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3 de set. de 2015

O Calvinismo e o Conceito de Cultura - Uma antítese ao marxismo cultural

Por Thomas Magnum[i]

"Nossas críticas à cultura não terão poder de persuasão a menos que estejam baseadas em algo que possamos endossar nas crenças e nos valores dessa cultura".

Timothy Keller


Cultura é uma palavra bem gasta e com muitas conotações e nuances em cada contexto que é aplicada.  Vemos um florescer benéfico do interesse de muitos cristãos brasileiros pela cultura, e como a igreja pode engajar-se nela, como entender a cultura. Será que tudo na cultura é ruim? Ou a igreja deve enxergar a cultura como bênção de Deus e desfrutá-la sem medida? Ou será que deveríamos nos afastar definitivamente da cultura popular e termos realmente uma cultura evangélica? Quem nunca ouviu: "Devemos apenas evangelizar, nada de nos envolvermos com política ou com arte"; "um crente músico somente pode tocar seu instrumento na igreja ou com músicas cristãs, ele não deve envolver-se com coisas desse 'mundo', o mundo jaz no maligno". Essas são afirmações que ainda ouvimos muito. Lembro na época em que fui para o seminário (que ainda era tolerável porque se ia estudar a Palavra de Deus), mas o jovem que queria ir a faculdade era imediatamente repreendido por alguns irmãos da igreja – cuidado para não se desviar! Quando comecei minha graduação em jornalismo um irmão me exortou: cuidado para não virar ateu! E por aí vai...

É notório e não preciso dar muitos exemplos aqui de que o cristianismo na história sempre foi tendente a se reclusar e se isolar da sociedade. Um exemplo disso foi a criação dos conventos e monastérios, que para se ter um ambiente de maior concentração para os serviços espirituais aparta-se da convivência social por suas inclinações imorais para uma vida de retiro espiritual. Ao olharmos mesmo que de relance como a reforma encarou a cultura veremos que principalmente Calvino deu importância a essa questão e como a igreja deveria responder a essa demanda, na realidade a reforma do século dezesseis trouxe uma Reformissão. Lendo o excelente livro de André Bièler – O Pensamento  Econômico e Social de Calvino, podemos notar a importante contribuição que a reforma trouxe para o desenvolvimento da humanidade, para educação, política, artes, tecnologia e ciência.

A reforma valorizava a doutrina da vocação dos crentes e seu sacerdócio, isso estimulava a igreja engajar-se na cultura para levar todo pensamento cativo a Cristo. A afirmação de Paulo em suas epístolas que Cristo era o Senhor era também uma reivindicação do Senhorio de Jesus sobre a cultura, sobre tudo Era uma ousada afronta, porque somente o César era chamado de senhor, mas Paulo em suas epístolas dizia, não, Cristo é que é o Senhor. Isso é maravilhoso! Isso é o Senhorio de Cristo sobre todas as coisas. Vejamos o que é cultura:

[...] É a atividade do homem, como portador da imagem de seu Criador, de dar forma à natureza para o seus propósitos. O homem é uma criatura cultural e a civilização é apenas o lado externo da cultura.

[...] Cultura não é algo neutro, sem conotação ética ou religiosa. As realizações humanas não são sem propósito, mas buscam alcançar determinados fins, que são tanto bons quanto maus. Sendo o homem um ser moral, sua cultura não pode ser amoral.  Sendo o homem um ser religioso, sua cultura, também, deve ter orientação religiosa. Não há cultura pura, no sentido de ser neutra quanto à religião, ou sem valores éticos positivos e negativos.[ii]

Notamos que nenhuma cultura está eivada de erros e dissociada de pressupostos religiosos. O homem é um ser religioso, ontologicamente isso é inevitável, então onde o homem estiver ali estará algum tipo de manifestação religiosa. A depravação total nos dá um melhor entendimento dessa condição caída do homem e que consequentemente afeta seu habitat, sua forma de ver o mundo, suas lentes são escuras - como dizia Cornelius Van Til. Para que ele enxergue então com lentes corretas é necessário a intervenção cirúrgica do evangelho, a operação da graça eficaz. Somente lendo o mundo com as lentes das Escrituras é que o homem pode compreender seu papel na ordem da criação e cumprir seu mandato cultural para a glória de Deus.

Existe um fluxo que forma a cultura, esse fluxo provém daqueles que são agentes culturais, ou seja, o homem, e prolifera-se dentro dele mesmo, Schaeffer nos diz que:

Existe um fluxo para a História e para a Cultura. E o modo de pensar das pessoas é o fundamento e a fonte deste fluxo. As pessoas são únicas no mundo interior da mente – o que elas são em seu mundo de pensamentos determina como elas agem. Isso é verdade tanto para o seu conjunto de valores quanto o é para a sua criatividade. É verdade para as suas ações coletivas, tais como suas decisões políticas, e é verdade para sua vida pessoal. As consequências da sua visão de mundo fluem por entre os seus dedos ou por meio da sua língua em direção ao mundo de fora. É verdade tanto para o formão de Michelangelo quanto para a espada de um ditador.[iii]

O que Schaeffer nos diz é de grande valia. O que interiormente idealizamos será o motor de nossas ações, de nossa linguagem, de nosso trabalho, de nossa visão de mundo. Seus pensamentos resultarão muitas vezes em suas ações e isso faz parte de sua cosmovisão, de suas convicções, e as convicções estão intimamente ligadas a sua vida religiosa seja transcendente ou materialista. Mas no fim das contas seu telos  é espiritual. Existe uma finalidade em nossa visão de mundo, ela nunca está dissociada de nossas certezas ou incertezas espirituais. Nem o materialismo está eivado de espiritualidade.

Este processo de formação correto ou não em relação à cultura deve ser medido, sondado e julgado. Mas que luz seria necessária para iluminar o fundo da caverna e do submundo das intenções? Claro que a questão filosófica por trás da cortina do discurso é muito importante porque não podemos tratar meramente como um salto, para que não incorramos diretamente na síntese da questão debatida. O posicionamento da filosofia reformada está amparada pelas Escrituras, logo a Revelação bíblica sempre nos encaminha em relação à questão cultural, a antítese e não a uma síntese, o filósofo holandês Herman Dooyeweerd comenta que:

O desenvolvimento da cultura ocidental tem sido controlado por vários motivos religiosos básicos. Os mais importantes desses poderes foram o espirito da civilização antiga (Grécia e Roma), o cristianismo e o moderno humanismo. Uma vez que cada um desses entrou na História, permaneceu em tensão com os outros. Essa tensão nunca foi resolvida por um tipo de “equilíbrio de poderes”, porque o desenvolvimento cultural, para que possa se ininterrupto, sempre exige um poder predominante.[iv]

É muito interessante o que Dooyeweed fala acerca das tensões culturais. Sempre existiu uma guerra cultural, literalmente uma ânsia pelo cultivo de valores socializadores, e sempre com uma perspectiva hegemônica. Toda cultura em certa medida é fruto da graça comum de Deus, mas em outra medida afetada pela queda e é aqui o ponto de tensão no estudo da cultura. Porque esse predomínio com intensões hegemônicas como lemos na História, trará sentimentos e desejos totalitários também. Todos os que não professarem uma fé não cristã, terão sua cosmovisão  desembocada em cultura não cristã, ou pós- cristã, ou até mesmo anticristã. Ao lermos os teólogos holandeses vemos a preocupação em formular uma teologia que atenda a uma apologética cultural como em Abraham Kuyper e Herman Dooyeweerd por exemplo. O historiador da arte Hans Rookmaaker nos diz:

A cultura é o resultado da atividade criativa do homem dentro das estruturas dadas por Deus. Portanto, ela nunca pode ser algo à parte  da nossa fé. Toda a nossa obra é, por fim, controlada por nossa resposta para a pergunta sobre quem – ou o que – é nosso Deus, e onde se encontra, para nós a fonte suprema de toda realidade e vida. Assim nossa “cultura” por consequência nunca pode ser algo à parte da nossa fé. Isso se aplica também àqueles que não reconhecem o verdadeiro Deus, o Criador: sua atividade cultural está influenciada por sua fé basicamente não cristã.[v]

Em seu livro, Igreja Centrada, Timothy Keller nos diz que se [...] Nossas críticas à cultura não terão poder de persuasão a menos que estejam baseadas em algo que possamos endossar nas crenças e nos valores dessa cultura.[vi] Fica claro na fala de Keller que a questão não é somente identificarmos os valores errados de uma cultura mas de como igreja e através da pregação do evangelho reformá-los.

Mas a questão labora sobre algumas discussões em relação a qual deve ser o posicionamento da igreja frente a cultura de hoje, vejamos algumas correntes apontadas no livro de Keller que cita Richard Niebuhr.[vii] Temos então basicamente cinco posicionamentos cristãos sobre a cultura.

Cristo Contra a cultura – Modelo de afastamento, em que se dá um distanciamento em relação à cultura e um mergulho a comunidade da igreja.

O Cristo da Cultura – Modelo de acomodação que reconhece Deus trabalhando a cultura e busca maneiras de ratificar esse fato.

Cristo acima da cultura – Modelo sintético que defende, por meio de Cristo, a complementação do que há de bom na cultura e uma construção em cima desses aspectos positivos da cultura.

Cristo e cultura em paradoxo – Modelo dualista que vê os cristãos como cidadãos de dois reinos diferentes, um sagrado e o outro secular.

Cristo transformando a cultura – Modelo conservacionista que busca transformar cada parte da cultura por meio de Cristo.[viii]

Ao lidarmos com os cinco posicionamentos precedentes fica clarividente que no entendimento aliancista das Escrituras. O último ponto é o posicionamento da teologia reformada – Cristo transformando a cultura – é o que melhor se enquadra no mandato cultural descrito em Gênesis 1.26-30 que é o texto clássico para o tratamento dos três mandatos dados a Adão e Eva. Portanto o cristão não deve viver de forma alienada do mundo que o cerca, o mundo é de Deus, mas por efeitos da queda a cultura corrompeu-se e a igreja recebeu de Deus a missão de transformar as mais variadas culturas, não desprezando-as em sua totalidade. Como já vimos, existem elementos culturais influenciados pela graça comum de Deus. 

A igreja deve engajar-se culturalmente na sociedade, sem abrir mão dos princípios bíblicos da missão e do culto. Mas, também é importante dizer que quando o âmbito cultural resiste as Escrituras isso resulta num conflito de visões que impreterivelmente estão fundados em pressupostos que precisam ser combatidos pelas Escrituras Sagradas, não com um sentimento de política totalitária, mas influenciando a cultura, seja na arte, na política, na imprensa e na educação. 



Sem sombra de dúvida o campo da batalha cultural está nessas quatro frentes que predominam na formação, manutenção e difusão da cultura. No nosso contexto brasileiro existe uma ideologia política que tem instaurado uma infusão filosófica totalitária nesses âmbitos de poder de construção cultural que é o marxismo cultural. 

A manipulação e instrumentalização da grande mídia está em grande medida nas mãos do Estado que manipula a mídia e admite e demite jornalistas e editores. Como se dá esse poder? Através da manutenção de tais veículos, o capital do governo é quem banca sua própria promoção midiática e por isso é perigoso o controle da mídia, esse é um artificio totalitário para frear as criticas ao governo, é uma manha da ideologia socialista para fechar as possibilidades de ataques dos inimigos oposicionistas. 

A ideologia política não governa somente a mídia ou imprensa, mas, estende-se a educação que versa no Brasil em uma filosofia do marxismo cultural de Antonio Gramsci e na filosofia socioconstrutivista que altera todo o sentido de educação intelectual de crianças e jovens, causando uma intervenção estatal extremada legislando sobre moral, sexualidade, religião, política e família. Isso implanta na mente de crianças e jovens uma ideologia e o papel de educar que é dos pais e passa a ser do Estado. Isso é muito perigoso e maléfico. Quando esse ideário é refratado na sociedade, sem dúvida também desemboca nas manifestações artísticas que beiram e chegam à irracionalidade e a banalidade e amputação da estética, a beleza é rechaçada e se promove um novo conceito marxista de gênero que aflora em todas as camadas da sociedade.

Tais fatores devem ter uma resposta da igreja, não somente em âmbito comunitário, mas em âmbito público. A Igreja cumpre a missão de Deus na terra e prega a verdade; verdade essa que não é somente cativa aos assuntos espirituais, pois para o reformado não existe dicotomia entre secular e sagrado, tudo é de Deus e nossa missão vai além do evangelismo. Missões e evangelismo fazem parte da missão, mas, não são toda a missão. Como pregoeiros da verdade devemos falar em todos os âmbitos. E essa verdade está calcada única e exclusivamente em Deus, revelada em sua Palavra.

"Não há um centímetro deste universo acerca do qual JESUS CRISTO não diga: É meu!"

Abraham Kuyper
[i] Este artigo serve como introdução a série que analisa o fator do marxismo cultural na imprensa, arte, educação e política do mesmo autor.

[ii] Henry R. Van Til - O Conceito Calvinista de Cultura, vide pp.27-39. Ed. Cultura Cristã

[iii] Como Viveremos, p.7. Ed. Cultura Cristã.

[iv] Raízes da Cultura Ocidental, p. 23. Ed. Cultura Cristã.

[v] A Arte Moderna e a Morte de uma Cultura, p.46. Ed. Ultimato.

[vi] Igreja Centrada, p.150. Ed. Vida Nova.

[vii] Ibid, p.230.

[viii] Meu objetivo aqui não é fazer uma análise de cada ponto mencionado, mas, posicionar o leitor sobre o debate na história da teologia sobre a cultura. Recomendo a leitura do Livro Igreja Centrada de Timothy Keller para uma profunda análise do autor sobre o diálogo e o engajamento da igreja na cultura de hoje.

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