Por Thomas Magnum
Introdução
Ao
tratarmos de ideologia, tratamos - sem sombra de dúvida - do estabelecimento de
uma cosmovisão que pretende exercer domínio sobre um grupo, religião,
sociedade, país ou meramente sobre o indivíduo no claustro de si e dominado
pela ideia de domínio do que o cerca por meio da construção e do empreendimento
engenhoso de um conjunto de ideias e discursos autorrealizáveis beirando a
profecia “auto-cumprível”.
Notemos que a ideologia como dizia Marx
é um vestido
de ideias que procura estabelecer um contorno determinante e
religiosamente seguido para o sucesso do que foi planejado. Vemos com isso que
a ideologia exerce então certa dosagem de engenharia da ideia.
Idea
+ Logos = Telos
Tratando de ideologia, discorremos
sobre o vislumbre[1] e
cumprimento de ideias estabelecidas, pois, ideologia nos fala de discurso das
ideias. O logos, nos fala de articulação lógica das ideias. No sentido
político, a ideologia é uma articulação lógica do que se pretende alcançar e
fazer. Toda ideologia visa um telos, e para que esse telos
tenha sucesso no cumprimento, ele precisa de meios e anteriormente precisa-se
de ter um a priori, um pressuposto. O
telos
é o propósito último de uma ideia, discurso, doutrina, religião, ou qualquer
que seja o ponto onde está centrado o discurso, todo discurso tem um objetivo,
ainda que o objetivo seja não ter objetivo.
A
Lógica na Ideologia
Temos aqui claramente a lei da
contradição, um discurso não visa não pretender nada, isso é lógica (logos), a
lógica pretende organizar, dinamizar e apontar para um tipo de bem a ser
alcançado com o discurso, ainda que esse bem não seja para ambos – emissor e
receptor. O projeto do discurso lógico na ideologia visa o cumprimento da
lógica, lógica estabelecida pela ideia, que pretende chegar ao telos.
Diz Olavo de Carvalho: Uma
ideologia é, por definição, um simulacro de teoria científica. É, segundo a
correta expressão do próprio Marx, um "vestido de ideias" que encobre
interesses ou desejos[2].
Ainda dentro do universo ideológico concebe-se que
A estrutura interna
do pensamento ideológico caracteriza-se pela compressão forçada da realidade
para dentro de uma única dimensão, portanto pela recusa ou proibição de
examinar os fatos e aspectos que não caibam no padrão escolhido[3].
A
Estrutura Fundacional de uma Ideologia
É verdade que a ideologia monta-se em bases pseudoverdadeiras. Há falsificação de no
discurso com o fim de manobrar as circunstâncias para uma montagem
circunstancial que promova o cumprimento do ideal proposto no logos teleológico[4].
Em geral os
fundadores de uma ideologia sabem que ela é objetivamente falsa. Não a defendem
porque creem que ela descreve acuradamente a realidade, mas porque esperam que,
se um número suficiente de pessoas acreditar no que dizem, a conduta delas se
tornará mais previsível e manipulável na direção desejada. Toda ideologia é
nesse sentido uma profecia autorrealizável: ela visa a criar as próprias
condições sociais e psicológicas que lhe darão retroativamente uma aparência de
veracidade. Mas no fundo a ambição dos ideólogos fundadores é transcender a
distinção de aparência e realidade, fazendo com que esta copie tão bem aquela
que se torne indiscernível dela e acabe por se transformar nela efetivamente.
Essa ambiguidade inata do pensamento ideológico escapa geralmente à quase
totalidade dos seus aderentes e seguidores, sendo uma espécie de segredo
originário bem guardado pelos fundadores e só acessível, em cada geração, a uma
reduzida elite de seus discípulos mais talentosos e clarividentes[5].
Ideologia,
Soteriologia e Escatologia
Dadas as condições
acima mencionadas para formulação da ideologia temos então um quadro
interessante a ser analisado e ponderado com profunda observação não apenas por
um prisma da filosofia política como por um prisma da teologia política que vai
estabelecer uma base divergente no processo de exposição do bem-estar humano em
contraparte com as tentativas da ideologia. A ideologia vai propor uma esperada
redenção que somente se dará através da adesão ao discurso e a luta para tal
instauração ideológica. A ideologia irá exigir um posicionamento no que se
refere ao espectro do discurso lógico que se deflagra um “evangelho” boas novas
para oprimidos e grupos minoritários, que em muitos casos se transforma de
oprimido para opressor, logo a lógica da ideologia é de domínio soberano e
aniquilação do inimigo que se opõe ao discurso escatológico da pauta em
questão. Ainda nos diz Koyzis:
[...] vejo as
ideologias como tipos modernos do fenômeno perene da idolatria, trazendo em seu
bojo suas próprias teorias sobre o pecado e a redenção. Desde o início de sua
narrativa, a Escritura denuncia o culto aos ídolos, falsos deuses que os seres
humanos criaram. Como as idolatrias bíblicas, cada ideologia se fundamenta no
ato de isolar um elemento da totalidade criada, elevando-o acima do resto da
criação e fazendo com que esta orbite em torno desse elemento e o sirva. A
ideologia também se fundamenta no pressuposto de que esse ídolo tem a
capacidade de nos salvar de um mal real ou imaginário que há no mundo[6].
Ideologia
Política e Imaginação Totalitária
A política é alvo da construção
ideológica e assim compreendida de forma errada, o que era para ser voltado
para o bem comum começa a girar em torno de uma facção, um grupo que articula
ideologicamente para estabelecer centros de poder dominante na sociedade assim
foi com os regimes socialistas na China, Alemanha e Rússia, para citar alguns
países. Razzo nos diz que:
A relação entre os
conceitos de política e de imaginação pode gerar uma variedade de modos de
compreensão e abrir uma série interessante de perspectivas a respeito do seu
significado. Quando vinculada à política, toda compreensão corre o risco de se
tornar ideológica na medida que se reduz a variedade da compreensão a uma
unidade inequívoca, a partir da qual se presume
ser a única forma – correta e inegociável – de atividade política[7].
Toda construção
ideológica é uma caricatura e uma distorção do cristianismo. A ideologia
perpetra uma redução da realidade, a ideologia se fundamenta cumprível”.
Portanto há na ideologia uma soteriologia que emana do discurso axiomático que
ela se vale por seu pressuposto salvífico imaginário. Com isso também se vale a
ideologia de uma escatologia autocriada e buscada pela guerra cultural e
ideológica. Como então pode um cristão aderir ideologias?
Percebamos que a
construção de uma ideologia transita por fatores religiosos, temos estabelecida
uma guerra de questões não apenas políticas, mas metafisicas e teológicas. A
realidade e o futuro são objetos do empenho ideológico. O Cristianismo não
convive com isso. O Cristianismo é exclusivista e possui uma cosmovisão
particular e reinante. Toda ideologia é quebra do primeiro e segundo
mandamentos do decálogo. É a divinização de um ídolo e a reconfiguração de uma
adoração a ele. É um rompimento com o mandamento de adoração e submissão àquele
que governa soberanamente.
Ideologia e Domínio
Pelo que já vimos até aqui fica
evidente que a intensão última da ideologia é o domínio de ideias contrárias a
ela, estabelecendo métodos de centralização e atração de poder para si. A
ideologia acaba agindo de forma totalitária tomando e estabelecendo princípios
para toda a vida humana individual e em sociedade. Podemos fazer uma
ligação teológica interessante no que se refere aos axiomas.
Axiomas – Ontológico e Epistemológico
A ideologia vai lidar com axiomas,
quando esta estabelece um axioma ontológico que se refere ao ser, ela obstrui
e substitui a divindade, ou seja, temos no cristianismo dois axiomas básicos
para a compreensão filosófica da fé cristã e como isso se desenvolve no âmbito
da teologia e da filosofia política por um prisma cristão. O axioma ontológico
do cristianismo é Deus. O axioma epistemológico do cristianismo é a Escritura.
A ideologia vai substituir esses axiomas, estabelecendo uma nova fundamentação
filosófica que perpasse a vida humana e redima os flagelos e moléstias sociais.
Temos então uma clara estabilização de falsos deuses para uma cosmovisão. Por
isso toda ideologia é idolatria.
Conclusão
Os fundamentos da
ideologia não são apenas filosóficos, são religiosos. A busca por soluções
redentoras e escatológicas ultrapassam os limites da função da política no
mundo. A ideologia é uma violação explicita dos dois primeiros mandamentos do
decálogo o que é idolatria.
[1] No
conceito de ideia temos uma busca e uma mentalização do algo que ainda não é. A
idealização gera o vislumbre, o vislumbre e a idealização são inevitavelmente
fundamentados por axiomas ontológicos e epistemológicos. O que vai intermediar
a ideia entre os axiomas são as pressuposições.
[2]
http://www.olavodecarvalho.org/semana/confronto.htm
[3]
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070910dc.html
[4]
O termo que uso por logos teleológico refere-se a um discurso que se esmera a
uma finalidade de cabal cumprimento, via de regra a luta para que esse
cumprimento ocorra procede de regimes totalitários.
[5] http://www.olavodecarvalho.org/semana/070910dc.html
[6]
Koyzis, David. Visões e Ilusões
Políticas. 2014. São Paulo, ed. Vida Nova, p.18.
[7]
Razzo. Francisco. A Imaginação
Totalitária. Ed. Record, Rio de Janeiro. 2016, p.9.