Por Ronaldo Lidório
Neste
artigo pensaremos juntos sobre a relação do Espírito Santo com a obra
missionária, a clara ligação entre Sua manifestação em Atos 2 e Atos 13 e a
promoção da evangelização aos de perto e aos de longe.
Se olharmos o panorama mundial da Igreja evangélica
perceberemos que o crescimento evangélico foi 1.5 % maior que o Islã na ultima
década. O Evangelho já alcançou 22.000 povos nestes últimos 2 milênios. Temos a
Bíblia traduzida hoje em 2.212 idiomas. As grandes nações que resistiam o
Evangelho estão sendo fortemente atingidas pela Palavra, como é o caso da Índia
e China, que em breve deverão hospedar a maior Igreja nacional sobre a terra.
Um movimento missionário apoiado pela Dawn Ministry plantou mais de 10.000
igrejas-lares no Norte da Índia na última década, em uma das áreas
tradicionalmente mais fechadas para a evangelização. No Brasil menos
evangelizado como o sertão nordestino, o norte ribeirinho e indígena, e o sul
católico e espírita, vemos grandes mudanças na última década, com nascimento de
novas igrejas, crescimento da liderança local e um contínuo despertar pela
evangelização. No Brasil urbano a Igreja cresceu 267% nos últimos 10 anos.
Apesar dos diversos problemas relativos ao crescimento e algumas questões de
sincretismo que são preocupantes no panorama geral, vemos que o Evangelho tem
entrado nos condomínios de luxo de São Paulo e nos vilarejos mais distantes do
sertão, colocando a Palavra frente a frente com aquele que jamais a ouvira
antes. Há um forte e crescente processo de evangelização no Brasil.
Duas perguntas poderiam surgir perante este quadro:
qual a relação entre a expansão do Evangelho e a pessoa do Espírito Santo? E
quais os critérios para uma Igreja, cheia do Espírito, envolver-se com a
expansão do Evangelho do Reino?
Em uma macro-visão creio que esta relação poderia ser
observada em três áreas distintas, porém, inter-relacionadas: a essência da
pessoa do Espírito e Sua função na Igreja de Cristo; a essência da pessoa do
Espírito e Sua função na conversão dos perdidos; e por fim a clara ligação
entre os avivamentos históricos e o avanço missionário.
A essência da pessoa do Espírito e sua função na
Igreja de Cristo
Em Lucas 24 Jesus promete enviar-nos um consolador,
que é o Espírito Santo, e que viria sobre a Igreja em Atos 2 de forma mais
permanente. Ali a Igreja seria revestida de poder. O termo grego utilizado para
'consolador' é 'parakletos' e
literalmente significa 'estar ao lado'. É um termo composto por duas
partículas: a preposição 'para' - ao
lado de - e 'kletos' do verbo 'kaleo' que significa chamar. Portanto
vemos aqui a pessoa do Espírito, cumprimento da promessa, habitando a Igreja,
estando ao seu lado para o propósito de Deus.
Segundo John Knox a essência da função do Espírito
Santo é estar ao lado da Igreja de Cristo, fazê-la possuir a Face de Cristo e
espalhar o Nome de Cristo. Nesta percepção, O Espírito Santo trabalha para
fazer a Igreja mais parecida com seu Senhor e fazer o nome do Senhor da Igreja
conhecido na terra.
A essência da pessoa do Espírito
e sua função na conversão dos perdidos
Cremos que é o Espírito Santo quem convence o homem do
seu pecado.
O homem natural sabe que é pecador porém apenas com a
intervenção do Espírito ele passa a se sentir perdido. Há uma clara, e
funcional, diferença entre sentir-se pecador e sentir-se perdido. Nem todo
homem convicto de seu pecado possui consciência de que está perdido, portanto,
necessitado de redenção. Se o Espírito Santo não convencer o homem do pecado e
do juízo, nossa exposição da verdade de Cristo não passará de mera apologia
humana.
A Igreja plantada mais rapidamente em todo o Novo
Testamento foi plantada por Paulo em Tessalônica. Ali o apóstolo pregava a
Palavra aos sábados nas sinagogas e durante a semana na praça e o fez durante 3
semanas, nascendo ali uma Igreja. Em 1º Tess. 1:5 Paulo nos diz que o nosso
evangelho não chegou até vos tão somente em palavra (logia, palavra humana) mas
sobretudo em poder (dinamis, poder de
Deus), no Espírito Santo e em plena convicção (pleroforia, convicção de que lidamos com a verdade).
O Espírito Santo é destacado aqui como um dos três
elementos que propiciou o plantio da igreja em Tessalônica. Sua função na conversão
dos perdidos, em conduzir o homem à convicção de que é pecador e está perdido,
sem Deus, em despertar neste homem a sede pelo Evangelho e atraí-lo a Jesus é
clara. Sem a ação do Espírito Santo a evangelização não passaria de apologia
humana, de explicações espirituais, de palavras lançadas ao vento, sem público,
sem conversões, sem transformação.
Os avivamentos históricos e os movimentos missionários
Se observarmos os ciclos de avivamentos perceberemos
que a proclamação da Palavra torna-se uma consequência natural desta ação do
Espírito. Vejamos.
Fruto de um avivamento, a partir de 1730 John Wesley
durante 50 anos pregou cerca de 3 sermões por dia, a maior parte ao ar livre,
tendo percorrido 175.000 km a cavalo pregando 40.000 sermões ao longo de sua vida.
Fruto de um avivamento, em 1727 a Igreja moraviana
passa a enviar missionários para todo o mundo conhecido da época, chegando ao
longo de 100 anos enviar mais de 3.600 missionários para diversos países.
Fruto de um avivamento, em 1784, após ler a biografia
do missionário David Brainard, o estudante Wiliam Carey foi chamado por Deus
para alcançar os Indianos. Após uma vida de trabalho conseguiu traduzir a
Palavra de Deus para mais de 20 línguas locais e sua influência permanece ainda
hoje.
Fruto de um avivamento, em 1806, Adoniram Judson tem
uma forte experiência com Deus e se propõe a servir a Cristo, indo depois para
a Birmânia, onde é encarcerado e perseguido durante décadas, mas deixa aquele
país com 300 igrejas plantadas e mais de 70 pastores. Hoje, Myamar, a antiga
Birmânia, possui mais de 2 milhões de cristãos.
Fruto de um avivamento, em 1882 Moody pregou na
Universidade de Cambridge e 7 homens se dispuseram ao Senhor para a obra
missionária e impactaram o mundo da época. Foram chamados "os 7 de Cambridge",
que incluía Charles Studd (sua biografia publicada no Brasil chama-se "O
homem que obedecia"). Foi para a África, percorreu 17 países e pregou a
mais de meio milhão de pessoas. Fundou A Missão de Evangelização Mundial (WEC
International) que conta hoje com mais de 2.000 missionários no mundo.
Fruto de um avivamento, em 1855 Deus falou ao coração
de um jovem franzino e não muito saudável para se dispor ao trabalho
transcultural em um país idólatra e selvagem. Vários irmãos de sua igreja
tentavam dissuadi-lo dizendo: "para
que ir tão longe se aqui na América do Norte há tanto o que fazer?"
Ele preferiu ouvir a Deus e foi. Seu nome é Simonton (1833-1867) que veio ao
nosso país e fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Fruto
de um avivamento, em 1950, no Wheaton College cerca de 500 jovens foram
chamados para a obra missionária ao redor do mundo. E obedeceram. Dentre eles
estava Jim Elliot que foi morto tentando alcançar a tribo Auca na Amazônia em
1956. A partir de seu martírio houve um grande avanço missionário em todo o
mundo indígena, sobretudo no Equador. Outro que ali também se dispôes para a
obra missionária foi o Dr Russel Shedd que é tremendamente usado por Deus em
nosso país até o dia de hoje.
Tendo em mente, nesta macroestrutura, os três níveis
de relação entre o Espírito Santo e as Missões, podemos observar alguns valores
bíblicos sobre este tema, revelados em Atos 2, durante o Pentecoste.
O Pentecoste e as Missões
O Espírito Santo é a pessoa central no capítulo 2 de
Atos e Lucas é justamente o autor sinóptico que mais fala sobre Ele utilizando
expressões como "ungido" pelo Espírito, ou "poder" do
Espírito ou ainda "dirigido" pelo Espírito (Lc 3:21; 4:1, 14, 18)
demonstrado que na teologia Lucana o Espírito Santo era realmente o 'Parakletos' que viria.
O Pentecoste, dentre todas as festas judaicas, era,
segundo Julius, o evento mais frequentado e acontecia sob clima de reencontros
já que judeus que moravam em terras distantes empreendiam nesta época do ano
longas jornadas para ali estar no quinquagésimo dia após a páscoa.
Chegamos ao momento do Pentecoste. Fenômenos estranhos
aos de fora e incomuns à Igreja aconteceram neste momento e a Palavra os resume
falando sobre um som como "vento impetuoso" (no grego 'echos', usado
para o estrondo do mar); "línguas como de fogo" que pousavam sobre
cada um, "ficaram cheios do Espírito Santo" e começaram a falar
"em outras línguas". Lucas fecha a descrição do cenário com a
expressão no verso 4: "segundo o Espírito lhes concedia".
Outras línguas. O texto no versículo 4 utiliza o
termos eterais glossais para afirmar
que eles falaram em outras glosse,
línguas, expressão usada para línguas humanas, idiomas. Mas, a fim de não
deixar dúvidas, no versículo 8, o texto nos diz que cada um ouviu em sua
"própria língua" usando aqui o termo dialekto que se refere aos dialetos ali presentes. As línguas
faladas, e ouvidas, portanto eram línguas humanas e não línguas angelicais,
neste texto em particular, no Pentecoste. Mas onde ocorreu o milagre? Naquele
que falou ou nos ouvidos dos que ouviram? É possivel que tenha sido nos ouvidos
dos que ouviram pois a mensagem, pregada, foi compreendida idia dialekto - no próprio dialeto de cada um. O certo, porém, é
que Deus atuou sobrenaturalmente a fim de que a mensagem do Cristo vivo fosse
compreendida, clara e nitidamente, por todos os ouvintes.
Em meio a este momento atordoante (vento, fogo, som,
línguas) o improvável acontece. Aquilo que seria apenas uma festa espiritual
interna para 120 pessoas chega até as ruas. O caráter missiológico do evangelho
é exposto. O Senhor com certeza já queria demonstrar desde os primeiros minutos
da chegada definitiva do Espírito sobre a Igreja que este poder ? dinamis de Deus - não havia sido
derramado apenas para um culto cristão restrito, a alegria íntima dos salvos ou
confirmação da fé dos mártires.
O plano de Deus incluía o mundo de perto e de longe em
todas as gerações vindouras e nada melhor do que aquele momento do Pentecoste
quando 14 nações, ali presentes e, no meio desta balbúrdia da manifestação de
Deus, cada uma - miraculosamente - passou a ouvir o Evangelho em sua
própria língua.
Era o Espírito Santo mostrando já na sua chegada para
o que viria: conduzir a Igreja a fazer Cristo conhecido na terra. Em um só
momento Deus fez cumprir não apenas o "recebereis poder" mas também o
"sereis minhas testemunhas". A Igreja revestida nasceu com uma
missão: testemunhar de Jesus.
Daí muitos se convertem e a Igreja passa de 120
crentes para 3.000, e depois 5.000. Não sabemos o resultado daqueles
representantes de 14 povos voltando para suas terras com o Evangelho vivo e
claro, em sua própria língua, mas podemos imaginar o quanto o Evangelho se
espalhou pelo mundo a partir deste episódio. Certamente o primeiro grande
movimento de impacto transcultural da Igreja revestida.
No verso 37 lemos que, após o sermão de Pedro, em que
anuncia Cristo, "ouvindo eles estas coisas, compugiu-se-lhes o
coração" e o termo usado aqui para compungir vem de katanusso, usado para uma "forte ferroada" ou ainda uma
dor profunda que faz a alma chorar". A Palavra afirma que "naquele
dia foram acrescentadas quase três mil almas". O Espírito Santo usando o
cenário do Pentecoste para alcançar homens de perto e de longe.
Podemos retirar daqui algumas conclusões bem claras.
Uma delas é que a presença do Espírito Santo leva a mensagem para as ruas, para
fora do salão e alcança apenas pelos quais o sangue de Cristo foi derramado.
Desta forma é questionável a maturidade espiritual de qualquer comunidade
cristã que se contente tão somente em contemplar a presença do Senhor. A
presença do Espírito, de forma genuína, incomoda a Igreja a sair de seus
templos e bancos. A Não se contentar tão somente com uma experiência cúltica
aos domingos. A procurar, com testemunho Santo e uso da Palavra de Deus, fazer
Cristo conhecido aos que estão ao seu redor.
Havia naquele lugar, ouvindo a Palavra de Deus através
de uma Igreja revestida de Poder pelo Espírito Santo, homens de várias nações
distantes, judaizantes, além de judeus de perto, que moravam do outro lado da
rua. De terras distantes, o texto, Atos 2: 9 a 11, registra que havia
"nós, partos, medos, e elamitas; e os que habitamos a Mesopotâmia, a
Judéia e a Capadócia, o Ponto e a Ásia, a Frígia e a Panfília, o Egito e as
partes da Líbia próximas a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como
prosélitos, cretenses e árabes-ouvímo-los em nossas línguas, falar das
grandezas de Deus". Uma Igreja revestida do Espírito deve abrir seus olhos
também para os que estão longe, além-barreiras, além-fronteiras, nos lugares
improváveis, onde Cristo gostaria que fôssemos.
Que efeitos objetivos na construção do caráter da
Igreja produziu a presença marcante e transformadora do Espírito?
A ação do Espirito Santo não
produz uma Igreja enclausurada
Esta Igreja cheia do Espírito Santo passa a crescer
onde está e em Atos 8 o Senhor a dispersa por todos os cantos da terra. E diz a
Palavra que, "os que eram dispersos iam por toda parte pregando a
Palavra". Vicedon nos ensina que uma Igreja cheia do Espírito é uma igreja
missionária, proclamadora do Evangelho, conduzida para as ruas.
A ação do Espírito Santo não produz uma Igreja
segmentada
Após a ação do Espírito sobre os 120, depois 3.000,
depois 5.000, não houve segmentação, divisão, grupinhos na comunidade.
Certamente eles eram diferentes. Alguns preferiam adorar a Deus no templo,
outros de casa em casa. Alguns mais formais, judeus e judaizantes, outros bem
informais, gentios. Alguns haviam caminhado com Jesus. Outros não o conheceram
tão de perto. Mas esta Igreja possuía um só coração e alma, como resultado
direto do Espírito Santo. Competições, segmentações, grupinhos, portanto, são
uma clara demonstração de carnalidade e necessidade de busca de quebrantamento
e entrega a ação do Espírito na vida da Igreja.
A ação do Espírito Santo não produz uma Igreja
autocentrada
Certamente uma Igreja que havia experimentado o poder
de Deus, de forma tão próxima e visível, seria impactada pelo sobrenatural.
Porém, quando a ação sobrenatural é conduzida pelo Espírito Santo a única
pessoa que se destaca é Jesus, a única pessoa exaltada é Jesus, a única que
aparece com louvores é Jesus. Esta Igreja que experimentou o Espírito no
Pentecoste passa, de forma paradoxal, a falar menos de sua própria experiência
e mais da pessoa de Cristo. O egocentrismo eclesiástico não é compatível com as
marcas do Espírito.
Creio, assim, que nossa herança provinda do Pentecoste
precisa nos levar a sermos uma Igreja nas ruas (não enclausurada), uma Igreja
Cristocêntrica com amor e tolerância entre os irmãos (não segmentada ou
partidária), uma Igreja cuja bandeira é Cristo, não ela mesma (não
egocêntrica), e por fim uma Igreja proclamadora, que fala de Cristo perto e
longe. Que as marcas do Pentecostes continuem a se manifestar entre nós.
***
Fonte: guiame.com.br