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25 de mar. de 2016

O Corpo Partido de Cristo

Por Thomas Watson

Isto é o meu corpo (Mt 26.26)

O corpo partido de Cristo, que nos é exibido no sacramento, nos inspira a refletir:

O corpo de Cristo foi partido?

Então podemos visualizar o odioso pecado no espelho vermelho dos sofrimentos de Cristo. Na verdade, o pecado deve ser abominado por haver expulsado Adão do Paraíso e lançado anjos no inferno. O pecado é o interruptor da paz; é como um incendiário na família, o qual põe esposo e esposa em desavença; faz Deus ficar contra nós. O pecado é o ventre de nossas dores e o túmulo de nossos confortos.

Mas aquilo que pode mais que tudo desfigurar o rosto do pecado e fazê-lo parecer horripilante, é que ele crucificou nosso Senhor; ele se tornou um véu para a glória de Cristo e fez jorrar seu sangue.

Se uma mulher viu a espada que matou seu marido, quão odiosa ela será à vista dela! Acaso consideraríamos aquele pecado que fez a alma de Cristo “profundamente triste até a morte” (Mc 14.34)? Acaso nos seria motivo de júbilo aquilo que fez o Senhor Jesus Cristo “um homem de dores” (Is 53.53)? Acaso ele não clamou: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27.46)? Acaso esqueceríamos aquele pecado que fez Cristo esquecer-se de si mesmo? Oh, que olhemos para o pecado com profunda indignação!

Quando uma tentação vem trazer pecado, digamos como Davi: “Guarda-me, Senhor, de fazer tal coisa; beberia eu o sangue dos homens que foram com risco de sua vida?” (2Sm 23.17). então, digamos, acaso não é este pecado que derramou o sangue de Cristo? Que nossos corações se encham de fúria contra o pecado. Quando os senadores de Roma exibiram ao povo o manto ensanguentado de César, o povo se enfureceu contra aqueles que o mataram. O pecado dilacerou o alvo manto do corpo de Cristo e o tingiu da cor carmesim; busquemos ser vingados de nossos pecados. Sob a lei, se um boi chifrasse um homem, de modo que morresse, esse boi tinha de ser morto (Êx 21.28). O pecado transpassou e escorneou nosso Salvador: que ele seja morto. Que lamentável seria se ainda tivesse direito a viver aquilo que não permitiu que Cristo vivesse.

Façamos este uso de seu sofrimento na cruz, para aprendermos a não nos maravilharmos muito se nos depararmos com tribulações no mundo. Cristo sofreu quando “não conheceu nenhum pecado”? Acaso achamos estranho o sofrer de quem nada sabe senão pecar? Cristo sentiu a ira de Deus? Acaso é exagero sentirmos a ira dos homens? A cabeça seria coroada de espinhos e os membros jazeriam entre rosas? Desfrutaríamos de nossos braceletes e diamantes enquanto Cristo sentiu a lança e os pregos perfurando seu coração? De fato os que são culpados devem esperar os açoites, mas aquele que era inocente não pôde sair livre.

Um emprego adicional da doutrina do sacramento é o exercício da exortação. Ocupar-nos-emos das seções desta matéria em boa parte do que vem a seguir.

O precioso corpo de Cristo foi partido por nós? Deixemo-nos afetar com a imensa bondade de Cristo.

Quem pode esmagar estes carvões em brasa, sem que seu coração arda? Quem não bradaria com Inácio: “Cristo, meu amor, foi crucificado!”? Se um amigo morresse por nós, nosso coração não seria profundamente afetado por sua bondade? Que o Deus do céu morresse por nós, como esta estupenda mercê não nos influenciaria com a máxima ternura?

O corpo de Cristo partido é suficiente para quebrantar o coração mais empedernido. Na paixão de nosso Senhor, as próprias pedras foram fendidas: “fenderam-se as pedras (Mt 27.51). Aquele que não sentir-se afetado por isto tem um coração mais duro que as pedras. Se Saul não deixou de perceber a mercê de Davi em poupar sua vida (1Sm 24.16), como poderíamos não nos deixar afetar pela benignidade de Cristo, que poupou nossa vida com a perda da sua? Oremos para que, assim como Cristo foi “cruci-fixus”, também sejamos “cordi-fixus” – como ele foi “cravado” na cruz, igualmente seja ele “cravado” em nosso coração.

Jesus Cristo nos é espiritualmente exibido no sacramento? Então demos-lhe o máximo valor e estima.

Valorizemos o corpo de Cristo. Cada partícula deste pão da vida é precioso: “Minha carne é verdadeira comida” (Jo 6.55). É “o excelente Pão que transcende a substância”, no dizer de Cipriano.

O maná foi um vívido tipo e emblema do corpo de Cristo. O maná era doce: “era como semente de coentro branco, e seu sabor como bolos de mel” (Êx 16.31). Era um alimento delicioso; por isso foi chamado “comida dos anjos” (Sl 78.25), por sua excelência.Assim Cristo, o maná Sacramental, é doce às almas dos crentes: “seu fruto é doce ao meu paladar” (Ct 2.3). Tudo em Cristo é doce – seu Nome é doce, suas virtudes são doces. Este “Maná” adoça “as águas de Mara”.

Não só isso, a carne de Cristo excede o maná:

i. O maná era uma comida, porém somente física. Se os israelitas ficassem doentes, o maná não poderia curá-los; mas este bendito maná do corpo de Cristo é não só alimento, mas também medicina. “O corpo de Cristo é medicina para os doentes” (Bernardo).

Cristo traz “cura em suas asas” (Ml 4.2). Ele cura o olho cego e o coração empedernido. Leve esta medicina para bem perto de seu coração e você será curado de todos os destemperos espirituais.

ii. O maná era corruptível. Ele cessou quando Israel entrou em Canaã; mas este bendito maná do corpo de Cristo jamais cessará. Os santos se alimentarão com infinito deleite e satisfação da alma, em Cristo, para toda a eternidade. Os júbilos celestiais cessariam se este maná cessasse.

O maná foi posto na arca em um vaso de ouro, para que fosse preservado ali. Assim o bendito maná do corpo de Cristo, sendo posto no vaso de ouro da natureza divina, é depositado na arca celestial para os santos festejaram para sempre. Então, podemos dizer que o bendito corpo de Cristo “é verdadeira comida”.

“Na plenitude do corpo de Cristo, que desce da cruz, encontramos a pérola da salvação”.

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Extraído da obra "A Ceia do Senhor", Editora Os Puritanos. 

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