O respeitável Pr. Ciro
Sanches publicou ontem, em seu blog, um texto que tem o seguinte título: Romanos 9 é a criptonita dos
defensores do livre-arbítrio? (leia aqui). Sua abordagem é uma
tentativa de fazer com que a doutrina arminiana do livre-arbítrio não seja
vilipendiada toda vez que um calvinista apelar para o pensamento paulino
contido no capítulo nono da Epístola aos Romanos. Confesso que é uma empreitada
um tanto quanto inútil essa do Pr. Ciro, todavia, já que ele se propôs a
executá-la, acabei cedendo a indicação de um amigo para escrever algo em
resposta ao artigo supracitado.
Antes de qualquer coisa,
gostaria de dizer que não sou inimigo do Pr. Ciro e o considero um irmão em
Cristo, apesar de sustentar que a sua soteriologia é equivocada e até mesmo
prejudicial à sã doutrina. No entanto, por entender que a inserção no Corpo de
Cristo é algo misteriosamente gracioso, compreendo que algumas divergências
teológicas não podem ser usadas como apontamentos para se afirmar que fulano ou sicrano são salvos ou não – a não ser, obviamente, aquelas questões que envolvem a apostasia. Por isso, reitero a
irmandade em Cristo Jesus com o nobre pastor e procurarei ser respeitoso ao
replicar o seu escrito. Serei firme em meus apontamentos, o que não caracterizará um desrespeito.
O título desta réplica faz referência a duas obras conhecidas do Pr. Ciro, ambas publicadas pela CPAD. Portanto, elenquei quatro erros que ele e os adeptos do arminianismo devem evitar.
Erro
nº 1: Insinuar que a predestinação só é sustentável isolando Romanos 9
Pois bem, o primeiro
equívoco do Pr. Ciro ocorre ao insinuar que apenas isolando Romanos 9 é que se
fundamenta a predestinação em detrimento da escolha humana. Mas, isso não é
verdade. Toda a carta vai de encontro à ideia de que o homem só é salvo após
escolher ou rejeitar a oferta de Cristo. Lemos em Romanos 8.28-30 algo que não
deixa dúvidas de como a eleição é um ato soberanamente administrado por Deus:
“Sabemos
que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram
chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu,
também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que
ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também
chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também
glorificou”.
É notória a tentativa
arminiana de transformar esse texto numa defesa do sinergismo, pois dizem que
os escolhidos nesse contexto foram aqueles que Deus anteviu que dariam uma
resposta positiva ao seu chamado. O versículo 28 é enfático: Deus chama segundo
o seu propósito. Não tem referência alguma a resposta humana. Ele o quer, Ele o
faz. O versículo 30 diz que é Deus quem predestina, quem chama, quem justifica
e quem glorifica. O trabalho é monergístico. O chamado é eficaz. O que
argumentam os arminianos é que no versículo 29 o termo conheceu corrobora com a
presciência. Mas, não é este o significado do termo. Conhecer significa amar,
se relacionar. A inconsistência em afirmar que a eleição se pauta na visão
futura de Deus das nossas escolhas, além de não encontrar respaldo bíblico,
fere a lógica.
Deixe-me explicar melhor a
questão: Se Deus ao criar todas as coisas, trouxe tudo a existência de acordo
com o seu decreto, obviamente sabia todo o desenrolar da História e decretou
que o mundo surgisse e seguisse o curso que Ele soberanamente, idealizou, vizualizou
e determinou. Logo, se alguém crê em
Cristo ou o nega, isto se dá por determinação divina. Ou será que existe alguém acima de Deus que
possa fazer algo contrário àquilo que Ele decretou? Se o SENHOR conhece o
futuro, e de fato conhece, vendo quem teria fé ou não, está mais do que claro
que tal fé é resultante daquilo que Ele orquestrou desde a Eternidade. Seria possível
que algum homem subvertesse a ordem das coisas e mudasse o futuro que Deus
certamente conhece, pegando-O de surpresa? Ademais, a eleição na perspectiva
monergística é encontrada em diversos outros textos bíblicos para além de
Romanos 9. A eleição incondicional é ensinada por Cristo (Jo 6.44 e 15.16) e
pelos apóstolos (At 13.48, 2 Ts 2.13, Tg 1.18 e 1 Pe 1.1). Dentre uma
infinidade de versículos, destaco o mais belo, em minha opinião, Efésios 1.4:
“Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos
santos e irrepreensíveis em sua presença”.
Erro
nº 2: Afirmar o que a Escritura não afirma apenas para defender uma corrente
teológica
Um ensino com base na
especulação não deve ser levado a sério. Bem pior é quando a especulação é
levantada para tentar destruir algo que já está solidificado, o resultado disso descamba para a desonestidade intelectual. Os versículos 20 à
22 de Romanos 9 claramente dizem que Deus, o Oleiro, fez vasos de ira para a
destruição. Da mesma substância, uns são destinados à salvação e outros a
perdição. É isso que o apóstolo Paulo diz claramente. E por ser vontade de
Deus, ao homem não compete reclamar. Assim como o oleiro faz o que bem quiser
com os vasos, Deus tem autoridade para governar o destino humano para a vida e
para a morte. Por isso que o apóstolo diz: “Mas
quem é você, ó homem, para questionar a Deus?”. Insinuar que Deus é injusto
por causa da eleição incondicional é sinal de impiedade. Pois, Deus faz todas
as coisas para o louvor da Sua glória, e isso inclui eleição e reprovação.
O Pr. Ciro parece não se
contentar com a recomendação paulina. Ele vai afirmar que os vasos de ira “são
objetos da ira divina porque se recusam a se arrepender”. Daí eu pergunto:
onde é que Paulo diz isso? Os vasos de ira são feitos para este fim. Não existe
nenhum argumento paulino que respalde essa interpretação de que é a obstinação
que torna os vasos objetos do divino furor. O Pr. Ciro alega que a paciência
que Deus teve com eles (v.22) elucida a questão, pois, Deus estava esperando
que eles se arrependessem. Mas, é isto que diz o apóstolo? De maneira nenhuma!
Paulo salienta que o motivo pelo qual o SENHOR não destruiu os ímpios de uma
vez foi para manifestar as riquezas da Sua glória aos que são seus - aqueles
que foram preparados de antemão para a glória (v. 23). Tal como Deus não
destruiu faraó logo de início, pois, com as pragas consecutivas a misericórdia
para com os hebreus, povo eleito, se manifestou entre os egípcios, de igual
modo Deus procede com os ímpios. E se alguém ainda tem dúvida de que o ímpio
foi criado para este fim, basta ler Provérbios 16.4: “O Senhor faz tudo com um propósito; até os ímpios para o dia do castigo”.
Este é o ensino apostólico. Este é o ensino bíblico. Quer discutir predestinação
com Deus? Quer sentenciá-lo segundo seus padrões de justiça? Você pode
questionar Aquele que é a fonte da tua capacidade de questionar? Vá em frente,
só não espere se dar bem com isso.
Erro
nº 3: Reverberar um argumento que é nitidamente fraco e descabido
Um dos argumentos mais
fracos da soteriologia arminiana é a de que eleição existe na Bíblia, mas é corporativa
e não individual. O Pr. Ciro é mais um que faz uso disso, ao afirmar que a
sentença “Amei a Jacó e odiei Esaú” não trata de indivíduos, mas sim de dois
povos. Não podemos negar o caráter
corporativo da eleição, uma vez que a Igreja é a Senhora Eleita (2 Jo 1). Contudo,
é absurdo negar o fato incontestável de que todo o corpo é a soma dos
indivíduos. Quando aprendemos sobre Conjuntos, ainda nos primeiros anos escolares, sabemos que onde não existe nada é um conjunto vazio, se há um
elemento, chamamos de unitário, se há mais de um elemento, é coletivo (ou
universo). Quando falamos das vogais, temos um corpo formado por cinco
elementos individuais, que são as letras a-e-i-o-u. Sem os indivíduos não se
pode formar o corpo.
Particularmente, me
pergunto se os arminianos não ficam envergonhados ao cometer um equívoco tão
primário. Não é segredo que o apóstolo Paulo está lidando com a eleição de
Israel. Mas, devemos lembrar que essa nação é procedente de um homem chamado
Abraão, a quem Deus escolheu e prometeu fazê-lo pai de um grande povo (Gn 12.2).
Logo, falar em eleição corporativa e negar que Deus elege indivíduos é uma discrepância
matemática das mais bizarras.
Erro nº
4: Destronar Deus de sua Soberania
Por fim, ao falar sobre o
endurecimento de Faraó, o Pr. Ciro vai alegar que Deus apenas confirmou o que o
Faraó já estava disposto a fazer. Mas a narrativa de Êxodo diz com clareza que
é Deus quem causa o endurecimento e não que compactua com ele. Deus endurece e
Faraó então se recusa a libertar os hebreus, esta é a sequência (Ex 9.12). O próprio SENHOR revela a Moisés que foi Ele
o responsável pela obstinação do líder egípcio (Ex. 10.1).
Deus é soberano e faz o
que bem quer para que Sua glória resplandeça em toda a Terra. O arminianismo
ataca a soberania quando transforma Deus num ser subserviente a autonomia
humana. Um "deus" que não faz o que quer porque certos homens frustam o divino
querer. Que tipo de "deus" fraco é esse meus irmãos? Com toda a certeza não é o
Deus da Escritura Sagrada. Deuteronômio 32,39 mostra quem é o SENHOR:
“Vejam agora que eu sou o único, eu mesmo. Não há deus além de mim. Faço
morrer e faço viver, feri e curarei, e ninguém é capaz de livrar-se da minha
mão”.
De maneira infeliz, o Pr.
Ciro conclui dizendo que “é inegável o fato de o Senhor ter dotado o homem de
intelecto, sentimento e vontade, a fim de que ele receba ou não, pelo livre-arbítrio,
a salvação”. Mas, se fosse de fato inegável, o apóstolo Paulo não teria negado
ao escrever, em Romanos 4. 6 e 11. 6, que se a eleição for determinada por
obras, deixaria de ser pela graça.
Sabemos que o calvinismo
não desconsidera a responsabilidade humana e muito menos nega a capacidade do
ser humano de fazer escolhas. Isto é um espantalho criado pelos seguidores de
Armínio. O que o calvinismo defende é que Deus é soberano e nada foge do
controle de Suas mãos, sendo a salvação uma obra exclusivamente Sua, sem
nenhuma ajuda humana, pois, este estava morto em delito e pecados (Ef 2.1) capaz de voltar-se para Deus só após ser por Ele vivificado. A resposta
positiva que damos ao chamado divino foi possível graças à atuação do
Espírito de Deus que nos conduziu a Cristo Jesus. Assim creem e ensinam os
calvinistas, conforme cria e ensinou Calvino, conforme cria e ensinou Agostinho,
conforme cria e ensinou o apóstolo Paulo, instruído pela mensagem apostólica - que á e mensagem de Cristo - e
inspirado pelo Santo Espírito.
Soli Deo Gloria!