Por Thiago Oliveira
Considero o Pacto de
Lausanne um documento ortodoxo e de grande valia para o segmento evangelical.
Todavia, lamento que o conceito de missão integral tenha sido capturado por
cristãos ditos progressistas que têm um alinhamento político-ideológico com os
setores da esquerda. Isto fere a própria tradição de Lausanne, pois em Junho de
1980 a Consulta de Pattaya se posicionou contrária ao marxismo, vendo-o como um
sistema concorrente do cristianismo e, em seu bojo, anticristão. Na ocasião, pastores
do leste europeu - bloco socialista liderado pela extinta URSS - escreveram aos
irmãos ocidentais:
"Nosso temor é que a igreja de outros países fiquem alheias aos
problemas do marxismo e insensíveis ao fato de que, ao nosso ver, elas estão
colaborando com pessoas desta filosofia que nos oprime. Assim como procuramos
ser sensíveis à preocupação de tais cristãos com a verdadeira justiça social em
favor dos pobres, também pedimos que as igrejas de outros países compreendam como
nós nos sentimos quando elas mantém conversações com os marxistas. (...)
Poderiam as prioridades marxistas virem a ser reordenadas de tal maneira que o
interesse pela justiça social no setor baixo-econômico tivesse preeminência
sobre a eliminação da religião?"
O relatório extraído desta
consulta foi publicado com o título “Evangelho e o Marxista”, e o trecho
supracitado se encontra na página 35. Nessa consulta, também estavam pastores e
líderes latino-americanos que falavam acerca da pobreza e de uma possível
práxis conjunta entre evangélicos e marxistas para diminuir as injustiças
sociais. Tais líderes são os pioneiros da conhecida Teologia da Missão Integral
(TMI). Nota-se que aqueles cristãos que viviam oprimidos pela imposição do
marxismo, no leste europeu, ficaram preocupados com o resultado desta
proximidade, mesmo sabendo que a pauta para tal aproximação era nobre (o
cuidado com os pobres). Hoje, diante de alguns fatores, podemos dizer que eles
estavam certos ao fazer determinada ressalva, pois, vemos muitos proponentes da
TMI convivendo com ideias e com pessoas oriundas do pensamento marxista sem
fazer as devidas críticas ou, ao menos, estabelecer as diferenciações de suas
pautas.
Recentemente, a revista
Cristianismo Hoje, em sua edição de número 52 trouxe como matéria de capa o seguinte
assunto: "Missão Integral, Missão de Deus". A matéria é propagandista
e diz que a TMI já contribuiu e tende a contribuir muito para a igreja
brasileira. O texto evoca os princípios do Pacto de Lausanne e salienta que
evangelização e ação social devem andar de maneira conjunta. Ela ainda dá a
entender que as críticas feitas a TMI que a associam as ideias marxistas são
infundadas. O pastor americano Timothy Carriker, disse que fazer tal associação
é algo "tão absurdo que eu tenho
muita dificuldade de levar a sério". Mas como não entender se um dos
seus principais expoentes diz que para interpretar a Bíblia usa os óculos que
possuem os postulados marxistas da mais-valia e da luta de classes? Essa é uma
fala do Ariovaldo Ramos registrada em vídeo.
O mesmo Ariovaldo que escreveu e leu o manifesto pró-governo com a cobertura da
mídia oficial do Partido dos Trabalhadores.
Obviamente que ele não representa todos os proponentes da TMI, mas, no mínimo,
dada a importância do Ariovaldo, isso evidencia que muitos vão seguindo pelo
mesmo caminho. Sendo assim, qual a dificuldade de entender quem tece uma
crítica sobre o abraço da TMI aos pressupostos de Marx?
Como se não bastasse,
vemos por aqui cantor esquerdista que vai palestrar numa ONG que é influenciada
pela TMI,
além de outras pautas progressistas que ferem a Escritura e que são defendidas
por quem hoje se diz adepto da missão integral. A coisa é tão séria que
decidiram não relançar o documento de Pattaya, alegando que a conjuntura
sócio-política mudou. Mas algo que esqueceram de refletir é que ainda existem
cristãos em países socialistas que são perseguidos e mortos. A Coréia do Norte há
anos encabeça a lista dos países perseguidores do evangelho. Como diz o
documento: "Os marxistas estão
plenamente convencidos de seu ateísmo e, consequentemente, uma boa parte de seu
pensamento está destinada a erigir-se em antítese
do cristianismo" (p.11, grifo meu).
Que as dezenas de milhares
de cristãos mortos e torturados
por governos pautados em princípios marxistas possam gritar para que alguns dos
proponentes da TMI acordem para o fato de que não podem conciliar o ethos evangélico com os escritos de
Marx, Engels e os que lhes sucederam. Que eles sejam sensíveis ao que seus “irmãos
do passado” levantaram e, atentem para não colaborar com uma ideia que oprime
seus “irmãos de agora” em outras partes do mundo. Cito novamente o documento de
Pattaya: "O marxismo é uma filosofia
e um programa. Como um todo, é fundamental e incontornavelmente ateu. Por esta razão, notamos no conceito
'marxista cristão' uma contradição de termos" (p.22, grifo meu).
Por fim, acredito que a
missão cristã deve ser holística (ou integral, como queiram), e deve alcançar o
homem todo. Mas, infelizmente, o termo foi maculado com uma aproximação
irresponsável entre o evangelho e uma corrente ideológica. Eu, por hora o tenho
abandonado. Faço minhas as palavras do Kevin Vanhoozer: "Os pastores precisam vacinar o corpo de
Cristo contra toxinas idólatras, infecções ideológicas e outras formas de
ensinamento falso".
Quando fazem o oposto disso, o prejuízo doutrinário não pode ser maquiado pelas
boas ações e intenções.