“Toda arte que eu faço, todo som entoado, não é mais que uma grande vontade de Te conhecer”.
Marcos Almeida
Quando comecei meus estudos musicais, ainda adolescente, ficava
impressionado com a seriedade que amigos não cristãos levavam seus estudos, e a
disciplina e a rotina tanto nas tarefas de teoria musical, exercícios de leituras
de partituras, como no estudo prático do instrumento. Lembro-me que tive uma
professora de ética profissional no antigo Centro de Criatividade Musical do
Recife, onde estudei guitarra, ela dizia que o músico deve valorizar seu
trabalho, deve dedicar-se aos estudos com afinco e seriedade, deve ser um
pesquisador, deve amar aquilo que faz. Essas palavras ficaram em minha mente
durante muitos anos. Tive professores cristãos e não cristãos, mas, o que
também me chamava atenção é que havia alguns que estudavam apenas para se
sustentarem e outros que, além disso, tinham uma paixão perceptível naquilo que
faziam.
Diante desse quadro, sempre me questionei o motivo pelo qual os músicos
cristãos não levam o estudo tão a sério como os não cristãos. Alguns desses
motivos para mim foram claros desde o começo. Alguns músicos cristãos acham que
não precisam de esmero para o trabalho musical na igreja, que o básico é
suficiente. Alguns músicos cristãos acham que para tocar na igreja não é
necessário ser um “virtuose”, concordo
com essa afirmativa, no entanto, ao observarmos alguns textos bíblicos
encontramos descrições no mínimo curiosas da Palavra de Deus sobre o trabalho
do músico, vejamos:
"Cantai-lhe um cântico novo; tocai bem e com júbilo".
Salmos33:3
"Então disse Saul aos seus servos: Buscai-me, pois, um
homem que toque bem, e trazei-mo".
1 Samuel 16:17
Ora, estamos diante de dois textos da Palavra de Deus que nos mostram
que tocar bem faz parte de um louvor piedoso, a correta execução, a excelência
e a maestria no instrumento, é algo bom. O culto ao Senhor tem um caráter
artístico também, me entenda, não me refiro a artístico do ponto de vista
exibicionista, mas, a beleza faz parte do sagrado. Lemos no Antigo Testamento
claramente sobre a ornamentação do tabernáculo e do templo, existia arte ali.
Vejamos o que diz acerca de um homem que foi dotado por Deus para a arte:
Depois falou o SENHOR a Moisés, dizendo: Eis que eu tenho chamado por nome a Bezalel, o filho de Uri,
filho de Hur, da tribo de Judá, E o enchi do Espírito de Deus, de
sabedoria, e de entendimento, e de ciência, em todo o lavor, Para elaborar projetos, e trabalhar em ouro, em prata,
e em cobre, E em lapidar pedras para engastar, e em entalhes de madeira,
para trabalhar em todo o lavor.
Êxodo 31:1-5
Percebamos que Deus zela por beleza, se não fosse assim, na criação do
mundo em Gênesis, Ele não teria dito depois da criação que aquilo era bom e ao
fim que era muito bom. Deus é a fonte de toda beleza, a sua santidade é bela,
seu caráter é belo, sua majestade é bela. Devemos dar importância a beleza no
culto. A beleza não deve ser a finalidade do nosso trabalho na música, mas, um
meio pela qual ansiamos que Deus seja glorificado.
Nosso trabalho musical deve ter um magnificat.
Evidentemente o culto solene não há espaço para um exibicionismo por parte de
instrumentistas e cantores. É necessário que se entenda que o objetivo do
louvor comunitário não é um recital onde admiramos e contemplamos a sublimidade
e as cores sonoras, onde navegamos num mar de sons e ritmos, onde nossa
imaginação é permeada por uma elevação através dos sons. Quero deixar claro que
defendo que no meio cristão devemos ter esses momentos, música é cultura e pode
ser alta cultura. Por isso, é necessário termos bons músicos cristãos para que
através de seu trabalho sejamos edificados em vários aspectos – espiritual,
intelectual, culturalmente. Mas a música no culto deve ser simples, veja bem,
simples não é simplória. A música sacra deve ser empregada com zelo e fervor.
Meu objetivo nesse texto não é tratar do debate sobre música sacra ou
contemporânea no culto.
Ao olharmos para J.S. Bach, por exemplo, temos alguém que desejava
glorificar a Deus com sua música. Não sou a favor de criarmos guetos
evangélicos, devemos mostrar nosso trabalho musical de forma expressiva, com
qualidade, com uma construção excelente em nosso fazer música, a arte foi
criada por Deus. Volto a dizer que os músicos cristãos precisam compreender que
o culto público é direcionado a Deus, ali não é um momento de virtuosidade
instrumental ou vocal, os cânticos cúlticos devem ser escolhidos primeiro por
sua importância bíblica e teológica e sua melodia, harmonia, tonalidade,
expressividade espiritual para que toda a congregação cante. No culto não
devemos ter “apresentações” de grupos, devemos ter louvor congregacional.
Não discordo em criarmos ambientes e programações como recitais,
cantatas, workshops sobre canto coral, quartetos, instrumentais e coisas do
tipo, devemos ter essas programações, somos também uma comunidade cultural e
podemos fazer muito bem a igreja com essas programações e muito bem à
comunidade em que a igreja está plantada. Entretanto, devemos ter cuidado com o
excesso de “oportunidades” em nosso culto solene, não estamos no culto para
assistirmos apresentações, mas, para cultuar, juntos.
Lembro-me que quando comecei a tocar, sempre observei amigos que tocavam
meu instrumento nas igrejas e via que muitos deles achavam que estavam num show
de Rock, com solos mirabolantes e na linguagem guitarrística: "fritando as
notas". Muitos deles até tiravam de ouvido solos de guitarristas famosos e
colocavam nos hinos que eram cantados no culto.
Penso que devemos nutrir um saudável trabalho musical, dentro das
igrejas temos bons músicos, o problema é que muitos deles querem ser tratados
como astros de rock. O exercício artístico alimenta a vaidade, por isso músicos
cristãos devem estar atentos as motivações do seu coração. Temos sérias
dificuldades para músicos sobreviverem de sua arte em nosso país, na verdade
isso não é privilégio dos músicos, mas de artistas de forma geral. No entanto,
o grande problema é que muitos que começam tocando para glória de Deus acabam
se vendendo para meios “artísticos” inadequados. Não sou contra o exercício
profissional de músicos cristãos, mas, convenhamos que existem situações e ambientes
que são claramente inadequados para alguém que quer viver os ensinos bíblicos.
Como um cristão que se diz compromissado com as Escrituras pode tocar numa
boate gay? Como poderia estar em ambientes de prostituição, drogas e todo tipo
de malignidade? A fé em Cristo deve ser maior que nossas ambições e
necessidades, qual é a real necessidade de fazer tal trabalho em ambientes de
degradam o evangelho de Jesus?
Onde está a beleza da arte num quadro assim? Fico contente quando vejo
gente comprometida com Cristo e dedicados a sua arte musical, querem
glorificar a Deus com seu trabalho, seja na igreja, numa orquestra ou
trabalhando como músicos de estúdio.
Devemos ter um pensamento artístico pautado por uma cosmovisão
Teorreferente, uma visão criacional, cristã, e que tenha Cristo como ponto
convergente para nossa atividade artística.
A música é uma atividade espiritual, é uma tentativa de tocar o sublime,
é contemplação, ou pelo menos deve ser. Isso só pode ser feito com uma visão
cristocêntrica que mostra o sublime. Evidentemente estamos tratando de um
contexto cristão e uma abordagem cristã da música. Portanto, Ele deve ser o
centro da arte, sua beleza deve ser enaltecida nela, sua graça e santidade devem
ser louvadas, seu Ser deve ser o alvo de nossa contemplação pelo menos do que
temos revelado em sua Palavra. A música não deve ser tratada com somenos
importância nem por líderes da igreja e nem por músicos. Deus requer de nós
glória para Si, somente ele é digno, somente ele é merecedor de nosso louvor.
Tanto a letra, como a execução musical são importantes no momento de prestarmos
a Ele nossa arte.
O músico cristão deve ter em mente em seu trabalho artístico, a grandeza
de um Deus Criador, Redentor e Soberano sobre tudo e todos. Por isso, uma boa
formação musical para àqueles que têm um dom voltado à arte, não é somente
técnica, mas, também deve ser bíblica, teológica. Para que tenham uma visão
centrada em Deus, dirigida por sua Palavra e por meio do Seu Espírito.
Para concluirmos vejamos o que nos diz o texto sagrado sobre a
preparação e educação de um músico.
E Davi, juntamente com os capitães do exército, separou
para o ministério os filhos de Asafe, e de Hemã, e de Jedutum, para
profetizarem com harpas, com címbalos, e com saltérios; e este foi o número dos
homens aptos para a obra do seu ministério: Dos filhos de Asafe: Zacur,
José, Netanias, e Asarela, filhos de Asafe; a cargo de Asafe, que profetizava
debaixo das ordens do rei Davi. Quanto a
Jedutum, os filhos: Gedalias, Zeri, Jesaías, Hasabias, e Matitias, seis, a
cargo de seu pai, Jedutum, o qual profetizava com a harpa, louvando e dando
graças ao Senhor. Quanto a
Hemã, os filhos: Buquias, Matanias, Uziel, Sebuel, Jerimote, Hananias, Hanani,
Eliata, Gidalti, Romanti-Ezer, Josbecasa, Maloti, Hotir, e Maaziote. Todos estes foram filhos de Hemã, o vidente do rei nas
palavras de Deus, para exaltar o seu poder; porque
Deus dera a Hemã catorze filhos e três filhas. Todos estes estavam sob a direção de seu pai, para a
música da casa do Senhor, com saltérios, címbalos e harpas, para o ministério
da casa de Deus; e Asafe, Jedutum, e Hemã, estavam sob as ordens do rei. E era o número deles, juntamente com seus irmãos
instruídos no canto ao Senhor, todos eles mestres, duzentos e oitenta e oito.
1 Crônicas 25:1-7
Veja no trecho sublinhado que eles eram mestres, e não somente isso,
estavam na direção de seu pai Hemã para a música na casa de Deus. Deus seja
louvado em nossa música, em nosso trabalho, em nossa dedicação e que Deus não
seja ignorado em nosso empenho de igual modo no estudo de sua Palavra.
Adoração, arte, beleza não podem estar dissociados do sagrado. Alimentemos uma
vida de piedade cristã em nosso trabalho artístico.
Soli Deo Gloria
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* Texto publicado originalmente no site Cante as Escrituras