obsoleta entre a geração de Abraão, Deus renovou em sua lei”.[viii]

Essas visões do grande genebrino foram propagadas e desenvolvidas por todos os seus seguidores que orgulhosamente chamavam-se por seu nome – os calvinistas.

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Fonte original: The Covenantal Sabbath[ix]

Extraído de: Monergismo.Net.Br

Tradução: Márcio Santana Sobrinho 


[i] Calvino. “Institutas”, II:VIII:33.
[ii] Ibid., II:VIII:34.
[iii] Ibid., II:VIII:32,33.
[iv] Ibid., II:VIII:32,34.
[v] A. A. Hodge. op. cit., pp. 18-19.
[vi] Bezaop. cit., I, p. xciii.
[vii] A. A. Hodge. op. cit., pp. 17:8; Kuyper. “Tractaat” etc., pp. 165-166.
[viii] Calvino. “Harmony of the Pentateuch”, p. 437.

22 de jun. de 2016

Credo In Deun: Nossa Confissão e Doutrina Evangélica

Por Thomas Magnum

Porque com o coração se crê para a justiça
e com a boca se confessa a respeito da salvação.

Apóstolo Paulo. Romanos 10.10

Crer em Deus é pertencer a Ele.

Alister Macgrath

Muito já escreveu sobre o credo apostólico. Sua importância é sem sombra de dúvidas, grandiosa para uma realidade religiosa no Brasil, cada dia mais deísta e inconfecional ou anticonfecional, pragmática e apática no que se refere à doutrina.

De fato, muitos alimentam a ideia de que a doutrina obscurece a vida espiritual, mas, ao contrário deste quase adágio, doutrina é vida, é solidez num mundo líquido. Doutrina é vitalidade para uma era notoriamente letárgica no que se diz a respeito do que é ser cristão. Numa geração em que a confissão da fé é incompreendida e confundida com mistificações assombrosas e teatralizações frias de uma ortodoxia morta.

A ortodoxia não se resume apenas ao correto ensino. Como o rio que regava o Éden (Gênesis 2.10), a doutrina rega a prática cristã (Ortopraxia) e as afeições religiosas (Ortopatia). A doutrina é o resultante sistemático da revelação, da progressividade da atuação divina no drama do mundo criado. Temos então no credo uma consubstancialidade evangélica, uma importância dinâmica no curso do crer e proferir. Do pensar e do falar. Do abraçar e do avançar. O credo tem um caráter evangélico kerigmático, isto é, proclamador, missionário. E oferece para demanda do coração uma resposta para uma religião imersa na fé no Deus-Trindade.

Esse texto não tem por objetivo tratar da historicidade do credo, muito menos, versar sobre as possíveis datas para sua conclusão histórica. A nossa reflexão se dará sobre a confissão, sobre o crer e sobre o resultado do crer; afinal, o crer não é estéril, não é apático ou imóvel. Nossa modesta escrita pretende contribuir para uma teologia evangélica credal, confessional, missional e estar fundamentada numa tríplice estrutura para fé: ortodoxia, ortopraxia e ortopatia.

Credo in Deun

Importante para nós, sob ótica cristocêntrica, o inicio do credo, ou melhor, a primeira palavra do credo:

Esse Credo, no início do Símbolo, significa em primeiro lugar, apenas e tão somente, o ato de reconhecimento – na forma de conhecimentos decisivos alcançados pela revelação de Deus – da realidade de Deus em seu relacionamento com o homem[i].

O Creio derivado da fé na revelação é o resultado da equação credal. A fé resulta no Credo in Deun. Não há credo sem fé. Não há ortodoxia sem graça, sem revelação cristocêntrica, sem redenção histórica do perdido. Não há credo sem morte, não há credo sem ressurreição. Isso deve nos constranger a uma confessionalidade credal intensa e vigorosa: creio! Creio não por mim, creio, por Ele. Creio pela mediação de Cristo, creio pela obra do Espírito. Creio In Deun, essa confissão é trinitária, pactual e missionária. Creio somente por meio do Deus Triúno e no Deus Triúno. O solus Christus só é possível pelo sola gratia. Não detendo o poder da Trindade na economia da salvação, mas, adorando-o na expansão que causa essa obra. Onde o Deus salvador opera em nós, por meio dEle mesmo para nos levar a Ele mesmo, ou seja, Ele é a fonte, o meio e a finalidade da salvação. Por isso, a economia da salvação pertence somente a Ele. Esse fato me faz adorar: Credo In Deun!

O ato do credo é o ato de confissão da fé apostólica

A fé descrita no credo é confessional e emblemática para a doutrina cristã.

1. A Fé como aceitação (Jo 1.12)
2. A Fé como confiança (Hb 11.1)
3. A Fé como compromisso (Cl 1.4)
4. A Fé como obediência (Rm 1.5)

Aqui está uma amostra da fé credal, da confissão que resulta do que crê o coração.

Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. (Romanos 10:8-11)


A confissão da fé que o coração esboça é credo. O credo é a divina proclamação da eterna obra trinitária no tempo e no espaço, num povo salvo, que confessa a obra salvífica, que pela providência se consumou na cruz, em Cristo.

Ter Fé não significa apenas ter uma nova ideia. Significa reconhecer em nossa mente quem é Deus, quais são seus atributos e corresponder a ele em nosso coração[ii].

Deus – O Centro da Fé Credal

- A fé credal é uma confissão, um ato proclamador, testemunhador, espiritual e de adoração a Deus. Por isso o Credo inicia-se com “Creio em Deus”.

- Temos então no credo uma fé depositada não no simples documento confessional, mas, no que ele professa e quem ele professa, o Deus Triúno.

- O credo começa dizendo “creio em Deus”, a questão aqui é de extrema importância para o entendimento do credo como documento trinitário.

Diz-nos Franklin Ferreira:

O fato é que o Credo dos Apóstolos começando com “Creio”, exige de nós uma resposta pessoal; o Credo exige de nós uma aderência ao que está sendo ensinado, uma confiança em seu ensino. Mas a recitação do Credo lembra que somos chamados a expor de forma pública a nossa fé. Ao recitar o Credo, o cristão oferece uma confissão de fé pública: “Porque com o coração se crê para a justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação” (Rm 10.10). Então, o Credo lembra que há uma dimensão pública da nossa fé. Nós somos chamados – todos nós, não somente pastores, missionários, teólogos e seminaristas, mas toda a comunidade cristã – a estarmos aptos a expressar na Escritura. Em outras palavras, o que se crê é o que se confessa[iii].

Qual a importância do Credo na comunidade de fé? Quero apontar alguns pontos que tenho pensado a respeito.

1. Confissão doutrinária no Deus Triúno;
2. Parte integrante de uma adoração trinitária;
3. Proclamação do Evangelho aos pecadores.

Sobre essas questões devemos observar que não há confissão sem doutrina, o que há é confusão. A adoração a Deus como Trindade ainda é em muitos círculos evangélicos incompreendida e na prática, muitas vezes o que existe é um monismo ou modalismo na adoração, que se assim o for, resulta em idolatria, se está adorando um Deus diferente do que está revelado nas Escrituras. E por fim, em relação a missões Barth diz algo interessante: “O Credo finalmente mostra a Igreja comprometida com o trabalho missionário, encaminhada em direção ao mundo que não está ainda congregado junto à Igreja, encarando-o com responsabilidade e apelo[iv]. O credo impele a Igreja a ser kerigmática, a ser arauto do rei.

O Credo e o Primeiro Mandamento

Que relação teria o Credo com o primeiro mandamento? Toda, absolutamente. O Credo invoca o verdadeiro Deus, o Deus único, o Deus que se auto-revelou. O Deus que é redentor. Vejamos os primeiros versículos do decálogo: Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim (Êxodo 20:1-3). Que ligação credal temos aqui? Deus! Credo In Deun! Sou o Senhor teu Deus! Qual é a reivindicação dessa fala divina? Creia! E não é somente essa a analogia teológica da fé credal expressa do Credo Apostólico. Vejamos que o prefácio do decálogo e o primeiro mandamento nos dizem muita coisa. Te tirei da terra do Egito, é expresso no prefácio dos mandamentos a redenção que Deus concedeu a seu povo escolhido. O que expressa o Credo na segunda parte, sobre o Deus redentor?

Em Jesus Cristo, ao único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos[v].

O que temos no Credo aqui? Redenção. O requer ainda o mandamento? Não terás outros deuses diante de mim. O que nos diz o Credo? Credo In Deun? Que Deus? Aquele que se revelou nas Escrituras.

O Credo e o segundo mandamento

“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam. E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos” (Êxodo 20:4-6)

Observemos que o Credo professa, confessa e testemunha do Deus Triúno, que se revelou na história da redenção, descrita na Bíblia. Não terás outros deuses implica em algumas questões importantes apontadas pelo catecismo maior de Westminster, nosso dever e nosso pecado diante do mandamento. Devemos repudiar a idolatria em todas as espécies. Por que motivo? Porque Creio em Deus – Pai, Filho e Espírito Santo.

Conclusão

A confissão credal, é monoteísta, trinitária e pactual. A fé em Deus resulta em confissão. Com o coração se crê e com a boca se confessa para a salvação. A confissão é para a salvação e decorrente da salvação – Fala o que convém a sã doutrina (Tt 2.1). Não há credo verdadeiro, sem doutrina sã. “Creio” é resultado da fé que obedece, que aceita o corpus da revelação, que confessa o Senhorio do Deus eterno Triúno. Credo In Deun é condição sine qua non para o ethos e a práxis cristã.

Credo In Deun! Amém.



[i]  Barth, Karl. Credo, comentários ao credo dos Apóstolos. São Paulo. 2003, ed. Novo Século, p.20.

[ii]  Macgrath, Alister. Creio – Um estudo sobre as verdades essenciais da fé cristã no Credo Apostólico. São Paulo. 2013, ed. Vida Nova, p. 25.

[iii]  Ferreira, Franklin. O Credo dos Apóstolos. Doutrinas Fundamentais da Fé Cristã. São José dos Campos, SP. 2015, ed. Fiel.

[iv] Barth, Karl. Credo, comentários ao credo dos Apóstolos. São Paulo. 2003, ed. Novo Século, p. 24,25.

[v] Extraído do livro: O Credo dos Apóstolos. Doutrinas Fundamentais da Fé Cristã. Franklin Ferreira, p.22.

20 de jun. de 2016

Deve o pastor ser teólogo?

Por Samuel Alves

Pode parecer absurda minha pergunta, eu reconheço! Após ler alguns livros do Kevin J. Vanhoozer fiquei regozijado e ao mesmo tempo um senso de responsabilidade surgiu. Comecei a refletir sobre o papel do pastor - principalmente como um teólogo público. O pastor evangélico é um homem que transita em todas as esferas da sociedade e se expressa teologicamente, este homem de Deus dá respostas, expõe as Escrituras e transmite todo o conselho de Deus. Criou-se uma caricatura de que pastor é um ser alienado, alguém que não estuda, que sequer sabe se expressar verbalmente e que a religião desse pastor é apenas experiencial e sensitiva. É claro que não se deve generalizar, a grande questão é que a algumas igrejas compraram esta ideia, principalmente as igrejas neopentecostais[1]. Para os neopentecostais só interessa a experiência, é evidente o desprezo pela doutrina. Já cansei de ouvir frases do tipo: “A letra mata, doutrina esfria a fé, o mais importante é a unção e etc.”. Todo esse conceito envolvido em uma dose de pragmatismo leva muitos pastores a reverem seu papel como teólogo público e negociarem a fé, por este motivo muitos pastores parecem administradores e marqueteiros da fé. Neste tempo de onde o pastor é tido com uma pessoa irrelevante volto meu olhar para a Bíblia e vejo que Deus deu pastores a sua igreja (Efésios 4.11). Mas quem são estes homens que Deus deu a igreja e o que Deus espera deles? Esta é a pergunta que deve estar em nossa discussão, vivemos uma crise existencial e isto faz muitas vezes alguns líderes desprezarem seu chamado enquanto outros abusam de sua autoridade. O Vanhoozer[2] faz uma citação excelente sobre este homem que Deus deu a igreja:

Eis o paradoxo central: o pastor é uma figura pública que não deve fazer nada para o próprio benefício, que não deve falar com o objetivo de atrair atenção para si, mas para longe de si – ao contrário da maioria das celebridades contemporâneas. O pastor deve apresentar alegações de verdade com o objetivo de ganhar pessoas não para a sua maneira de pensar, mas para a maneira de pensar de Deus.


Este é um grande ponto para reflexão e recuperação, muitos pastores vocacionados estão sendo enviados para o seminário com uma visão distorcida do ministério. Um dos meus conflitos como seminarista muitas vezes foi tentar conciliar aquilo que aprendi a luz das Escrituras na igreja local. Em alguns momentos percebi que a doutrina era desprezada em detrimento de um pragmatismo anti-bíblico, convivi com frases do tipo: “os irmãos não tem maturidade para ouvir isso, eles vão perder a fé e etc.”. Este é grande desafio que o pastor como teólogo público enfrenta: como fazer que a dona de casa, o médico, o pedreiro, o auxiliar de escritório compreendam o evangelho? Simplesmente pregando e ensinado todo o conselho de Deus!

Esta é a ordenança, o pastor deve ser apto ao ensino (1 Timóteo 3.2), ensinar a Bíblia é crucial para o trabalho pastoral, precisamos entender que lideramos usando o exemplo de Cristo e Cristo ensinava com autoridade, em Cristo encontramos a essência do ministério pastoral, vemos na pessoa de Cristo ensino e compaixão pelas pessoas. Jeramie Rinne[3] faz a seguinte observação em seu livreto:

O que é mesmo um pastor? A palavra grega poimen, traduzida por “pastor”, significa “aquele que apascenta/pastoreia”.  Poimen pode referir-se a quem apascenta em sentido literal, como pastores encontrados em nos campos, no relato natalino de Lucas. Com muito mais frequência, porém, poimen se refere a Jesus, nosso bom pastor. [...] Assim, o pastor é quem apascenta, e pastorear significa cuidar do rebanho. Não surpreende que o vocábulo português “pastor” provenha da palavra latina “pastor”, que significa... apascentador!

Voltando nosso pensamento para o Texto de Efésios 4.11 podemos concluir que pastor e mestre andam juntos para descrever um só ofício e papel. Os pastores devem ser pastores-mestres e servirem a igreja de Cristo, assim como um médico cuida da saúde de pessoas o pastor cuida da alma das pessoas ao cumprirem seu chamado, em nenhum momento a Bíblia desassocia doutrina e piedade, ensino e prática. A doutrina correta anda junta com a prática e a compaixão (ortodoxia, ortopraxia e ortopatia).

É neste ponto que destaco o papel da doutrina na vida do teólogo público. A doutrina é uma ajuda indispensável na caminhada da igreja em busca de maturidade e crescimento espiritual. A teologia não é apenas uma teoria abstrata e irreconciliável com a vida piedosa, precisamos entender que a piedade vem justamente com a doutrina correta aplicada em nosso cotidiano. Precisamos ensinar a igreja de Cristo que a doutrina permeará nossas atitudes e decisões éticas. A ética que ensinamos é a ética do reino de Deus e isto fara diferença substancial na vida dos santos e sua vivencia em comunidade.

Uma crítica que muito se ouve é que muitos pastores não vivem o que pregam.  É um ponto para pensarmos e avaliarmos: o que os crentes pensam de nós? Precisamos pautar nosso ministério no “De acordo com as Escrituras”, é claro que muitas vezes seremos acusados injustamente, o ponto que destaco aqui é a atitude de Neemias e o Cyril Barber faz a seguinte exortação em seu livro:[4]

[...] quando os inimigos de Neemias atacaram a sua pessoa ele sentiu instintivamente que estava perdendo o pulso da situação. Sua resposta, portanto, foi negar a acusação, entregar toda questão ao Senhor, e depender do fortalecimento divino para continuar a obra. Ela não gastou tempo tentando justificar-se. Levando os seus problemas ao Senhor em oração, deixando tudo nas suas mãos, ele preservou sua estabilidade emocional. Assim, ele estava apto a continuar com a construção e deixar para o Senhor a defesa de sua pessoa. Se ele não tivesse feito assim, teria gasto o resto do dia preocupado com os seus problemas... até que estes vencessem.

Em meio as críticas e acusações injustas deveremos ter compromisso com Deus e sua Palavra. O foco aqui não é a opinião pública e sim agradar o Senhor e fazer sua vontade. Muitos jovens pastores convivem com este problema, agradar a opinião de alguns membros da igreja ou a Deus, e aqui, mais uma vez me abrigo nas palavras do Vanhoozer:[5]

A teologia é uma ciência no sentido de que diz respeito ao conhecimento de Deus, mas talvez “ciência” não seja o melhor rótulo para descrever esse conhecimento ou a razão pela qual a doutrina é importante para os discípulos. No reino secular, ciência significa o domínio de algum campo resumido em um sistema de conhecimento. Saber alguma coisa cientificamente é ser capaz de controla-la, usá-la em nosso proveito. Ninguém “domina” o projeto de viver de forma abençoada com os outros perante Deus.

Este pensamento reflete bem as polaridades que muitos pastores vivem. Uns negligenciam o ensino doutrinário, pregam um evangelho humanista, antropocêntrico e abusam de sua autoridade. Por outro lado, outros se dobram ao sistema e opinião pública em detrimento de uma falsa piedade, é neste conflito que se perde totalmente a visão do que é o verdadeiro chamado do pastor-teólogo. Não fomos chamados para controlar as pessoas, fomos chamados para apascentar e ensinar. Como cumpriremos esta tarefa? Ensinando todo o conselho de Deus! Respondendo à pergunta inicial “deve o pastor ser teólogo?” Sim, deve. Aliás, para pastorear a igreja do Senhor é obrigatório ensinar.
Soli Deo Gloria!



[1] O neopentecostalismo ou terceira onda do pentecostalismo é um movimento sectário dissidente do evangelicalismo, que congrega denominações oriundas do pentecostalismo clássico ou mesmo das igrejas cristãs tradicionais.

[2] VANHOOZER, Kevin J. O pastor como teólogo público: recuperando a visão perdida. São Paulo, Ed. Vida Nova. 2016. p. 34.

[3] RINNE, Jeramie. Presbíteros: Pastoreando o povo de Deus como Jesus; Tradução Rogério Portela. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 39.

[4] BARBER, Cyril J. Neemias e a dinâmica da liderança eficaz. São Paulo: Vida, 2003, p. 90.

[5] VANHOOZER, Kevin J. Encenando o drama da doutrina: teologia a serviço da igreja; Tradução de A.G de Medeiros. São Paulo: Edições Vida Nova. 2016. p. 21.