Por Pedro Pamplona
Numa situação econômica
e moral como a que o nosso país se encontra, as greves parecem brotar do chão
por todos os lados. São inúmeras as reclamações e paralisações por motivos
diversos. E claro, nós cristãos estamos inseridos nesse contexto. Seria
relevante pararmos para pensar em como o cristão deve se relacionar com tais
greves? Muitos diriam que não. Creio que muitos achem um assunto tão “normal”
que não possui implicações religiosas.
Acredito que muitos
ainda coloquem assuntos como esse no campo do secular, ou seja, sem
envolvimento com o “meu eu religioso”. É assim mesmo? Penso que não. Claro, que
não. Como seres e cristãos integrais, vejo nossa ética cristã (bíblica)
adentrando e transformando nosso comportamento em todas as esferas da vida,
principalmente no trabalho. Por isso quero fazer algumas considerações breves
sobre a ética cristã e as greves. Cristãos podem participar?
Não tenho o objetivo de
fechar o assunto e oferecer uma resposta universal e encerrada. As situações e
contextos são muito diferentes, mas creio que podemos chegar ao bom senso
cristão comum, digamos assim. A primeira coisa que devemos lembrar é que nem
toda greve é ilegal. Vejamos o que diz a “Lei da Greve” ou LEI Nº 7.783, DE 28 DE JUNHO DE 1989.
- Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos
trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses
que devam por meio dele defender.
- Art.
2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve
a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal
de serviços a empregador.
- Art.
3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via
arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.
Essa
lei possui 19 artigos reguladores das greves, mas somente esses três já no
servem como um grande filtro de ética. Ainda nem cheguei na Escritura Sagrada,
mas já posso afirmar que se a greve em questão não for pacífica nenhum cristão
deve participar. É crime segundo a lei brasileira e segunda a lei de Deus.
Segundo, se a greve começou sem nenhuma tentativa de resolução do problema por
vias normais nenhum cristão deve participar. A greve é um último recurso, que
deve ser evitado, não um atalho para resolver logo qualquer tipo de problema.
Se
analisarmos a legalidade das greves veremos que muitas delas fogem dos
princípios reguladores do Estado Brasileiro. Portanto, nós já deveríamos estar
com a pulga atrás da orelha com qualquer tipo de greve em nosso contexto. Mas
digamos que seja uma greve lícita, como descrita na lei. Devemos participar?
Vejamos o que diz a Bíblia.
Devemos honrar e obedecer nossos patrões: O texto de Efésios 6:5-8 deixa isso claro quando se refere
ao escravo e o seu senhor. Devemos lembrar que a escravidão naquele tempo e
cultura não é a mesma que a do nosso Brasil colonial. Podemos mais facilmente
aplicar esse princípio ao nosso trabalho hoje.
“Escravos, obedeçam a seus senhores
terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo.
Obedeçam-lhes não apenas para agradá-los quando
eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de
Deus. Sirvam aos seus senhores de boa
vontade, como ao Senhor, e não aos homens, porque
vocês sabem que o Senhor recompensará a cada um pelo bem que praticar, seja
escravo, seja livre.”
Cristãos estão em pecado quando
participam ou iniciam greves em que o princípio da obediência e da honra estão
sendo quebrados. Não participe de greves que se iniciaram por debaixo dos
panos, nem aquelas que têm como objetivo prejudicar os patrões. Não participe
desses atos de rebeldia. Procure saber se o patrão já foi procurado para
resolução dos conflitos e se ele sabe a respeito do problema e da greve.
Procure saber a motivação real de quem está liderando o movimento.
Devemos honrar a nossa palavra e o contrato que assinamos:
Aprendemos que a palavra de um cristão precisa ser direta e verdadeira como um
“sim” e um “não”. A parábola dos trabalhadores na vinha serve de grande exemplo
para o contexto das greves. Nela vemos que, independente do contexto e
desigualdades, precisamos manter nossa palavra e contrato. Aconteceu que o dono
da vinha pagou o mesmo salário aos trabalhadores que trabalharam em cargas
horárias diferentes. Quando o questionamento sobre a injustiça se levantou eis
a resposta do dono:
“Mas ele respondeu a um deles: ‘Amigo,
não estou sendo injusto com você. Você não concordou em trabalhar por um
denário? Receba o que é seu e vá. Eu
quero dar ao que foi contratado por último o mesmo que lhe dei. Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu
dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?”
Mateus 20:13-15
Não aproveite a greve para sair
ganhando em cima de alguém. Não entre em algum movimento que contradiz sua
palavra. Aquilo que você aceitou deve guiar seu procedimento. Não se importe se
fulano entrou ganhando mais, trabalhe pelo que você assinou em seu contrato. Se
estiver precisando de um aumento, peça, se não for possível procure outro
emprego, mas não use da greve para burlar sua própria palavra de crente. Você
está querendo participar de uma greve que luta contra aquilo que você mesmo
acertou com seu patrão? Pare agora!
O comentário de Calvino sobre o
nono mandamento (não furtarás) é muito esclarecedor:
Além disso, transgressão deste mandamento não é só
prejudicar alguém quanto a dinheiro, comércio ou direito de propriedade, mas
também quanto ao não atendimento a qualquer dever nosso e a qualquer direito do
próximo. Porque tanto defraudamos o nosso próximo usurpando os seus bens como
lhe negando os serviços que lhe devemos prestar. Assim, se um procurador ou
mordomo ou administrador, em vez de zelar dos bens entregues aos seus cuidados,
viver na ociosidade, sem se preocupar com o seu dever de procurar o bem daquele
que lhe dá o sustento; se desperdiçar ou empregar mal o que lhe foi confiado,
ou o gastar em coisas supérfluas; se o empregado zombar do seu chefe ou patrão,
se divulgar os seus segredos, ou se planejar algo contra os bens dele ou contra
a sua reputação ou contra a sua vida [Rm 13;1Pe 2; Tt 3]; se, por outro lado, o
chefe ou patrão ou pai tratar desumanamente os seus subordinados ou a sua
família, para Deus é um ladrão. Porque, aquele que não pratica o que a sua
vocação o manda fazer pelos outros, com isso retém o que pertence a outros (As
Institutas da Religião Cristã).
Por último e não menos importante (o mais importante), sonde o seu
coração. Ore pedindo a Deus que revele o seu desejo pela greve. Se você
está pensando nessa possibilidade pelo aumento salarial, cuidado. A ganância
pode ser o real motivo. Muitos participam da greve com o interesse apenas de
aumentar seus padrões de vida ou ganhar mais vantagens que o deixem em situação
de mais conforto. Muitos estão motivados pela preguiça. Fuja disso! O texto de
1 Timóteo 6 encerra esse meu argumento com uma bela definição da relação do
homem piedoso e o dinheiro:
“De fato, a piedade com contentamento é
grande fonte de lucro, pois nada
trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos,
estejamos com isso satisfeitos. Os que
querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos
descontrolados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína e na
destruição, pois o amor ao dinheiro é
raiz de todos os males. Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se
da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos sofrimentos. Você, porém, homem de Deus, fuja de tudo isso e busque
a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança e a mansidão.”
1 Timóteo 6:6-11
Greve e piedade não combinam na grande maioria
dos casos. Minha opinião final é a seguinte: o filtro da Escritura e da piedade
é grande quando se trata de greve. E eu poderia citar ainda várias outras
passagens bíblicas. Você dificilmente encontrará uma que passe por essa análise
e esteja dentro da lei humana, da lei divina, e da piedade do seu coração. Na
verdade, creio que nenhuma greve seja totalmente santa. Portanto, se sua
empresa ou categoria estiver em greve, não participe. Se você puder, vá
trabalhar. Se não, fique em casa sem colocar mais lenha na fogueira. Na dúvida
é melhor evitar. Em todo caso ore e peça a Deus discernimento. Glorifique a
Deus não participando desse tipo de movimento social.