Por Samuel Alves
Pode parecer absurda minha pergunta, eu
reconheço! Após ler alguns livros do Kevin J. Vanhoozer fiquei regozijado e ao
mesmo tempo um senso de responsabilidade surgiu. Comecei a refletir sobre o
papel do pastor - principalmente como um teólogo público. O pastor evangélico é
um homem que transita em todas as esferas da sociedade e se expressa
teologicamente, este homem de Deus dá respostas, expõe as Escrituras e
transmite todo o conselho de Deus. Criou-se uma caricatura de que pastor é um
ser alienado, alguém que não estuda, que sequer sabe se expressar verbalmente e
que a religião desse pastor é apenas experiencial e sensitiva. É claro que não se
deve generalizar, a grande questão é que a algumas igrejas compraram esta
ideia, principalmente as igrejas neopentecostais[1].
Para os neopentecostais só interessa a experiência, é evidente o desprezo pela
doutrina. Já cansei de ouvir frases do tipo: “A letra mata, doutrina esfria a fé, o mais importante é a unção e etc.”.
Todo esse conceito envolvido em uma dose de pragmatismo leva muitos pastores a reverem
seu papel como teólogo público e negociarem a fé, por este motivo muitos
pastores parecem administradores e marqueteiros da fé. Neste tempo de onde o
pastor é tido com uma pessoa irrelevante volto meu olhar para a Bíblia e vejo
que Deus deu pastores a sua igreja (Efésios 4.11). Mas quem são estes homens que
Deus deu a igreja e o que Deus espera deles? Esta é a pergunta que deve estar
em nossa discussão, vivemos uma crise existencial e isto faz muitas vezes
alguns líderes desprezarem seu chamado enquanto outros abusam de sua autoridade.
O Vanhoozer[2] faz uma
citação excelente sobre este homem que Deus deu a igreja:
Eis o paradoxo central: o pastor é uma
figura pública que não deve fazer nada para o próprio benefício, que não deve
falar com o objetivo de atrair atenção para si, mas para longe de si – ao
contrário da maioria das celebridades contemporâneas. O pastor deve apresentar
alegações de verdade com o objetivo de ganhar pessoas não para a sua maneira de
pensar, mas para a maneira de pensar de Deus.
Este é um grande ponto para reflexão e
recuperação, muitos pastores vocacionados estão sendo enviados para o seminário
com uma visão distorcida do ministério. Um dos meus conflitos como seminarista
muitas vezes foi tentar conciliar aquilo que aprendi a luz das Escrituras na
igreja local. Em alguns momentos percebi que a doutrina era desprezada em
detrimento de um pragmatismo anti-bíblico, convivi com frases do tipo: “os irmãos não tem maturidade para ouvir isso,
eles vão perder a fé e etc.”. Este é grande desafio que o pastor como
teólogo público enfrenta: como fazer que a dona de casa, o médico, o pedreiro,
o auxiliar de escritório compreendam o evangelho? Simplesmente pregando e
ensinado todo o conselho de Deus!
Esta é a ordenança, o pastor deve ser
apto ao ensino (1 Timóteo 3.2), ensinar a Bíblia é crucial para o trabalho
pastoral, precisamos entender que lideramos usando o exemplo de Cristo e Cristo
ensinava com autoridade, em Cristo encontramos a essência do ministério
pastoral, vemos na pessoa de Cristo ensino e compaixão pelas pessoas. Jeramie
Rinne[3]
faz a seguinte observação em seu livreto:
O que é mesmo um pastor? A palavra
grega poimen, traduzida por “pastor”,
significa “aquele que apascenta/pastoreia”.
Poimen pode referir-se a quem
apascenta em sentido literal, como pastores encontrados em nos campos, no
relato natalino de Lucas. Com muito mais frequência, porém, poimen se refere a Jesus, nosso bom
pastor. [...] Assim, o pastor é quem apascenta, e pastorear significa cuidar do
rebanho. Não surpreende que o vocábulo português “pastor” provenha da palavra
latina “pastor”, que significa... apascentador!
Voltando nosso pensamento para o Texto
de Efésios 4.11 podemos concluir que pastor e mestre andam juntos para
descrever um só ofício e papel. Os pastores devem ser pastores-mestres e
servirem a igreja de Cristo, assim como um médico cuida da saúde de pessoas o
pastor cuida da alma das pessoas ao cumprirem seu chamado, em nenhum momento a
Bíblia desassocia doutrina e piedade, ensino e prática. A doutrina correta anda
junta com a prática e a compaixão (ortodoxia, ortopraxia e ortopatia).
É neste ponto que destaco o papel da
doutrina na vida do teólogo público. A doutrina é uma ajuda indispensável na
caminhada da igreja em busca de maturidade e crescimento espiritual. A teologia
não é apenas uma teoria abstrata e irreconciliável com a vida piedosa,
precisamos entender que a piedade vem justamente com a doutrina correta
aplicada em nosso cotidiano. Precisamos ensinar a igreja de Cristo que a
doutrina permeará nossas atitudes e decisões éticas. A ética que ensinamos é a
ética do reino de Deus e isto fara diferença substancial na vida dos santos e
sua vivencia em comunidade.
Uma crítica que muito se ouve é que
muitos pastores não vivem o que pregam.
É um ponto para pensarmos e avaliarmos: o que os crentes pensam de nós?
Precisamos pautar nosso ministério no “De
acordo com as Escrituras”, é claro que muitas vezes seremos acusados
injustamente, o ponto que destaco aqui é a atitude de Neemias e o Cyril Barber
faz a seguinte exortação em seu livro:[4]
[...] quando os inimigos de Neemias
atacaram a sua pessoa ele sentiu instintivamente que estava perdendo o pulso da
situação. Sua resposta, portanto, foi negar a acusação, entregar toda questão
ao Senhor, e depender do fortalecimento divino para continuar a obra. Ela não
gastou tempo tentando justificar-se. Levando os seus problemas ao Senhor em
oração, deixando tudo nas suas mãos, ele preservou sua estabilidade emocional.
Assim, ele estava apto a continuar com a construção e deixar para o Senhor a
defesa de sua pessoa. Se ele não tivesse feito assim, teria gasto o resto do
dia preocupado com os seus problemas... até que estes vencessem.
Em meio as críticas e acusações
injustas deveremos ter compromisso com Deus e sua Palavra. O foco aqui não é a
opinião pública e sim agradar o Senhor e fazer sua vontade. Muitos jovens
pastores convivem com este problema, agradar a opinião de alguns membros da
igreja ou a Deus, e aqui, mais uma vez me abrigo nas palavras do Vanhoozer:[5]
A teologia é uma ciência no sentido de
que diz respeito ao conhecimento de Deus, mas talvez “ciência” não seja o
melhor rótulo para descrever esse conhecimento ou a razão pela qual a doutrina
é importante para os discípulos. No reino secular, ciência significa o domínio de algum campo resumido em um sistema
de conhecimento. Saber alguma coisa cientificamente é ser capaz de controla-la,
usá-la em nosso proveito. Ninguém “domina” o projeto de viver de forma
abençoada com os outros perante Deus.
Este pensamento reflete bem as
polaridades que muitos pastores vivem. Uns negligenciam o ensino doutrinário,
pregam um evangelho humanista, antropocêntrico e abusam de sua autoridade. Por
outro lado, outros se dobram ao sistema e opinião pública em detrimento de uma
falsa piedade, é neste conflito que se perde totalmente a visão do que é o
verdadeiro chamado do pastor-teólogo. Não fomos chamados para controlar as
pessoas, fomos chamados para apascentar e ensinar. Como cumpriremos esta
tarefa? Ensinando todo o conselho de Deus! Respondendo à pergunta inicial “deve
o pastor ser teólogo?” Sim, deve. Aliás, para pastorear a igreja do Senhor é
obrigatório ensinar.
Soli Deo Gloria!
[1] O neopentecostalismo ou terceira onda do pentecostalismo é
um movimento sectário dissidente do evangelicalismo, que congrega denominações
oriundas do pentecostalismo clássico ou mesmo das igrejas cristãs tradicionais.
[2] VANHOOZER, Kevin J. O pastor como teólogo público:
recuperando a visão perdida. São Paulo, Ed. Vida Nova. 2016. p. 34.
[3] RINNE, Jeramie. Presbíteros: Pastoreando o povo de Deus
como Jesus; Tradução Rogério Portela. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 39.
[5] VANHOOZER, Kevin J. Encenando o drama da doutrina: teologia
a serviço da igreja; Tradução de A.G de Medeiros. São Paulo: Edições Vida Nova.
2016. p. 21.