Por Thiago Oliveira
Falar
sobre o Calvinismo sem abordar a história dos Puritanos é inviável. Este grupo,
muitas vezes depreciado – injustamente – possui um lugar especial na
historiografia eclesiástica. Nomes como o de John Knox, John Owen, Jonathan
Edwards, Richard Baxter, George Whitefield e João Bunyan estão associados ao
puritanismo, assim como os Catecismos e a Confissão de Westminster, documentos
importantes da ortodoxia protestante, adotados por Igrejas Reformadas de todo o
mundo.
Há
quem pinte o retrato dos Puritanos como pessoas legalistas, austeras, egoístas,
intolerantes e até hipócritas. Todavia, C. S. Lewis nos fornece uma ótica
totalmente diferente:
Devemos
imaginar estes Puritanos como o extremo oposto daqueles que se dizem puritanos
hoje, imaginemo-los jovens, intensamente fortes, intelectuais, progressistas,
muito atuais. Eles não eram avessos à bebidas com álcool; mesmo à cerveja, mas
os bispos eram a sua aversão’. Puritanos fumavam (na época não sabiam dos efeitos
danosos do fumo), bebiam (com moderação), caçavam, praticavam esportes, usavam
roupas coloridas, faziam amor com suas esposas, tudo isto para a glória de
Deus, o qual os colocou em posição de liberdade. (...) [Os primeiros puritanos
eram] jovens, vorazes, intelectuais progressistas, muito elegantes e
atualizados ... [e] ... não havia animosidade entre os puritanos e humanistas.
Eles eram freqüentemente as mesmas pessoas, e quase sempre o mesmo tipo de
pessoa: os jovens no Movimento, os impacientes progressistas exigindo uma
“limpeza purificadora”. [1]
Esse
perfil arrojado, progressista, em nada se assemelha com a ideia do senso comum,
que até se utiliza do termo “puritano” num sentido absolutamente pejorativo. Sãos
estes jovens que iniciam o puritanismo com um ímpeto, pode se dizer,
revolucionário. Contudo, não foi um movimento fugaz, foi algo robusto, e isso é
fruto da imensa estima nutrida pelas Sagradas Escrituras. Como diz Packer
[1996]:
O
Puritanismo era, acima de tudo, um movimento em favor da Bíblia. Para os
Puritanos, a Bíblia era realmente a mais valiosa possessão no mundo. Suas mais
profundas convicções eram que a reverência a Deus leva à reverência à Bíblia, e
que servir a Deus significa obedecer a Bíblia. No parecer deles, pois, não pode
haver insulto maior ao Criador do que negligenciar sua Palavra escrita; e, por
outro lado, não pode haver um mais autêntico ato de homenagem a Deus do que
prezar a Bíblia e estudá-la cuidadosamente, e então vivenciar os seus
ensinamentos e anunciá-los. Uma intensa veneração pelas Escrituras, como a
Palavra viva do Deus vivo, e um devotado interesse em saber e cumprir tudo
quanto ela prescreve eram o selo de autenticidade do Puritanismo.
A
Origem do puritanismo está ligada a insatisfação religiosa. A Igreja Anglicana,
sob a batuta do monarca da Inglaterra gerou uma série de abusos teológicos e
morais. Foi com o intento de terminar a reforma da igreja inglesa que os
puritanos se levantaram. A administração e a liturgia muito próxima do
catolicismo fez com que aqueles que viam a Genebra de Calvino como modelo
ideal, torcer o nariz para aquilo que tinha aspecto de uma “reforma pela
metade”. Foi na regência de Elizabeth I (século XVI) que o nível de
insatisfação aumentou, pois a nomeação dos bispos tornou-se um mecanismo
meramente político. Logo, a insatisfação religiosa passou a ser uma
insatisfação política, acentuada com a chegada dos Stuart’s ao poder.
Começou-se a questionar se uma autoridade secular poderia ter tanto poder no
governo da Igreja.
O
questionamento acerca do poder do regente sobre a Igreja foi o mote para o
espírito republicano, e em seguida, laico, dos puritanos. Eles eram
intelectuais que ajudaram no desenvolvimento da democracia moderna. Seu
engajamento político desembocou numa forte conscientização social. Era comum
nos sermões puritanos a ênfase no auxílio aos mais pobres. A assistência social
para os puritanos era um gesto que evidenciava o “novo nascimento”. Praticar a
caridade era um ato de gratidão e não a busca pelo mérito. Por isso, tendo o
amor ao próximo como preceito, o puritanismo via nas ações individuais uma
maior eficácia do que no assistencialismo institucionalizado. Na verdade, havia
o receio de que a caridade indiscriminada produzisse preguiçosos vivendo à
custa do Estado.
É
essa parte da História que precisa ser resgatada. A cosmovisão puritana tem
muito que ensinar a igreja de nossa era. O legado doutrinário é imensurável,
todavia, no puritanismo vemos a aplicabilidade da teologia calvinista. Não
basta saber a doutrina correta, é preciso viver essa doutrina e fazer da sua
conduta um instrumento para glorificar a Deus. Se o que é costumeiramente
chamado Calvinismo for o Evangelho puro e simples, e nada mais que isso, temos
que praticá-lo.
Soli
Deo Gloria.
[1]
Citado por Franklin Ferreira na revista Fides Reformata 4/1 (1999).
LLOYD-JONES. D.M. Os Puritanos: Suas origens e seus sucessores. São Paulo. Editora PES, 1993.
PACKER, J.I. Entre os Gigantes de Deus. São José dos Campos/SP. Editora Fiel, 1996.