Por Jen Wilkin
A segunda coisa que deixei
de trás para frente em minha abordagem bíblica foi a crença de que meu coração
deveria guiar meu estudo. O coração, conforme é dito nas Escrituras, é a sede
da vontade e das emoções. Ele é a nossa “antena” e o nosso “tomador de decisões”.
Deixar meu coração guiar o meu estudo significava buscar a Bíblia para me fazer
sentir de determinada maneira quando eu a lesse. Eu queria que ela me desse
paz, conforto ou esperança. Queria que ela fizesse com que eu me sentisse mais
perto de Deus. Queria que ela me desse garantias em relação a escolhas
difíceis. Devido ao fato de eu querer que a Bíblia se comprometesse com as
minhas emoções, gastava pouco tempo em livros como Levítico ou Números e muito
tempo em livros como os Salmos e os Evangelhos.
A Bíblia nos ordena a amar
a Deus com todo o nosso coração (Marcos 12.30). Quando dizemos que amamos a
Deus com todo o nosso coração, queremos dizer que o amamos totalmente, com
nossas emoções e com a nossa vontade. Ligar as nossas emoções à nossa fé é algo
que acontece, até certo ponto, de modo natural para nós mulheres - falando de
forma geral, sabemos como ser emotivas sem muita orientação. Se pensarmos no
coração como a sede de nossas emoções e de nossa vontade, faz sentido nos
aproximarmos com tanta frequência da Palavra de Deus perguntando: “Quem eu
sou?” e “O que devo fazer?” Essas duas perguntas tratam exclusivamente do
coração. E falamos com frequência na igreja sobre como o cristianismo é uma
religião do coração - de como Cristo entrou em nosso coração, de como
precisamos de uma mudança de coração. É correto falar do cristianismo dessa
maneira, mas não exclusivamente dessa maneira.
Curiosamente, o mesmo
versículo que nos ordena amar a Deus com todo o nosso coração também nos ordena
a amá-lo com toda a nossa mente. A nossa mente é a sede do nosso intelecto.
Ligar o nosso intelecto à nossa fé não acontece naturalmente para a maioria de
nós. Vivemos num tempo em que a fé e a razão são tidas como pólos opostos. Por
vezes, até a igreja adota esse tipo de linguagem. Para algumas de nós, a
intensidade da nossa fé é medida através do quão perto nos sentimos de Deus em
determinado momento - de como o sermão nos fez sentir, de como o coral de
adoração nos fez sentir, de como a nossa hora silenciosa nos fez sentir.
Escondido nesse pensamento, está um desejo sincero de compartilhar um profundo
relacionamento com um Deus pessoal, mas sustentarmos nossas emoções pode ser
exaustivo e frustrante. A mudança de circunstâncias pode derrubar nossa
estabilidade emocional em um instante. A nossa “caminhada com o Senhor” pode se
parecer mais com uma volta de montanha-russa, com picos e vales, do que com um
caminho reto onde vales e montanhas foram nivelados.
Seria isso a consequência
de termos deixado as coisas de trás para frente? Ao pedirmos para que o nosso
coração dirigisse a nossa mente, será que adquirimos voluntariamente um
ingresso para uma volta de montanha-russa? A menos que viremos as coisas para o
lado certo, deixando a mente encarregada do coração, podemos estar numa longa e
desenfreada volta.
Pedir para que a nossa
mente venha antes do coração soa quase como não espiritual, não é mesmo? Mas
observe a maneira como as Escrituras falam sobre o papel da mente:
Em relação ao
arrependimento: “[Se eles] se converterem a ti de todo o seu coração e de toda
a sua alma, na terra de seus inimigos [...] ouve tu nos céus, lugar da tua
habitação, a sua prece e a sua súplica...” (1 Reis 8.48-49).
Em relação a buscar a
Deus: “Disponde, pois, agora o coração e a alma para buscardes ao SENHOR, vosso
Deus” (1 Cr 22.19).
Em relação a buscar a paz:
“Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em
ti” (Is 26.3
– ARC).
Em relação à adoração
correta: “Porque, se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a
minha mente fica infrutífera. Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas
também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a
mente” (1 Co 14.14-15).
Em relação à compreensão
das Escrituras: “A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos
falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está
escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então [ele] lhes abriu o
entendimento para compreenderem as Escrituras” (Lucas 24.44-45).
Em relação à
transformação: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela
renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e
perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2).
Não passe correndo por
cima da verdade fundamental que você acabou de ler em Romanos 12.2-3. O que o
cristão quer desesperadamente não é transformação de vida e o conhecimento da
vontade de Deus? Nesses versículos, Paulo afirma inequivocamente como nós
podemos obtê-los: pela renovação da nossa mente - não do nosso coração.
Durante anos, tentei amar
a Deus com o meu coração em detrimento da minha mente, sem reconhecer minha
necessidade de crescer no conhecimento do “Eu sou”. Qualquer estudo sistemático
da Bíblia parecia mecânico, até mesmo um pouco como um ato de falta de fé ou um
reconhecimento de que a percepção que o Espírito Santo me dava durante a hora
silenciosa não era suficiente para mim. Mas eu estava deixando escapar uma
verdade importante: que o coração não pode amar aquilo que a mente não conhece.
Essa é a mensagem de Romanos 12.2-3 - não que a mente sozinha atinja a
transformação, mas o caminho para a transformação passa da mente para o
coração, e não o contrário.
A comunidade científica
tem observado essa conexão da mente vindo antes do coração. Paul Bloom, um
professor de Yale, com PhD em psicologia cognitiva, é especializado na pesquisa
sobre o prazer - o estudo de como nós, seres humanos, desenvolvemos a
capacidade de obter prazer por meio das pessoas, experiências e coisas. Ele
descobriu, trabalhando em sua pesquisa, que o prazer não acontece simplesmente,
ele se desenvolve. E a forma como ele se desenvolve é uma questão digna de
nota: “As pessoas me perguntam: ‘Como conseguir mais prazer na vida?’ E minha
resposta é extremamente pedante: Estude mais... A chave para apreciar um vinho
não é apenas beber avidamente uma grande quantidade de vinhos caros, mas é
aprender a respeito dos vinhos”.
Bloom descobriu que o
prazer resulta do fato de obtermos conhecimento a respeito do objeto de nosso
prazer, e não, conforme poderíamos supor, de simplesmente experimentarmos esse
objeto vez após vez. De maneira específica, nosso prazer em alguma coisa aumenta
quando aprendemos sua história, sua origem e sua natureza mais profunda. Isso é
relevante principalmente para os cristãos. Somos chamados para sermos um povo
que se deleita no Senhor, que pode dizer com convicção: “na tua destra [há]
delícias perpetuamente” (Sl 16.11). Muitas entre nós se identificam prontamente
com o chamado para o hedonismo cristão. No entanto, lutamos diariamente para
viver como pessoas cujo maior prazer está em Deus. Se Bloom estiver certo,
encontrar maior prazer em Deus não será consequência do fato de buscarmos mais
experiências com ele, mas de o conhecermos melhor. Será consequência de
estudarmos a divindade.
Pense sobre um
relacionamento, um bem ou algo que lhe interesse que lhe dê muito prazer. Como
você desenvolveu esse prazer? Quer você seja apaixonado por arte moderna, pela
conservação do seu carro, por seu cônjuge, por nutrição, educação ou futebol,
meu palpite é que você tenha ficado assim por aprender acerca do objeto da sua
paixão - e que seu prazer cresceu à medida que o seu conhecimento também
cresceu.
O casamento talvez seja o
exemplo mais óbvio desse processo. A maioria das pessoas se casa com base em
pouquíssima informação. Você já observou isso? Arriscamos o nosso futuro com
base num conhecimento relativamente pequeno, em grande parte devido ao ímpeto
das emoções que nos atingem durante a fase de namoro. Nós nos casamos,
inundados de sentimentos de amor por nosso cônjuge, mas sabendo bem pouco sobre
ele no âmbito mais abrangente. Esses sentimentos iniciais de amor também
definham ou se aprofundam, dependendo de como os nutrimos. Olhando para trás,
após vinte anos de casamento, posso dizer com honestidade que amo meu marido
exponencialmente mais do que o amava no dia de nosso casamento. Por quê? Porque
tenho feito um estudo sobre ele, e ele, sobre mim. O fato de conhecê-lo fez com
que meu amor por ele aumentasse. No dia do nosso casamento, eu desconfiava que
ele seria um bom pai, um trabalhador dedicado e um ouvinte fiel, mas, vinte
anos mais tarde, eu soube que ele é isso tudo. Meu amor por ele cresceu à
medida que o meu conhecimento sobre ele também cresceu.
Agora, pense em seu
relacionamento com Deus à luz desse exemplo. A maioria das pessoas chegam à fé
com base em pouca informação. Compreendemos que precisamos de perdão e graça, e
somos conduzidos ao reino em uma onda de emoções profundas. Mas possuímos
apenas um pequeno senso sobre aquele que nos trouxe para si mesmo. Desconfiamos
que ele seja todas as coisas boas, mas ainda não fizemos um estudo sobre ele.
Como uma esposa recém-casada, chegamos ao fim da fase de lua-de-mel e começamos
a questionar como iremos sustentar e nutrir esse relacionamento.
A resposta está em
conhecermos Deus, em amá-lo com a nossa mente. Jamais a expressão “conhecê-lo é
amá-lo” foi tão verdadeira. À medida que crescemos no conhecimento do caráter
de Deus por meio do estudo de sua Palavra, não podemos fazer outra coisa senão
crescer em um amor exponencialmente mais profundo por ele. Isso explica por que
Romanos 12.2 diz que somos transformados pela renovação da nossa mente.
Passamos a compreender quem é Deus e somos transformados - nossas afeições se
desapegam das coisas inferiores e se apegam a ele. Se quisermos sentir um amor
mais profundo por Deus, temos que aprender a vê-lo mais claramente pelo que ele
é. Se quisermos ter um relacionamento mais profundo com Deus, temos que
aprender a pensar mais profundamente sobre Deus.
Considere outra
ilustração: se eu dissesse que amo piano e que tenho um grande contentamento em
tocá-lo, como você poderia descobrir se meus sentimentos a respeito do piano
são verdadeiros ou não? É simples. Apenas me peça para tocar para você. Uma
pessoa que ama de verdade tocar piano se disciplina para estudar piano. Por
meio da aplicação de muita disciplina mental, sua proficiência em tocar - e,
consequentemente, seu amor por tocar - crescerão e serão aprimorados.
O coração não ama aquilo
que a mente não conhece. Sim, é pecado adquirir conhecimento pelo simples
conhecimento, mas adquirir conhecimento acerca daquele a quem amamos, com o
propósito de amá-lo com mais profundidade, sempre será bom para a nossa
transformação. Devemos amar a Deus com a nossa mente, permitindo que o nosso
intelecto instrua as nossas emoções, em vez do contrário.
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Fonte: trecho do livro
Mulheres da Palavra de Jen Wilkin, lançamento de Março de 2015 da Editora Fiel.